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A China aposta em sua relação com o Mercosul e Cuba

O ministro das Relações Exteriores do gigante asiático inicia uma viagem por Havana, Caracas, Buenos Aires e Brasília pra fortalecer as relações políticas e econômicas

A. R.
Os ministros Wang Yi e Bruno Rodriguez, em Havana.
Os ministros Wang Yi e Bruno Rodriguez, em Havana.YAMIL LAGE (AFP)

A China quer fortalecer seus laços políticos e econômicos com a América Latina, não só para comprar suas matérias-primas e investir nelas, ou para exportar produtos ao continente, mas também para fechar contratos de obras públicas em troca de financiamento. É para isso que o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, começou em Cuba uma viagem latino-americana que também o levará nesta semana a Venezuela, Argentina e Brasil. Wang prepara o terreno para a visita do presidente do seu país, Xi Jingping, em julho, a Havana e Fortaleza, onde será realizada a cúpula dos BRICS, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O Governo de Cristina Fernández de Kirchner quer que Xi também faça uma escala em Buenos Aires.

Em sua primeira viagem à América como presidente chinês, Xi escolheu no ano passado visitar os Estados Unidos, o país petroleiro Trinidad e Tobago, México e Costa Rica (esses dois últimos países que são membro e candidato a integrar a Aliança do Pacífico). Em vez disso, a turnê atual do chanceler chinês é uma aposta em três dos cinco países do Mercosul (Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai e Paraguai) e um que integra com a Venezuela o eixo bolivariano, Cuba, cujos partidos comunistas governantes mantêm uma relação histórica. São tempos em que a Aliança do Pacífico (também integrada por Colômbia, Peru e Chile) tenta se mostrar como a novidade da integração latino-americana, com políticas de livre comércio com os EUA e a União Europeia, enquanto que o mais velho Mercosul dirime diferenças internas, insiste pela enésima vez em negociar uma parceria com a União Europeia e está longe de qualquer acordo com a superpotência. Neste contexto, a China estreita os laços com o bloco do Atlântico, mais protecionista e com alguns países sem acesso aos mercados internacionais de dívida, como Venezuela e Argentina, apesar de não deixar de lado as suas ligações com o Pacífico, onde já firmou tratados de livre comércio com Chile, Peru e Costa Rica.

A porta-voz do ministro das Relações Exteriores chinês disse antes da viagem que a atual jornada pretende fortalecer o intercâmbio de alto nível, promover a cooperação “pragmática” e reforçar as trocas. “O objetivo é muito claro. Nos últimos anos, a China tem alcançado grande sucesso nas suas relações com a América Latina. A cooperação é do interesse de ambos, queremos levar o relacionamento para um nível mais alto”, disse ela.

A partir do elevado crescimento da China, agora um pouco mais lento, e da expansão da classe média deste gigante de 1,3 bilhão de habitantes, desde 2002 o país começou a aumentar sua demanda por matérias-primas, elevando, portanto, os preços para o benefício dos países exportadores, como os sul-americanos. Por sua vez, a América Latina aumentou suas importações de manufaturados chineses, embora alguns de seus Governos, como os de Cristina Kirchner e Dilma Rousseff, tenham argumentado que o intercâmbio não pode ser reduzido a uma troca de produtos básicos, como minerais, petróleo e grãos, por outros mais elaborados. Até agora não houve nenhuma solução para este problema. Argentina e Brasil impuseram barreiras às importações chinesas. Mas entre 2002 e 2012, o comércio bilateral dobrou para alcançar 261,2 bilhões de dólares (584 bilhões de reais). A China é o principal destino das exportações de Brasil, Venezuela, Chile e Peru, e o segundo da Argentina.

Primeiro, a China comprou matérias-primas e depois as empresas que as fabricam. É assim que desde 2009 empresas estatais listadas na bolsa de valores foram adquirindo ativos de mineração, petróleo e algumas terras, não sem despertar ressentimento em países que limitaram a compra de terras por estrangeiros, como Brasil e Argentina. As empresas chinesas também têm investido em indústrias de países nos quais tinham dificuldade para exportar, como o gigante sul-americano, e ganharam várias licitações públicas para construir usinas de energia ou fornecer trens. Estes acordos foram feitos em pactos entre os Governos – e é por isso que Pequim não promove só as relações econômicas, mas também políticas. Os chineses também oferecem financiamento para os países latino-americanos para essas compras governamentais. São benefícios não concedidos pelos Estados Unidos ou a União Europeia.

