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A ofensiva de Kiev leva a guerra ao leste

O Exército da Ucrânia aprofunda seu avanço na região enquanto dispara a tensão em Odessa

M. A. SÁNCHEZ VALLEJO (ENVIADA ESPECIAL)
Um homem diante de uma barricada da autoproclamada República de Donetsk.
Um homem diante de uma barricada da autoproclamada República de Donetsk.Max Vetrov (AP)

“Não podemos garantir sua segurança. Não vamos impedir que passem, mas não nos consideramos responsáveis pelo que for acontecer. Se querem continuar vivos, não vão a Kramatorsk, é muito perigoso.” A advertência aos escassos motoristas, feita por um dirigente rebelde no fortificado posto de controle de Konstantínovska, a 20 quilômetros de Kramatorsk, resumia com perfeição o ambiente de medo generalizado em torno da segunda cidade do leste a ser alvo, depois de Slaviansk, da operação militar lançada na sexta-feira pelo Governo de Kiev para esmagar a revolta pró-russa. Depois de uma verificação detalhada do automóvel e da documentação pessoal, os milicianos rebeldes, tensos e suados sob seus capuzes apertados, comunicavam-se por rádio e pediam informação sobre os acontecimentos em curso na cidade, um núcleo industrial de 166.000 habitantes que até ontem estava sob completo controle pró-russo. Escondidos à beira da pista, vários pares de olhos cravados na mira de fuzis controlavam os movimentos.

Sem transporte público, com os bondes parados na entrada da cidade e a maior parte das lojas fechadas, a coluna de fumaça procedente do incêndio de vários ônibus interurbanos em barricadas rebeldes era o primeiro sinal da chegada a Kramatorsk, onde fontes médicas em dois hospitais deram um balanço de dois mortos – um deles, uma garota de 22 anos – e uma dezena de feridos, todos eles civis, em incidentes protagonizados supostamente pelas Forças Armadas ucranianas, cuja mobilização abrange um número indeterminado de batalhões regulares e efetivos do Guarda Nacional apoiados por blindados leves. Os rebeldes pró-russos, que elevaram a dez a cifra de civis mortos, acusaram Kiev de valer-se de ativistas do grupo ultranacionalista Setor de Direitas para avançar na região, como supostamente as forças ucranianas fizeram na véspera em Andreivka, entre Slaviansk e Kramatorsk, com dez civis mortos por disparos de franco-atiradores. Kiev admitiu a perda de dois soldados nessa localidade.

Foi impossível confirmar o balanço de vítimas proporcionado ontem em Kramatorsk, assim como o avanço real do Exército na cidade, onde, segundo o Ministério do Interior, foram recuperados o edifício do SBU (Serviço de Segurança Interna) e uma torre de televisão. Forças especiais e franco-atiradores postados nos edifícios circundantes teriam facilitado a retomada da sede do SBU. No meio da tarde, dois controles rebeldes que antes impediam o acesso ao centro da cidade estavam abandonados, enquanto o grosso das operações se concentrava na praça maior, inacessível. “Ouvimos disparos esporádicos em torno do quartel do SBU. A população permanece em suas casas, com as persianas fechadas. Esta manhã, em um lapso de calma, cheguei perto do mercado, mas estava tudo fechado”, contava por telefone Yeliana Lazarkova, moradora do centro de Kramatorsk. “Os canais de televisão russos pararam de transmitir e agora só se sintoniza a rádio ucraniana.”

Em Kramatorsk, como em Slaviansk e muitas outras localidades controladas pelos rebeldes, era difícil verificar a penetração exata do Exército. Com a maioria das forças concentradas no aeroporto durante boa parte da manhã, o deslocamento de soldados da Guarda Nacional era visível na estrada de Slaviansk. “Quando saíamos de Andreivka, os militares detiveram os carros e nos obrigaram a baixar. Estavam muito nervosos, com o dedo no gatilho. Vi 12 caminhões e um batalhão de 150 soldados”, contava Andrei Medyanik, um aposentado de Kramatorsk, às portas de um dos hospitais da cidade, enquanto a seu redor andavam muitos jovens com coletes à prova de balas. Ao lado, meia dúzia de pessoas mostrava quatro impactos de bala em um carro; o motorista, contaram, teve de ser operado após ser baleado na cabeça e num ombro durante um tiroteio ocorrido pouco depois das dez da manhã.

Na periferia sul, os poucos habitantes que se atreviam a sair às ruas levantavam ao meio-dia de ontem barricadas com pneus para impedir a passagem dos blindados do Exército. Um grupo de moradores no qual se misturavam pró-russos e partidários da unidade da Ucrânia travou uma discussão aos gritos, com grandes mostras de violência verbal, diante do que era difícil acreditar que, assim como as duas metades em conflito no país, os dois bandos não fossem chegar à violência física.

Segundo fontes antiterroristas de Kiev, cinco soldados teriam morrido na operação contrainsurgente lançada em Slaviansk, onde os pró-russos controlam ainda vários edifícios oficiais. “Hoje [ontem] está tudo muito mais tranquilo. Voltamos a ter pão fresco nos armazéns, embora no centro ainda haja muitas barricadas. Mas não há gente armada, só vi dois homens com armas automáticas”, contava por telefone Pavel Palaguta, responsável pelo periódico digital Delovoy Slovyansk.

O segundo dia da operação contrainsurgente no leste da Ucrânia não conseguiu abafar o eco da tragédia ocorrida na véspera em Odessa, onde 42 pessoas morreram – 36 delas em um incêndio intencional – durante confrontos entre pró-russos e partidários da unidade da Ucrânia, na maior explosão de violência nessa cidade de maioria russa do Mar Negro. Depois de decretar três dias de luto nacional e prender 130 pessoas por envolvimento nos distúrbios, as autoridades ucranianas culparam grupos instigados pela Rússia. O incêndio começou depois do lançamento de explosivos contra a Casa dos Sindicatos, o edifício oficial onde se refugiaram os pró-russos após dispersar uma marcha a favor da unidade da Ucrânia.

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