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Obama, o presidente epistolar

A cada noite, ele lê 10 cartas das 20.000 recebidas diariamente por uma equipe da Casa Branca

Obama come com uma remetente em Minnesota.
Obama come com uma remetente em Minnesota.AP

Provavelmente quando Rebekah Erler, uma contadora de Minneapolis de 36 anos, escreveu uma carta para Barack Obama contando suas penúrias econômicas apenas imaginava que o presidente dos Estados Unidos poderia respondê-la. Nunca pensou que ele iria até sua cidade para escutar pessoalmente sua luta para chegar ao fim do mês. Mas o que parecia inverossímil aconteceu no final de julho quando Erler e Obama almoçaram juntos em uma simples lanchonete de hambúrgueres.

A refeição foi a primeira de uma série de encontros na vida de um norte-americano comum que Obama tem mantido desde então para se aproximar dos problemas cotidianos em um momento, quase três meses antes das eleições legislativas, em que sua popularidade está com índices muito baixos e sua ação política está bloqueada pela paralisia que aperta o Capitólio. Na semana passada o mandatário democrata comeu em uma sanduicheria no estado da Califórnia com vários autores das cartas. Antes havia feito o mesmo em Delaware, Colorado e no Texas.

“Você é o motivo pelo qual me candidatei. Não quero que acredite que não estou lutando por você”, disse Obama para Erler em Minneapolis. “Simplesmente queremos poder pagar o dia a dia de nossos [dois] filhos e de nossa casa”, respondeu ela, conforme explicou para os jornalistas após um almoço que demorará muito para esquecer. “Contei algo que acontece com muita gente que conheço”.

Nas últimas semanas o presidente almoçou em diferentes Estados com cidadãos que tinham escrito cartas de todo tipo

Sua carta, e a dos outros afortunados comensais, conseguiu entrar no seleto grupo de 10 missivas de cidadãos que, desde seu segundo dia como morador da Casa Branca em 2009, seus assessores entregam para Obama cada noite seis dias por semana. Um exército de funcionários rastreia diariamente entre um mar de 20.000 cartas e e-mails, verifica que não são uma ameaça de segurança, as organiza por categorias e finalmente seleciona a estimada dezena que considera que mais possa interessar Obama, segundo revelou o jornalista do Washington Post Eli Saslow em seu livro Ten Letters (Dez cartas), no qual conta as vidas de 10 pessoas que entraram em contato com o presidente.

As cartas chegam para Obama no interior de uma pasta lilás e são de todo o tipo: extremamente críticas, gritos de auxílio, vivos elogios, redigidas à mão com nervosismo em folhas de caderno ou com calma em frente a um computador. Lê-las é um ritual noturno indispensável para o presidente, esteja em Washington ou em viagem. Cabe enfatizar que é sua conexão íntima com o sentimento das ruas, uma forma de sair metaforicamente da bolha em que vive. “Eu os escuto”, afirmou na Califórnia.

Normalmente, responde por dia um ou dois remetentes, e o faz de próprio punho e letra para aqueles que o mandam críticas eloquentes e emotivas histórias de dificuldade. Algumas das cartas são lidas em voz alta para sua esposa, Michelle, e outras são reenviadas para seus assessores para que entrem em contato com determinada realidade ou pensem como solucionar um problema. E de algumas, inclusive, Obama gosta de insistir, nascem iniciativas políticas.

Ao almoçar com a contadora de Minneapolis – que pediu um crédito para estudar e cujo marido perdeu o trabalho durante a recessão – buscava respaldar sua agenda legislativa, como suas propostas de aumentar o salário mínimo e ajudar a refinanciar as dívidas universitárias. Não é uma estratégia nova. Todos os presidentes recebiam cartas e diziam escutar o clamor popular, mas Obama – um mestre da comunicação eleitoral – vai além: pede para que escrevam, e recorre muito mais às histórias de heróis cotidianos em seus discursos e convida alguns de seus protagonistas para escutá-los.

Para Petter Lamotte, vice-presidente da empresa de comunicação de crise Levick, o presidente “precisa demonstrar que segue conectado” com as ruas, mas adverte que, por mais refeições e cartas que ocorram, o “impacto será muito pequeno” se ele não conseguir que seu esforço em escutar se materialize em leis concretas.

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