_
_
_
_
_

Ode ao futebol total

Refundada em 2006 e modelada por Löw, a Alemanha deslumbra com a atuação de Kroos, que acertou 93% de seus passes diante do Brasil

Alejandro Ciriza
Klose, Kroos e Khedira comemoram um gol.
Klose, Kroos e Khedira comemoram um gol.MARCUS BRANDT (EFE)

Conscientes de que o imobilismo penaliza, de que uma retaguarda sólida e um panzer goleador é uma fórmula estranha demais e de que, para avançar, sempre é preciso reinventar-se, ter um ponto de virada, em 2006 as autoridades da Federação Alemã deram um murro na mesa. Apesar da colheita excelente da Nationalmannschaft nas Copas do Mundo — três títulos e quatro segundos lugares —, farejaram uma mudança de rumo no futebol e se aplicaram no laboratório. Apostaram em Jürgen Klinsmann no banco de sua seleção e redesenharam as bases do jogo alemão, em prol de um modelo mais elegante, mas igualmente efetivo. A aposta se materializou diretamente na Bundesliga, desde então um campeonato recuperado, vistoso e alegre, e chegou ao seu apogeu com a exibição histórica desta terça-feira à noite diante do Brasil, à qual a equipe de Joachim Löw sacudiu como um trapo no Mineirão, infligindo-lhe a derrota mais vergonhosa de sua história: 7 a 1.

A Alemanha agora se expressa na bola, na velocidade e na gestão dos espaços. A mobilidade é permanente e os passes desconcertam o rival

Ao lado desse técnico, a Alemanha soube evoluir até criar uma engrenagem quase perfeita. Apenas a Espanha, que a segurou na final da Eurocopa de 2008 e nas semifinais da Copa de 2010, e a Itália, perda irrecuperável no mesmo ponto da Euro 2012, conseguiram fazer tropeçar uma equipe demolidora, cujos números assombram do gol até o zagueiro. Nesta terça, contra o Brasil, as estatísticas foram espetaculares. Considerando que a bola só permaneceu nos pés dos alemães por 47% do tempo, o resultado sempre foi danoso. A Alemanha chutou 13 vezes, 10 delas no gol defendido por Julio César, e marcou sete gols. Ou seja, teve uma efetividade marcante de 70%.

Mas, para além do resultado, a mudança cultural se materializa na disposição dos jogadores e na forma de tratar a bola. Longe daqueles tempos em que sobressaía principalmente pelo físico, pela estratégia e pelos bloqueios de seus jogadores, a Alemanha agora se expressa na bola, na velocidade e na gestão dos espaços. A mobilidade é permanente e os passes na linha de ataque desconcertam o oponente. Diante da seleção canarinha, fez 546 passes, dos quais 457 encontraram seu destino. Nesse sentido, a porcentagem de acerto se eleva a 84%. Despiu seu rival com seu trabalho de meio de campo, onde Schwingsteiger e Khedira se impuseram como um rolo compressor a Fernandinho e Luiz Gustavo. O jogador do Real Madri, que chegou ao Brasil no limite depois de sofrer uma grave lesão no início do termo, não só atua como apoio como também aparece com consciência na área contrária.

Müller, Schürrle e Özil celebram o gol de Schürrle.
Müller, Schürrle e Özil celebram o gol de Schürrle.DAMIR SAGOLJ (REUTERS)

É Kroos, no entanto, quem melhor veste a camisa da Nationalmannschaft desde que Löw assumiu o comando. Alguns metros adiantado, menos confinado desde que o preparador reposicionou Lahm na lateral direita — na fase de grupos atuou como pivô —, o meia do Bayern foi a articulação perfeita entre o meio-campo e a linha ofensiva. Assinou a dobradinha mais rápida da história dos Mundiais ao perfurar duas vezes o gol em 69 segundos e participou de outros dois gols, em um deles como assistente de Müller. Com a bola nos pés, sua precisão é majestosa. Completou 71 entregas, com um registro de 93%. É o segundo melhor passador do torneio com 464 passes, contra os 466 de seu companheiro Lahm. Ele é, atualmente, a expressão máxima do futebol total da Alemanha que deslumbrou no gramado do Brasil.

Lahm (466) é o passador mais eficiente do torneio e a onipresença de Müller (0,83 gols por partida) é outra demonstração da modernidade

A outra ode ao jogo moderno é simbolizada por Müller. Desajeitado e com ar indiferente, onipresente, move-se por toda a frente de ataque de modo furtivo, mas sempre aparece. Diante do Brasil, partindo do flanco direito como um falso aríete, canalizou 45% das investidas de sua equipe e percorreu 11,5 quilômetros; no outro lado, Özil só concentrou 20%. Na terça-feira, em Belo Horizonte, Müller voltou a cravar seu ferrão para abrir caminho. Já soma cinco gols no torneio — é o segundo artilheiro, atrás de James Rodríguez, com uma média de 0,83 por partida —, um total de 10 na Copa do Mundo com seus 24 anos. Ao seu lado, dois atores secundários como Klose e Schürrle encarnam também a eficiência germânica. Silenciosamente, o primeiro marcou seu 16º gol em Copas do Mundo para quebrar o recorde de Ronaldo e o segundo, assíduo no banco, acumula já três em apenas 156 minutos sobre o gramado (uma média de 0,6).

É a nova Alemanha, na qual o goleiro Neuer age muitas vezes como líbero — diante do Brasil deu 28 passes e totaliza 148 no torneio —, o na qual o centroavante recua para pegar uma bola. Aquela seleção que busca o quarto cetro — não vence desde 1990, na Itália — e que soma mais partidas (105), gols (223) e finais (oito) na história do campeonato. Aquela que, enquanto alguns debatem sobre seu estilo, eleva atualmente o toque e o jogo de equipe, a desobediência com ordem. A bandeira do futebol total.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_