O Governo de Maduro “libera” a cidade onde começaram os protestos
A cidade de San Cristóbal, capital de Táchira, foi, durante 54 dias de distúrbios, o epicentro da revolta de rua
No domingo, a mídia estatal comemorou a “libertação” da Avenida Carabobo e outras regiões de San Cristóbal, a capital do estado de Táchira (nos Andes venezuelanos, na fronteira com a Colômbia), que durante 54 dias de agitação se tornou o epicentro da revolta popular no país.
Segundo os relatos mais difundidos, essa cidade de pouco menos de 300.000 habitantes e, de acordo com a sua imagem de destino turístico, pacífica – embora sofra há anos com sequestros e incursões de grupos irregulares colombianos –, foi o ponto onde os protestos começaram em todo o país, provocados inicialmente por uma agressão sexual em um campus universitário e que logo se espalharam, com estudantes saindo às ruas para exigir mais segurança, depois que três de seus líderes foram presos e enviados a uma penitenciária no distante estado de Falcón (costa noroeste da Venezuela).
Foram necessários reforços de outras partes do país para que as tropas da Guarda Nacional e da Polícia Bolivariana conquistassem uma área de 70 quarteirões que havia sido declarada “zona de resistência”. A operação começou por volta das cinco horas da madrugada e até o meio da manhã as forças do governo já cantavam vitória. Obstáculos que haviam se tornado símbolos das barricadas mais importantes da área, como um tanque de guerra procedente de um velho monumento ou um ônibus do serviço de transporte coletivo apreendido, foram removidos. O cruzamento das avenidas Carabobo e Ferrero Tamayo, verdadeiro “marco zero” da revolta, estava liberado na tarde de domingo, assim como o distrito de Sucre, rebatizado como “Sucrania” pelos rebeldes em alusão ao levante popular na distante Ucrânia.
A repressão ocorreu após três dias de ataques de abrandamento contra as posições dos manifestantes nos bairros de Pueblo Nuevo, Los Pirineus e a própria Avenida Carabobo. Em um desses confrontos, na madrugada de sábado, um insurgente foi morto e dois companheiros foram eletrocutados ao tentar mover um outdoor que pretendiam usar para reforçar uma barricada. O número de vítimas fatais da agitação popular na Venezuela subiu para 39. Mais cedo, no bairro do Laranjal, de Maracaibo, capital do estado de Zulia (extremo noroeste da Venezuela), um estudante universitário de 33 anos, Roberto Anesse, foi morto como resultado da explosão de um morteiro – uma “bazuca doméstica”, segundo palavras do presidente Nicolás Maduro durante um discurso transmitido pela televisão no sábado – que ele mesmo manipulava, de acordo com a versão oficial. No entanto, versões alternativas da imprensa regional ainda insistem que Anesse recebeu no peito, e a queima roupa, um tiro de espingarda.
A operação foi supervisionada diretamente pelo general Vladimir Padrino López, chefe do Comando Estratégico Operacional (CEO), e pela ministra da Defesa, almirante Carmen Meléndez. Em declarações posteriores, ambos se queixaram que a imprensa se referiu ao plano de liberação como um ato de “repressão”, um termo que, segundo escreveu o general Padrino em sua conta no Twitter, “se manipula atualmente na Venezuela – como pode chamar repressão uma ação do Estado que suprime a violência e o terror?”.
Embora não houvesse nenhum relatório oficial de vítimas, as autoridades confirmaram a prisão de 11 pessoas, todas adultas, incluindo uma mulher.
A área foi militarizada, e um grupo de 120 soldados foi mobilizado para garantir a segurança. Versões não confirmadas argumentam que Maduro pretende visitar San Cristóbal nesta semana para proclamar sua vitória sobre as guarimbas – o nome em crioulo das barricadas – e a pacificação da Venezuela. Manter o controle da cidade tem um valor político vital, pelo menos por agora.
No entanto, seria arriscado apostar que a paz aparente se prolongue em San Cristóbal. No domingo, alguns pequenos grupos atreveram a se manifestar em torno da Avenida Carabobo, mas evitaram entrar em confronto com as forças de segurança. Muitos dos líderes na área dos protestos passaram à clandestinidade. De qualquer forma, a cidade e o estado de Táchira têm boas razões para protestar. O prefeito local, Daniel Ceballos, foi preso há duas semanas pelo governo de Maduro. A escassez e a inflação foram sentidas fortemente nesta região, submetida há muito tempo ao racionamento de bens de consumo e combustível para evitar o “contrabando de extração” para a vizinha Colômbia.
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