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Superstições da Copa do Mundo

Não encontrei um brasileiro que não tenha uma pequena superstição, seja ela íntima ou pública, no dia de jogos decisivos e, ao mesmo tempo, nunca vi um povo que exija mais de sua seleção

Antonio Jiménez Barca
Um torcedor do Brasil reza antes da partida contra o México.
Um torcedor do Brasil reza antes da partida contra o México.Antonio Lacerda (EFE)

Conheço uma mulher que, a cada dia de jogo do Brasil, coloca a mesma camiseta para atrair boa sorte, e que continuará usando enquanto o Brasil estiver na Copa do Mundo. Há um jovem jornalista que colocou em sua página no Facebook a foto de uma vela que acendeu para não sei que santo e que, convencido de que a coisa deu certo, promete acendê-la, do mesmo jeito, em todos os jogos. Há outro que não assiste às partidas com seus amigos, porque quando fez isso o Brasil perdeu, e então nunca mais... Sei de quem assistiu à partida entre Brasil e México na mesma posição incômoda, com o risco de ficar com torcicolo ou alguma contratura, convencido de que, enquanto mudasse de posição, os mexicanos marcariam um gol, e depois para explicar aos outros que fora por sua culpa... Conheço um outro que reclamava com um companheiro de trabalho, porque este foi ao banheiro justamente no gol da Croácia e que o fez ir urinar antes do jogo, para que não se levantasse da cadeira e saísse do escritório, porque isso daria má sorte, cara, até parece que você não sabe.

É assim.

Nunca encontrei um brasileiro que não desenvolva uma pequena superstição, seja íntima ou pública, nos dias de jogos decisivos de sua seleção. E que não a ponha em prática decisivamente, sem nenhuma vergonha, e que não torne pública. Assim, os jogos são uma mistura alucinante e muito divertida de rituais.

Eu não acredito, mas dizem até que Pelé é um tanto “zicado” e que basta que ele preveja algum resultado, ou um vencedor, para que ele não vença, e com isso imagino que o atacante mais genial da história do futebol tome muito cuidado na hora de dar palpites sobre resultados.

Ao mesmo tempo, nunca vi um povo que exija mais de sua equipe. Dias depois do empate com o México (que a Espanha cansada de hoje adoraria), uma dentista de 64 anos conversava sobre o jogo com sua auxiliar. Durante meia hora, período em que durou a consulta, e enquanto o cliente permanecia com a boca aberta por questões odontológicas e admirativas, a dentista-vovó e sua auxiliar não deixaram durante nenhum momento de criticar a seleção brasileira pelo feito inusitado de não ter conseguido marcar uma única vez contra os mexicanos em 90 minutos. Sei que o paciente gostaria de ter entrado na conversa para dizer que o adversário também joga, senhoras, e acrescentar que o goleiro mexicano transformou-se em uma Muralha da China do futebol durante sua tarde mágica e defendeu bolas que em qualquer outro jogo teriam entrado no gol. Mas também sei que ele não teria convencido as duas.

Exigimos da seleção o que agora estamos começando a exigir também do país”, disse-me uma vizinha de São Paulo

“Nos acostumaram mal. A seleção é nossa fuga, é o que sempre tivemos de bom. Fomos campeões cinco vezes. Por isso exigimos sempre deles e, se não ganham, nos sentimos tão mal. Exigimos da seleção o que agora estamos começando a exigir também do país”, disse-me há pouco tempo uma vizinha de São Paulo.

Ainda assim, se pensarmos bem, é normal que quem vê jogo na mesma posição torta e incômoda, e quem se sacrifica e não assiste com os amigos de infância porque assim acredita estar ajudando a causa, peça aos jogadores algo além de sacrifício e sorte: a vitória.

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