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Pela primeira vez, um militar espanhol é condenado por torturas no Iraque

O soldado é acusado de participar do espancamento de um detento em 2004

Vídeo de soldados espanhóis agredindo um detento em Diwaniya.
Miguel González

Pela primeira vez desde a restauração da democracia na Espanha, um militar espanhol está preso sob a acusação de um crime contra leis e costumes de guerra. No último fim de semana, a titular do Juizado Militar Territorial número 12, capitã Patricia Moncada, com o apoio da Promotoria marcial, decretou a reclusão de um soldado na penitenciária militar de Alcalá de Henares (nos arredores de Madri), por seu suposto envolvimento nos maus tratos infligidos a prisioneiros na base das tropas espanholas no Iraque, no início de 2004.

A prisão preventiva do militar, pertencente ao Batalhão Alejandro Farnesio da Legião, com sede em Ronda (Andaluzia) e onde a notícia da detenção causou considerável agitação, é consequência da investigação aberta depois que o EL PAÍS divulgou, em 17 de março de 2013, um vídeo no qual se via três militares golpeando com fúria dois prisioneiros estirados no chão de uma cela, enquanto outros dois observavam da porta e um sexto filmava a brutal cena.

O artigo 76 do Código Penal Militar pune com uma pena de 10 a 25 anos de reclusão o “militar que intencionalmente provocar a morte ou lesões graves, torturas... ou tratamento desumano a... prisioneiro de guerra... ou aplicar-lhe de propósito graves sofrimentos”. A prescrição desse delito só ocorre depois de 15 ou 20 anos de sua aplicação, pelo qual a responsabilidade penal dos autores continuaria plenamente vigente.

Após a divulgação do vídeo, o Exército abriu uma investigação sumaríssima cuja conclusão admitia que “sua localização poderia, de fato, corresponder com as instalações habilitadas para prisioneiros no corpo da guarda da Base Espanha em Diwaniya (Iraque)”. O Exército transferiu o resultado de sua investigação para a Justiça militar, a quem prometeu “colaborar ao máximo no esclarecimento dos fatos e na correção mais completa das responsabilidades”.

Ao mesmo tempo, o Exército afirmou que “nenhum dos chefes dos contingentes destacados no Iraque teve certeza ou sequer suspeita de que foram infligidos maus tratos aos prisioneiros” e ressaltou que “um caso isolado de supostos maus tratos não pode manchar” o trabalho dos mais de 130.000 militares espanhóis que participam de missões internacionais durante mais de duas décadas.

Em abril, o testemunho de um soldado anônimo ofereceu novos dados

Ao longo desses 15 meses de processo, declarado secreto, o EL PAÍS foi convocado em três ocasiões para prestar depoimento como testemunha, amparando-se sempre no sigilo profissional para não revelar suas fontes. Na primeira declaração, o jornal entregou à juíza o material bruto do vídeo, de 40 segundos de duração e já com as imagens pixeladas, impedindo o reconhecimento dos rostos dos agressores e das insígnias de suas unidades militares.

No último dia 13 de abril, o EL PAÍS publicou o testemunho de um soldado que, sob o pseudônimo de Cazorla, deu detalhes até então inéditos do ocorrido. Ele contou que os prisioneiros tinham tentado entrar na base com um jumento carregado de explosivos e que, naquela noite, enquanto montava guarda, soube por outros colegas que alguns militares haviam dado uma surra nos detentos. “Cobriram os homens que estão aí dentro de socos e chutes! Parece que tem até um vídeo e tudo”, disseram-lhe. Cazorla se aproximou para ver os prisioneiros, já que as celas não estavam trancadas e os soldados que tomavam conta deles o deixaram passar. “Eles se encolheram contra a parede, estavam assustados como cachorrinhos”. No dia seguinte, dois colegas o ameaçaram caso contasse o que viu.

A Brigada Plus Ultra II, da qual fazia parte o soldado detido pela juíza, permaneceu no Iraque entre dezembro de 2003 e abril de 2004. A maior parte de seus 1.300 efetivos vinha da Brigada Extremadura, mas também contava com uma companhia do Batalhão da Legião de Ronda. O centro de detenção ocupava um barracão com quatro celas ao lado do corpo de guarda. À noite, os militares de serviço – sem formação específica para a custódia de prisioneiros – se encarregavam de vigiá-los.

Anistia Internacional pede que o caso passe a um tribunal civil

O objetivo central da investigação é identificar todos os militares que aparecem no vídeo e os superiores que souberam dos fatos mas não aplicaram punições. Quanto às vítimas, deveria ser fácil identificá-las a partir do registro de prisioneiros. Segundo uma carta enviada pelo Ministério da Defesa à organização Anistia Internacional em 2006, as tropas espanholas no Iraque prenderam um total de 111 pessoas, das quais 78 foram entregues à polícia iraquiana e 33 transferidas para a penitenciária de Abu Grhaib, em Bagdá, tristemente famosa pelas imagens de humilhações a prisioneiros.

Em entrevista ao EL PAÍS, Esteban Beltrán, diretor da Anistia Internacional na Espanha, classificou como “significativo o fato de se ter conseguido um primeiro resultado na investigação da juíza militar” e alertou que “as autoridades devem colaborar para o esclarecimento completo de tudo o que ocorreu”. Beltrán acrescentou ainda que, “apesar da importância desse avanço”, sua organização continua acreditando que “a jurisdição militar não é adequada para julgar esses casos”, já que “carece da independência e da imparcialidade necessárias. As supostas violações de direitos humanos por parte de militares devem sem julgadas por tribunais comuns”, concluiu.

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