Futebol do avesso
Para a primeira semifinal, o Brasil apela para o fervor e o estado febril de sua torcida, enquanto a Alemanha se concentra na bola
Joachim Löw, o treinador alemão, sempre moderado, fez ontem as honras do anfitrião: “Não se pode desejar nada mais bonito do que jogar contra o Brasil”. Na hora, deu a entender que talvez haja algo ainda melhor, como ganhar a final. O primeiro prazer ele terá nesta terça contra um adversário que apela mais para o emocional e o estado febril de sua torcida do que o jogo efetuado nestes dias. Mas sem Neymar, que primeiro colocou todo o país em polvorosa e quem, a medida que a semifinal se aproxima, tentam converter em catalisador passional, o mártir de uma causa que agora é preciso defender como nunca pela raça. Scolari, o treinador brasileiro, se encarregou de acentuar o drama e propagar que, após a joelhada do colombiano Zuñiga, sua estrela “não sentia as pernas”. O resto de seus jogadores sim devem senti-las, porque o principal argumento da Canarinha é ganhar com o físico.
O principal meio desta Canarinha é ganhar com o físico
Se não ocorrer uma mudança de última hora, tudo leva a crer que Scolari substituirá Neymar por Willian, um rápido meia do Chelsea. Sua entrada na equipe titular seria como meia pela direita, o que levaria Oscar para uma posição mais centralizada. No Brasil, o meio-campo é muito sólido, as vezes nem serve como atalho para o ataque. É território de Fernandinho, Luiz Gustavo e Paulinho. Um pouco mais à frente, Neymar segurava as pontas. A estatística revela que dos quatro semifinalistas, o Brasil é que equipe que dá menos passes (1.938 contra 3.095 da Alemanha). E ninguém tem mais a bola que três de seus defensores: Marcelo, Thiago Silva – hoje de fora por suspensão – e Daniel Alves. A posse de bola é um assunto menor para Scolari. Desde 1966, quando este aspecto do jogo começou a ser medido, o Brasil com menor posse de bola foi o de 2002, com Scolari no comando e o quinto título na sacola. Na época, sem demorar-se na zona de armação de jogo, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho definiam. Hoje, Fred, Hulk e Jô.
Pela frente, a Alemanha, outro grande colosso em copas, uma equipe clássica que começa a sofrer um abrasileiramento. Para a o Brasil que acariciava a bola, não esta versão nada refinada que a trata com crueza. Contra o peso brasileiro, cabe esperar uma resposta mais tranquila dos alemães, ainda que que Löw já tenha deixado subentendido contra a França que Khedira e Klose, com quem a equipe ganha experiência mas perde sutileza, ainda têm peso em sua prancheta.
A Alemanha precisa de um sucesso estrondoso para apagar suas dúvidas. Seu último grande triunfo remete à Eurocopa de 1996 e a Copa de 1990. Nenhuma das duas ganhas com brilhantismo. As melhores alemanhas foram as anteriores. As de Rahn e Fritz Walter, de Overath e Beckenbauer, de Hoeness e Grabowski, a fugaz de Schuster... O talento então estacionou na posição de líbero, de Beckenbauer a Matthaus, que se tornaram terceiros zagueiros e se dedicaram a limpar a área. A mudança começou em 2006, mas como toda subversão necessita de um sustento.
No futebol, o placar é implacável. Por isto, para esta Alemanha está em jogo uma ideia e um título; para o Brasil, somente o título. A metodologia é coisa do passado mais brilhante que já existiu. Para Scolari, isto é outra história.
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