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A arte em estado de invenção pura

O documentário Hélio Oiticica, premiado no Festival do Rio de 2012, retorna a Brasil para ser exibido nas salas de cinema comercias

Imagem do documentário Hélio Oiticica.
Imagem do documentário Hélio Oiticica.

“A pintura e a escultura são algo superado”, sentenciava Hélio Oiticica (Rio de Janeiro, 1937-1980) durante o período mais frutífero da sua criação. A rejeição à arte tradicional alcançou suas máximas proporções a partir de 1960, quando o artista ultrapassou os limites do movimento neoconcreto para começar a desenvolver um trabalho autoral que viria a caracterizar o seu legado. “Foi uma abolição cada vez maior de estruturas e significados, até chegar ao que eu considero a invenção pura”, explica Oiticica em uma fita de áudio gravada nos anos setenta. Cerca de 40 anos depois, o sobrinho do artista, Cesar Oiticica Filho, reuniu este e outros arquivos audiovisuais inéditos no documentário Hélio Oiticica que, depois de ser premiado no Festival do Rio em 2012, retorna ao Brasil – dessa vez para ser exibido nas salas de cinema comerciais do país.

Depois de passar por mais de 20 festivais internacionais e receber vários prêmios, entre eles o Fipresci e o Caligari na Berlinale do ano passado, o filme chega à Espanha. Chema González, chefe de atividades culturais do Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em Madrid, viu o filme no festival DocLisboa e decidiu estreá-la no programa audiovisual Intervalos do museu, com duas projeções, nos dias 23 e 29 de maio. Para González, o mais original do documentário é “a sua proposta ensaística, que se afasta do gênero porque não é um documentário biográfico no sentido mais estrito”, visto que “não há voz em off, entrevistas, nenhum recurso de construção da autoridade, que é tão habitual nesse tipo de cinema”.

Passaram 12 anos desde que Cesar Oiticica Filho teve a ideia de realizar um filme sobre seu tio, de cuja obra é um profundo conhecedor. Em 2002, enquanto pesquisava o material para uma exposição, encontrou algumas fitas super 8 gravadas por Hélio Oiticica. Ao ver esses filmes, percebeu que “estavam mal interpretados pela curadoria anterior”. Se o artista gravava uma sequência de três minutos, “isso já era o filme pronto, não havia necessidade de editá-lo”, destaca o cineasta. “Ainda que pareçam filmes caseiros, com uma estética muito precária, são filmes realmente de autor”.

O longa-metragem foi distribuído nas salas de cinema da Alemanha após ganhar o Caligari e vai estrear em todo o Brasil no dia 24 de julho –dois dias antes do aniversário do Hélio, de modo que para esta data a equipe está preparando “uma grande festa com performances, Cosmococas e Parangolés (estruturas que se vestem como se fossem uma extensão do corpo)” no Parque Lage, no Rio de Janeiro, conta o diretor. Oiticica Filho queria fazer uma grande estreia internacional, mas por enquanto não há previsão de quando se poderá ver o filme em cinemas europeus e latino-americanos. O diretor ganhou um edital da Ancine (Agencia Nacional do Cinema) e teve um orçamento de 1,5 milhões de reais para realizar o filme, mas não conseguiu apoio financeiro para a distribuição.

Hélio Oiticica insere o público dentro do processo de criação do artista, nas suas memórias e reflexões sobra a arte. Na telona, Oiticica se move à base de carreiras de cocaína enquanto descreve seu próprio fluxo de pensamento. A intenção de Oiticica Filho com esse documentário era “apresentar o Hélio ao Brasil e ao mundo, e apresentá-lo através dele mesmo, que é a melhor forma de conhecê-lo”. Ao misturar as fitas super 8 com as fitas de áudio do arquivo pessoal de Oiticica, o diretor pretendia ao mesmo tempo botar o público “no olho do artista, para que vejam o mundo através da sua perspectiva”, e “na sua cabeça, escutando os seus pensamentos”. Estas intenções de Oiticica Filho têm claras referencias na arte de Hélio, especialmente na criação do artista que, segundo conta o diretor, mais influenciaram no seu trabalho: os Cosmococas, instalações ambientais cujo objetivo é trazer o espectador ao centro de sua arte, oferecendo-lhe experiências multissensoriais.

O diretor utilizou não só o arquivo pessoal de Hélio Oiticica, mas também fragmentos audiovisuais de diversos artistas e cineastas. Além disso, a equipe gravou várias das suas obras para “costurar” todo o material. Uma delas, os Penetráveis –peças com as que o público pode interagir– exemplifica alguns dos principais conceitos presentes na obra de Hélio Oiticica. O próprio artista manifesta no filme: “Contato não contemplativo. O espectador transformado em participante. O artista não mais como criador de objetos: propositor de práticas. Situações a serem vividas”.

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