“Faremos a informação em nome do leitor e não de uma ideologia”
O novo diretor do EL PAÍS, Antonio Caño, respondeu as perguntas dos leitores Leia a entrevista digital
P. Cada vez mais se evidencia uma virada desse jornal para a direita. A independência dos meios de comunicação neste país está em perigo? O senhor foi escolhido para realizar essa virada para a direita? Não acha que essa hipotética virada para a direita provocará uma debandada de leitores?
R. Infelizmente vivemos na Espanha um ambiente exageradamente ideologizado no qual as ideias e as propostas não são analisadas pelo que valem em si mesmas, mas são imediatamente rotuladas como de direita ou de esquerda e, portanto, imediatamente desautorizadas por seu suposto contexto ideológico, não pelo que significam. Os meios de comunicação contribuímos em parte para essa situação. Estou convencido de que neste país descartamos muitas ideias boas simplesmente porque não se acomodam aos nossos padrões ideológicos. Não tenho nenhuma intenção de “direitizar” ou “esquerdizar” este jornal, ao qual respeito demasiado para submeter a caprichos ou vaivéns ideológicos pessoais. Isso não conta na ordem de prioridades desta direção nem é disso que este país precisa. Confio que os leitores percebam e entendam esses valores porque, evidentemente, aqueles que busquem aqui um jornal ativista, militante ou sectário não irão encontrá-lo. Temos nossos editoriais e nossas páginas de opinião exatamente para expressar nossa linha editorial, que será a mesma de sempre. Mas tentaremos construir nossas informações em benefício dos interesses dos leitores, não de uma ou outra ideologia política.
P. Senhor diretor, os senhores tomarão medidas para retomar a liderança do jornal no jornalismo investigativo? Farão investigações em outros países?
América é uma de nossas grandes prioridades estratégicas do momento. Vamos fortalecer nossas edições em espanhol e em português no continente
R. Vamos criar uma sólida equipe de jornalistas investigativos, dirigida por um dos melhores jornalistas investigativos da Espanha, José María Irujo, exatamente para dar resposta à carência de verdadeiro jornalismo investigativo, não de sucedâneos sensacionalistas, na Espanha.
P. EL PAÍS voltará a ser o jornal espanhol liberal progressista e comprometido com a Constituição que foi durante muitos anos, ou manterá a linha sectária, incondicionalmente pró-PSOE, e irresponsavelmente esquerdista e filo-nacionalista que predominou nos últimos tempos?
R. Com todo respeito, não acredito que tenhamos nunca deixado de ser um jornal espanhol progressista comprometido com a Constituição. Essa definição está no DNA deste jornal e no meu próprio DNA. Algumas vezes, nossas posições podem ter coincidido mais com as do PSOE, na medida em que defendemos visões cosmopolitas e, precisamente, liberais, que a direita espanhola rejeitou voluntariamente durante anos. Repito, jamais seremos um jornal próximo a nenhum partido. Temos e teremos nossos pontos de vista. Se estes pontos de vista estiverem mais próximos ou mais distantes de outros, não é problema nosso.
P. A maior parte dos jornais digitais está começando a cobrar por seus conteúdos digitais. EL PAÍS vai fazer o mesmo? E com elação a esse assunto, veremos EL PAÍS apenas em formato digital?
R. Não tomamos ainda uma decisão com relação a cobrar pelos nossos conteúdos digitais. No mercado existem atualmente diferentes fórmulas, todas elas com resultados discutíveis. É verdade que, no que se relaciona com os jornais de qualidade como o nosso, a tendência é de se impor o modelo de pagamento, mas é uma coisa que ainda está sendo considerada. Com relação a se veremos EL PAÍS apenas em formato digital, não posso dizer-lhe qual será o momento ou a fórmula, mas é uma possibilidade que temos que considerar muito seriamente porque isso é o que nos indica a tendência de mercado dos jornais impressos.
P. Leio em outros veículos, nesta mesma data, novas revelações sobre a atividade da infanta Cristina no Caso Noos. O silêncio de EL PAÍS significa que voltaram ao acordo não escrito com a Zarzuela dos últimos 30 anos?
R. Não temos nenhum acordo com a Zarzuela nos últimos 30 anos nem nos últimos 30 meses, nem nos últimos 30 dias. Não se preocupe que estamos prontos para continuar fazendo, como fizemos até agora, um exaustivo acompanhamento do caso Noos. Quando for notícia.
EL PAÍS também deve contribuir para a transição democrática em países como Cuba e Venezuela
P. Boa tarde, o senhor confirma ou desmente suas duas visitas à Moncloa (sede do governo, em Madri)? E para que foram?
R. Entre a tarefa lógica do diretor de um jornal está a de falar com o presidente do governo. Dito isso, a verdade é que não falei ainda -- nem fui à Moncloa -- com o senhor Rajoy, a quem, por certo, conheço muito superficialmente de uma entrevista que lhe fiz quando ainda nem era presidente do governo.
P. A que se refere a estrutura de "América", serão notícias relacionadas desde o Canadá até a Argentina e Chile, passando por Colômbia ou apenas sobre os EUA?? Que valor tem o continente americano para o jornal EL PAÍS? O jornal digital continuará tal como está agora ou será ampliado?
R. América é uma de nossas grandes prioridades estratégicas do momento. Vamos fortalecer nossas edições em espanhol e em português no continente americano, que entendemos como os países da América Latina e a população hispânica dos Estados Unidos. Pessoalmente, tenho metade do coração nesse continente, onde vivi muitos anos e onde tenho grandíssimos amigos e colegas. Aqueles que me conhecem sabem muito bem disso.