Cerca de 13% dos investimentos chineses no exterior foram para a América Latina em 2013, cerca de 80 bilhões de dólares (179 bilhões de reais), principalmente para projetos de infraestrutura. Alguns investimentos chineses também são guiados pelo interesse em conhecer tecnologias latino-americanas, como é o caso da parceria das petroleiras CNC e CNOOC no campo de petróleo de Libra com a Petrobras, que leva décadas desenvolvendo os custos de exploração e produção nas costas brasileiras.

Por sua vez, a China paga mais à região do que a soma dos créditos concedidos pelos bancos Mundial e Interamericano de Desenvolvimento (BID) à América Latina. Os bancos públicos do gigante asiático desembolsaram cerca de 85 bilhões de dólares (190 bilhões de reais) desde 2005, a metade deles na Venezuela e o restante, em vários países como Argentina, Brasil, Equador e Cuba. Estes dois últimos tampouco contam com acesso aos mercados internacionais de dívida, embora o governo de Rafael Correa esteja perto de voltar a conseguir.

O ministro Wang começou a sua visita a Havana com um encontro com seu homólogo cubano, Bruno Rodríguez. “Entre a China e Cuba há profundas semelhanças nas questões da agenda internacional”, disse Rodríguez. Wang, que também se reuniu com o presidente cubano, Raúl Castro, rejeitou o embargo dos EUA imposto à ilha desde 1962. A China e a América Latina compartilham, no geral, diversas posições sobre a política global, como o princípio da não-intervenção nos assuntos de países terceiros ou reivindicação de um maior poder dos emergentes em instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI). “As relações entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a China avançam rapidamente”, acrescentou Rodríguez. Já foi realizado neste ano um fórum CELAC-China em Pequim.

Wang continuará a sua viagem nesta segunda-feira e terça-feira na Venezuela, no momento em que o país caribenho está em diálogo entre o Governo de Nicolás Maduro e a oposição para diminuir a tensão política que provocou manifestações violentas nas ruas. Maduro, que receberá Wang, viajou para a China em setembro passado para continuar a tecer as relações cultivadas por seu antecessor, Hugo Chávez.

O chanceler chinês desembarcará em Buenos Aires na quarta-feira. Ele se reunirá com Cristina Kirchner. No mesmo dia, uma linha de trens urbanos em Buenos Aires receberá 160 vagões fabricados na China. Depois do acidente ferroviário de 2012 em que 51 pessoas morreram na capital da Argentina, o Governo Kirchner procurou resolver o problema dos trens sucateados com pedidos de compra de locomotivas e trens da China, que financiou as operações. Neste ano será renovada grande parte da estrutura ferroviária da Argentina, o que constitui uma grande jogada do ministro do Interior e dos Transportes, Florencio Randazzo, em seu sonho de chegar à Presidência da República nas eleições de 2015. Além disso, a China vai construir e financiar duas usinas elétricas na província sulista de Santa Cruz, reduto dos Kirchner, por mais de 2,3 bilhões de dólares (5,1 bilhões de reais). Uma das centrais elétricas levará o nome do ex-presidente argentino Néstor Kirchner (2003-2007).

Wang vai terminar a viagem latino-americana na quinta-feira com Dilma Rousseff. Pequim está interessada nos planos de desenvolvimento industrial do Brasil e em contratos, como aquele que a elétrica PowerChina conseguiu recentemente para construir uma rede de transmissão no Pará por 156 milhões de dólares (349 milhões de reais). O Mercosul inteiro está interessado na China, embora ao mesmo tempo esteja definindo neste mês uma proposta conjunta a ser apresentada à UE em uma nova tentativa de liberalizar o comércio. Após o recente lançamento da Aliança do Pacífico como zona de livre comércio, o Mercosul também move suas cartas.

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