A Argentina atrasa o pagamento da dívida e nega a negociação com fundos abutres
O Governo negou uma negociação com os credores que reclamam judicialmente o pagamento do 100% do passivo de 2001
A Argentina envia uma mensagem quando seus advogados falam com o juiz que condenou o país a pagar os credores que estão em litígio por dívidas ainda não pagas desde a crise de 2001. E outra muito diferente quando seus máximos funcionários se pronunciam para os jornalistas. O chefe do Gabinete de Ministros argentino, Jorge Capitanich, negou nesta quinta-feira, em sua entrevista coletiva diária, o que tinha prometido o advogado que representa o país sul-americano nos tribunais dos EUA, Carmine Boccuzzi, no dia anterior para o juiz Thomas Griesa. Capitanich desmentiu que exista uma “missão” ou “comitiva” de funcionários “preparada para uma eventual viagem aos EUA” na próxima semana para negociar com os fundos abutres e demais credores que rechaçaram a reestruturação da dívida em 2005 e 2010 e que optaram pela reclamação judicial para cobrar 100% do valor do passivo original.
A presidenta disse que não pode pagar em dinheiro, porque as reclamações chegam a mais da metade das reservas do Banco Central
Se não há negociação ou mudança da sentença do juiz Griesa, que foi tomada em 2012, e ratificada nesta segunda-feira pelo Supremo Tribunal dos EUA, então a Argentina deve pagar em 30 de junho, 1,5 bilhão de dólares (3,3 bilhões de reais) em dinheiro aos credores litigantes antes de cumprir nesse mesmo dia o vencimento dos juros da dívida reestruturada, no valor de 225 milhões. Frente a essa exigência, o Ministério de Economia argentino anunciou na noite de quarta-feira que não poderá abonar esses 225 milhões, porque considera inviável economicamente para seu país o pagamento aos abutres, já que isso levaria a outras demandas de credores litigantes num total de 15 bilhões de dólares (33 bilhões de reais). Essa decisão ainda não significa a suspensão dos pagamentos da Argentina, que seria a segunda neste século, depois da de 2001. Os títulos têm uma cláusula que outorga um período de graça de 30 dias. Quer dizer, Buenos Aires tem tempo até 30 de julho para cumprir os compromissos com a maioria dos credores que aceitaram trocar 93% da dívida em 2005 e 2010. A dívida que corre riscos de moratória chega a 28 bilhões e foi emitida em Nova York, Londres e Japão.
Na última terça-feira, o ministro de Economia argentino, Axel Kicillof, havia anunciado à imprensa que seu país estava tentando evitar o bloqueio do juiz Griesa ao pagamento da dívida reestruturada oferecendo aos credores desse passivo uma troca dos títulos com legislação nos EUA, Reino Unido e Japão por outros com lei argentina. Desse modo, os investidores poderiam receber em Buenos Aires, mas há dúvidas de quantos aceitariam mudar a legislação dos títulos. Kicillof disse que sua equipe de trabalho estava dando os “primeiros passos” para essa troca. Mas no dia seguinte, o advogado norte-americano que defende a Argentina na corte do juiz de Nova York negou que Buenos Aires esteja dando esses "primeiros passos", embora tenha reconhecido que não se descarta nenhuma opção. Griesa advertiu que uma troca de dívida para esquivar sua decisão implicaria um "desacato" da Argentina frente à justiça dos EUA, à qual se submeteu ao emitir dívida nesse mercado no final do século passado e princípio do atual.
Apesar de negar a viagem prometida aos EUA, Capitanich admitiu que existe uma "estratégia de negociação". Fez isso ao contar que, na quarta-feira, ele e o ministro da Economia tinham se reunido com os chefes dos grupos parlamentares da oposição para explicar o problema do julgamento da dívida e obter apoio. O chefe de Gabinete disse que o Congresso demonstrou "um caminho de apoio à estratégia de negociação”. A pergunta é se a Argentina negocia com o juiz ou com os credores para pagar com títulos públicos, e não em dinheiro, 100% do que é reclamado, sem as diminuições que implicaram as trocas de 2005 e 2010. É verdade que toda a oposição critica igualmente os fundos abutres, que se especializam em comprar títulos a baixo preço de países e empresas em moratória para depois rechaçar as reestruturações e demandar nos tribunais o 100% da dívida. No entanto, há críticas opositoras pelos contínuos ataques do Governo de Fernández ao juiz Griesa.
Na última terça-feira, a Argentina anunciou a intenção de oferecer aos credores uma troca dos títulos com legislação argentina
Se o kirchnerismo reconhecer que negocia com os abutres, pode ter um custo político. Durante anos prometeu que não faria isso, que 7% dos credores que rechaçaram a troca não podiam receber um tratamento melhor que os 93% que tinham aceitado negociar. Mas não só isso. Uma cláusula dos títulos emitidos em 2005 e 2010 estabelece que se a Argentina oferece um acordo melhor aos que rechaçaram a troca, os que a aceitaram também podem reclamar o mesmo benefício. Isso significaria demandas adicionais no valor de 120 bilhões de dólares dos credores da dívida reestruturada, segundo Kicillof. Quer dizer, que Buenos Aires não pode oferecer um acordo melhor aos litigantes, mas pode cumprir uma ordem judicial que, por exemplo, a obrigue a pagar com títulos públicos e sem redução, em lugar de pagar em dinheiro. Fernández disse que seu país não pode pagar em dinheiro, porque as reclamações totais dos abutres e outros litigantes ascendem a mais da metade das reservas do Banco Central, no momento em que a Argentina sofre uma escassez de divisas que derivou este ano em uma desvalorização do peso, estancamento econômico e uma inflação de 34,9%. Mas um dos sócios do fundo abutre NML disse no final de maio que estaria disposto a receber títulos. Este ano, a Argentina pagou com títulos públicos a indenização para a Repsol pela expropriação de 51% da YPF. São títulos que vencerão quando Fernández deixar o poder em dezembro de 2015.
Horas antes de que os advogados da Argentina e os fundos abutres se reunissem esta quarta-feira com o juiz para marcar a negociação agora desmentida da próxima semana, um tribunal de apelações de Nova York levantou a suspensão da sentença de Griesa que regia até agora. A consequência dessa medida, que foi solicitada na própria segunda-feira pelos abutres, é que a Argentina deveria pagar para eles no próximo dia 30 antes de saldar a dívida reestruturada. O governo argentino considerou que o "levantamento" da suspensão da sentença "mostra a inexistência de vontade de negociação em condições diferentes das obtidas na sentença ditada pelo juiz Griesa".
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