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A degradação da infraestrutura prejudica o status de potência dos EUA

A paralisia legislativa dificulta a recuperação da rede de pontes e rodovias, uma das prioridades de Obama não cumpridas

Marc Bassets
Obama diante da ponte Tappan Zee.
Obama diante da ponte Tappan Zee.jewel samad (afp)

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sonhava com um país cortado por trens de alta velocidade, sem congestionamentos nas rodovias nem pontes sob risco de desmoronamento. Mas a paralisia legislativa no Capitólio e o pouco apetite do contribuinte por mais gastos públicos impediram Obama de enfrentar uma das prioridades da sua gestão: a modernização de uma rede de infraestrutura antiquada, cuja degradação ameaça o status de potência econômica do país.

A Casa Branca tentou nesta semana colocar de novo a infraestrutura no centro do debate político. À beira do rio Hudson, em frente a uma ponte que liga os Estados de Nova Jersey e Nova York, Obama insistiu que o Congresso deveria desbloquear recursos para melhorar estradas, pontes e ferrovias. Não fazer isso, alertou, pode custar até 700.000 empregos à economia dos EUA.

“Um dos motivos pelos quais a América se tornou uma superpotência econômica foi a construção de um sistema de transportes de primeiro nível mundial”, disse o presidente.

Não é possível explicar as transformações deste país – que em menos de dois séculos passou de uma confederação de colônias inglesas para uma superpotência global – sem levar em conta os multimilionários investimentos em infraestrutura. Da rede ferroviária do século XIX até as amplas rodovias nos anos cinquenta do século XX, passando pelo new deal de Franklin D. Roosevelt e pela rede militar que foi o embrião da internet, a infraestrutura articulou os EUA e consolidou sua ascensão.

A história dos EUA, explica o historiador Michael Lind, gira em torno de um conflito não resolvido entre hamiltonianos e jeffersionianos. Os primeiros, recorda Lind em entrevista por email, seguem a tradição de Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro, favorável a um Estado central forte e dedicado a promover o desenvolvimento industrial e econômico. Os segundos se inspiram no presidente Thomas Jefferson, receoso do poder central intervencionista.

“Os projetos hamiltonianos, como a ferrovia transcontinental no século XIX e as autoestradas interestaduais no XX, tendem a ter sucesso durante crise militares como a guerra civil ou a Guerra Fria, quando o imperativo da segurança nacional se impõe ao localismo jeffersoniano e à hostilidade contra o Governo federal”, diz Lind, autor do livro Land of Promise (terra da promessa) e cofundador do think tank Fundação Nova América.

Nos últimos anos, os jeffersonianos – identificados agora com o populismo de direita do movimento Tea Party – vêm se opondo a tentativas de investir verba pública em infraestruturas O caso mais recente ocorreu em 2009, quando o Congresso aprovou um plano de estímulo que devia preparar os EUA para o século XXI. Esses esforços pararam em 2011, quando os republicanos se tornaram a bancada majoritária na Câmara dos Deputados.

Obama ficou a meio caminho. Um exemplo: os trens da empresa espanhola Talgo parados até agora em Wisconsin, onde a posse do governador republicano Scott Walker, em 2009, freou os planos para levar a alta velocidade a este Estado do Meio Oeste.

O plano de estímulo permitiu melhoras. “Serviu para bastante coisa: provavelmente melhorou nossa situação de péssima para simplesmente má”, diz por telefone Michael Grunwald, autor do livro The New New Deal (O novo new deal), uma crônica dos efeitos transformadores do plano de estímulo de Obama.

O último dos relatórios que a cada quatro anos a Sociedade Americana de Engenheiros civis publica elevou a qualificação da infraestrutura norte-americana de D para D+, em uma escala de A a F. Em vários rankings sobre competitividade do Fórum Econômico Mundial.

“[O mau estado da infraestrutura] é o resultado de ter sido tão bem-sucedida na geração anterior. A maior parte da melhoria na infraestrutura do país ocorreu nos anos 1960 e 1970, quando se produziu uma grande expansão econômica”, diz o presidente da Sociedade Americana de Engenheiros Civis, Randy Over, em declaração no Estado de Ohio.

Os EUA são um país moderno, mas há quase meio século. Qualquer visitante que tenha vivido na Espanha do boom econômico fica chocado com as irregularidades nas ruas, a fiação elétrica em postes e vulnerável à queda de árvores e a inexistência de autênticos trens de alta velocidade. Percorrer de trem o trajeto entre Washington e Nova York, de 370 quilômetros, leva mais tempo do que os 600 quilômetros entre Barcelona e Madri.

“Se você não é capaz de transportar mercadorias, não pode funcionar”, disse Over. “Se a rede de eletricidade não funciona de maneira apropriada, se o petróleo não pode chegar de uma ponta a outra do país em oleodutos, trens e caminhões, isso afeta nossa capacidade de ser uma potência econômica.”

A política externa começa em casa (Foreign policy begins at home) é o título do último livro de Richard Haass, presidente do laboratório de ideias Council on Foreign Relations. “Os Estados Unidos”, queixa-se Haass no livro, “gastam menos de 2% de seu PIB em infraestrutura, enquanto a China gasta 9% e a Índia, 8%.

A ideia, que Obama menciona com frequência, é que antes de embarcar em guerras para refundar países distantes, como na década passada, a prioridade é a reconstrução interna. Está em jogo também a permanência dos EUA como primeira potência mundial.

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