P. Qual é a visão que o diretor do jornal mais importante em língua espanhola tem sobre o desenvolvimento da democracia na América Latina, especialmente em países como Argentina e Venezuela, e qual a sua percepção sobre o futuro imediato dessas democracias?
R. EL PAÍS foi, em seu momento, uma peça fundamental para empurrar a transição democrática na Argentina, no Chile e em outros países que estavam sob ditaduras militares de cunho fascista. É um papel do qual estamos orgulhosos e que serviu para identificar nosso jornal com os melhores valores democráticos. Nas circunstâncias atuais, EL PAÍS também deve contribuir para a transição democrática em países como Cuba e Venezuela. Da mesma forma que naquela época, somos um jornal que pretende representar as aspirações dos cidadãos, especialmente da classe média, à modernização, à liberdade e ao progresso.
Acreditamos que a Catalunha perde com a independência - e, a propósito, a Espanha também
P. É verdade que o senhor cozinha melhor do que José Andrés? Ou se trata apenas de uma disputa entre amigos?
R. Permita-me admitir que cozinho bastante bem. Mas não, absolutamente não como José Andrés. Ninguém cozinha como ele. Vocês vão achar uma opinião suspeita porque ele é meu amigo e têm razão nisso.
P. Eu lhe desejo muita sorte e muitos êxitos, sempre pensei que o senhor é um dos melhores profissionais que o jornal tinha. Qual será no futuro a linha editorial do jornal com relação ao problema da Catalunha?
R. Nossa linha editorial com relação à Catalunha não sofrerá nenhuma mudança. Acreditamos que a Catalunha perde com a independência -- e, a propósito, a Espanha também --, que esse é um caminho inviável, e estamos dispostos a contribuir, a partir da nossa posição editorial, para encontrar soluções razoáveis. Tenho prevista uma viagem a Barcelona nos próximos dias para receber informação mais precisa sobre o atual momento.
P. Com a mão no coração, diga se algum membro do governo da Espanha exerceu ou exerce alguma pressão sobre o jornal?
R. Com a mão no coração e veementemente: não.
Os poderes golpeiam a porta deste jornal, como a de todos os jornais do mundo
P. Em sua época, Juan Luis Cebrián argumentou que os conhecimentos de economia de Joaquín Estefanía [ex-diretor do EL PAÍS entre 1988 e 1993] eram os quesitos fundamentais para sua nomeação como diretor do jornal. Quais você acha que são os seus valores diferenciais para ser diretor do jornal? Muito obrigado e muita sorte.
R. Sinceramente, não sei quais seriam meus valores diferenciais. Eu estou há 37 anos exercendo o jornalismo, 32 deles no EL PAÍS. Visitei dezenas de países, entrevistei centenas de personagens, cobri guerras, eleições, conferências... mil coisas. Sempre fiz o mesmo jornalismo: contar histórias, fazer notícias, elaborar crônicas. Eu tentei que fossem objetivas, equilibradas, intelectualmente honradas, que me permitissem dormir tranquilo pela noite pensando que eu fazia o melhor que era capaz de fazer. Grande parte dessa atividade a realizei na América Latina e nos Estados Unidos, onde vivi quase 15 anos. Não sei se tudo isto terá um valor diferencial, mas esse é quem sou como jornalista.
P. Embora EL PAÍS tenha a edição América, não seria muito se publicassem uma edição especial para o mercado hispânico nos Estados Unidos. Faz falta uma visão mais crítica e profunda da realidade política, social e cultural norte-americana. Uma visão global, dentro do enquadramento hispânico do país. Isso se tornará realidade?
R. Concordo com você nisso. Conheço muito bem a situação do mercado de comunicação na comunidade hispânica dos Estados Unidos, e asseguro que está entre meus planos explorar esse terreno.
P. Qual é sua postura pessoal sobre o anteprojeto da lei do aborto na Espanha?
R. Parece-me um horror, um insulto às mulheres e ao senso comum e, em última instância, um erro político descomunal do Governo.
P. Senhor Antonio Caño: O senhor sabe que para muitos mexicanos, o EL PAÍS é o diário mas confiável e interessante? Parabéns e um agradecimento antecipado por seu trabalho.
R. Conheço o México, vivi cinco anos no México, gosto muito do México e sofri como um mexicano o momento dramático que classificou sua seleção de futebol para o Mundial. É muito bom o que o EL PAÍS representa no México e não tenha nenhuma dúvida de que manter esse crédito será uma de minhas principais tarefas como diretor. Nos veremos logo no México.
P. As redes sociais tomam muitos papéis que o jornalismo tinha reservados. Como planeja dar voz a toda essa gente que procura ser ouvida? O meio escrito se privilegiou, mas não poderiam publicar contribuições escritas originadas da conversão de voz por meio da tecnologia?
R. As redes sociais estão aí, é preciso escutá-las e respeitá-las. O jornalismo tradicional não tem atribuições para decidir que meio é bom ou que meio é mau ou a que meio devem atender os leitores. Nós vamos estar nas redes sociais porque nossa obrigação como jornal é estar onde estão os leitores.
P. Olá, Antonio, que mecanismos de controle tem o diário para que os poderes não marquem a linha editorial do jornal? Obrigado
R. A linha editorial do EL PAÍS a marco escutando as equipes designadas para esse labor. Os poderes golpeiam a porta deste jornal, como a de todos os jornais do mundo. Até certo ponto é lógico que cada um tente exercer sua influência. Mas estamos há muitos anos convivendo com essa realidade e sabemos lidar com ela facilmente.
Mensagem de despedida
Como imaginam, só tive tempo de responder a uma porção mínima das perguntas que me chegaram. Espero que me perdoem todos aqueles que não pude responder e tenho certeza de que teremos outras oportunidades no futuro. Muito obrigado a todos.
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