O México acaba com o monopólio estatal de petróleo e gás
A aprovação da reforma energética culmina na maior reforma legislativa em décadas
O Senado do México deu um passo histórico ao aprovar a reforma energética. A decisão, com os votos do partido do governo PRI e do PAN (de direita), permitirá a entrada de capital privado e estrangeiro em um setor que durante 76 anos foi monopólio do Estado. Este passo completa o pacote de reformas estruturais implementadas pelo presidente Enrique Peña Nieto. A mudança alcança não apenas o tesouro nacional dos hidrocarbonetos, mas também altera as regras do jogo em telecomunicações, educação, nas áreas tributária e de finanças e no sistema eleitoral.
Este vendaval reformista, originado no Pacto pelo México, o acordo fechado por Peña Nieto com o PAN e com o PRD logo após ter assumido o poder, tornou-se a pedra angular da política mexicana e o foco da atenção mundial. O presidente empenhou grande parte de seu crédito nesta aposta, que o PRD abandonou há alguns meses por ser contrário ao fim do monopólio. “Com o tempo, quando estas reformas alcançarem sua plena maturidade, as conquistas e benefícios serão sentidos. Impulsionamos uma agenda de mudanças muito importantes na ordem institucional e legislativa, com a participação de todas as forças políticas, e onde buscamos encontrar o maior consenso e o apoio da maioria”, afirmou Peña Nieto na segunda-feira.
Com a aprovação do pacote energético no Senado, falta apenas sua passagem, em uma segunda revisão, pela Câmara de Deputados, onde o PRI e o PAN voltarão a exercer sua esmagadora maioria. Embora este último processo faça parte da rotina parlamentar, o PRD ameaça com mobilizações e já anunciou que acionará todos os recursos legais possíveis, até chegar à convocatória de um referendo que anule a reforma.
A abertura do setor energético ao capital privado, o pilar mais importante do edifício reformista, transforma em passado a lendária decisão tomada na noite de 18 de março de 1938 pelo presidente Lázaro Cárdenas ao anunciar à nação, em uma mensagem radiofônica, a expropriação das companhias petrolíferas, até então nas mãos das todo-poderosas multinacionais britânicas e norte-americanas. A decisão do carismático general revolucionário, desencadeada pela resistência das empresas estrangeiras em melhorar as paupérrimas condições dos trabalhadores petroleiros, catalisou como poucas vezes a sociedade mexicana e desatou uma onda de patriotismo que renasce cada vez que se debate o controle dos hidrocarbonetos, uma das grandes riquezas nacionais. “Com a entrega da exploração do petróleo e da eletricidade a mãos privadas, a nação perderá recursos para satisfazer suas necessidades de educação, saúde, segurança, emprego e crescimento econômico. A Pemex se tornará testemunha de pedra e será superada pela concorrência internacional; com isso seu desaparecimento será acelerado a médio prazo, aumentando a dependência energética e a internacionalização do setor”, argumenta o PRD.
Diante desta percepção de soberania, o presidente Peña Nieto sacou os números. A Pemex, a empresa estatal que controla o monopólio do ouro negro mexicano, é um dinossauro com 150.000 funcionários que está no vermelho (prejuízo de 12,9 bilhões de dólares em 2013, equivalente a 28,6 bilhões de reais) e cuja capacidade para competir em um mercado cada vez mais técnico é patente: nos últimos 13 anos, o investimento na companhia triplicou (de 9 bilhões de dólares para 28 bilhões, ou 62,1 bilhões de reais), mas sua produção de petróleo caiu 30%. O resultado é que o México, o sétimo gigante energético do planeta, importa 30% do gás e 49% da gasolina que consome.
Em sua tentativa de superar esta disfunção energética, a reforma transforma a Pemex e sua homóloga no setor de eletricidade no que foi denominado como empresas produtivas, quer dizer, sujeitas a resultados e com maior autonomia frente ao Estado. A carga tributária da Pemex também diminui, passando de 79% para menos de 65%. Uma mudança de enorme magnitude ao considerar que este fluxo representava até agora um terço do orçamento nacional. A operação foi completada com a saída do conselho de administração do poderoso Sindicato de Trabalhadores Petroleiro. Ainda assim, muitos economistas alertaram que a reforma não desmantela a pesada e onerosa estrutura da Pemex, uma empresa paternalista e com um dos índices de produtividade mais baixos de todas as petrolíferas internacionais.
O México, o sétimo gigante energético do planeta, importa 30% do gás e 49% da gasolina que consome
Mas o prato principal ficou reservado ao novo modelo de exploração. Sem perder a soberania sobre os depósitos, que continuam controlados pelo Estado, a lei autoriza concessões em diferentes graus a empresas privadas, um anátema até a chegada de Peña Nieto ao poder. A mudança faz uma referência a Lázaro Cárdenas que, em seus últimos dias de governo, permitiu a produção compartilhada com empresas privadas de capital mexicano. Uma possibilidade que foi extinta definitivamente em 1958, sob o mandato de Adolfo Ruiz Cortines, o que transformou o México, onde até a posse de um barril está proibida a um indivíduo, em um dos países mais fechados do planeta no setor de petróleo.
Os arquitetos da mudança acreditam que a reforma atraia capitais estrangeiros com capacidade suficiente para explorar tantos os imensos depósitos de gás de xisto do norte do país quanto o lançamento em reservas profundas, que requerem tecnologia e fundos que a Pemex agora não dispõe. O Governo calcula que, em 2018, as mudanças terão gerado 500.000 novos empregos, assim como o aumento de 20% da produção petrolífera e de 40% da oferta de gás e, em geral, um crescimento de 1% do PIB. Tudo isso com o objetivo de tirar a economia mexicana de sua anemia crônica. O crescimento médio do país nos últimos 30 anos foi de apenas 2,4%; ao considerar a meta do Pacto pelo México, fica em torno de 5%, um número com o qual se supõe que o país poderá enfrentar seu grande problema: a pobreza e a desigualdade.
Este processo de reformas, no qual também entram as mudanças nas áreas de telecomunicações, educação e tributária, foi acolhido com entusiasmo no exterior. O FMI, o Banco Mundial e as agências de classificação de risco como a Moody’s consultados por este jornal o apoiam quase sem paliativos. E seus primeiros efeitos, como o desmembramento do império de telefonia do magnata Carlos Slim, foram interpretados como uma vitória política de Peña Nieto. Mas no México as mudanças estão sendo recebidas com frieza. Em um clima de desaquecimento econômico, com projeções muito menores do que as esperadas, o índice de confiança do consumidor está em seus níveis mais baixos. A polêmica reforma fiscal deu um duro golpe na classe média, principal sustentáculo das mudanças. E a repetição do discurso reformista nos últimos 20 meses fez com que perdesse força.
Com esta erosão, apontada pelas pesquisas e que os próprios membros do Governo reconhecem nos bastidores, a presidência colocou em prática um plano de estímulo poderoso. Seu fundamento são as infraestruturas. Para seu desenvolvimento, serão injetados 589 bilhões de dólares (1,3 trilhão de reais), sendo que 63% financiados pelo governo. Neste pacote, que será o foco dos próximos quatro anos de legislatura, estão incluídas a construção de 10.000 quilômetros de gasodutos, novas ferrovias e até a possibilidade de construir um outro aeroporto na Cidade do México. Muita pólvora para atingir este objetivo perseguido há décadas: a decolagem do México.
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