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O dia em que o largo sorriso de Jagger ficou congelado

Houve um tempo em que nada podia deter o espetáculo, mas a morte de L’Wren Scott, seu par durante 13 anos, atingiu o coração do ‘rolling stone”. A designer era uma ‘rara avis’ na aristocracia do rock. Formava um estranho casal com o ‘playboy’ transformado em empresário. Sua perda lembra às satânicas majestades sua própria mortalidade.

Diego A. Manrique
Mick Jagger, durante a atuação dos Stones em Shangai, no último dia 14 de março, cinco dias antes da morte de L’Wren Scott.
Mick Jagger, durante a atuação dos Stones em Shangai, no último dia 14 de março, cinco dias antes da morte de L’Wren Scott.GETTY

Dessa vez, Mick Jagger e os Rolling Stones receberam um golpe baixo. A decisão de suspender os shows na Austrália e na Nova Zelândia, depois da notícia do suicídio de L’Wren Scott, de 49 anos, não tem precedentes. Os três membros oficiais da banda se uniram publicamente à consternação de Mick Jagger, que manteve uma relação de 13 anos com a designer.

Que se saiba: antes, as mortes de pessoas próximas nunca deteve o espetáculo. Em 1969, reapareceram em Hyde Park dois dias depois que Brian Jones morreu afogado em sua piscina. Brian estava há um mês fora do grupo e os Stones souberam converter seu show londrinense numa homenagem ao falecido, a quem, na verdade, detestavam e haviam abandonado por se impossível a convivência.

Em 1976, o segundo filho de Keith Richards e Anita Pallemberg, foi encontrado morto em seu berço na Suíça; tinha pouco mais de dois meses. Richards estava em Paris, mas não saiu de lá: decidiu manter o show daquela noite. Em 2006, quando faleceu o pai de Jagger, tampouco se suspendeu a atuação prevista em Las Vegas.

Os outros stones não comemoraram a chegada de uma mulher com ideias claras de como vestir  roqueiros maduros

Assim eram os Stones. Duros, profissionais, aparentemente insensíveis. Nos anos selvagens, viajavam com um séquito que vivia no limite. Se alguém tropeçava e caía, nem sequer olhavam para trás. Mesmo que fosse um amigo íntimo, como Gram Parsons, que o introduziu nas secretas chaves do country: foi derrubado por uma overdose em 1973 e ninguém viajou para os EUA para apresentar seus respeitos ao defunto. Que, aliás, foi roubado e incinerado no deserto. O mais absurdo costuma se converter em realidade entre a aristocracia do rock.

Não é um mundo ao qual qualquer um possa ter acesso. Para fazer vida social, os Stones preferem gente livre de compromissos profissionais, com encanto pessoal e carteiras bem recheadas. L’Wren Scott não era o tipo: era uma empreendedora muito ocupada, que de modelo passou a designer, depois de trabalhar como estilista para estrelas de Hollywood. Dirigia uma empresa de moda, LS Fashion Ltda., que, segundo o que foi publicado nos últimos dias, acumulava prejuízos milionários, coisa desmentida pelo porta-voz da designer. Sua autoestima, seu orgulho de criadora que se fez sozinha, a impedia de se queixar ou de pedir ajuda a Mick Jagger.

Na tropa stoniana, era a última a chegar; não podia provocar o menor rumor de que se tratava de uma caçadora de fortunas. E muito menos na extensa família Jagger, que inclui filhas e filhos de quatro mães diferentes (sua neta Assisi, filha de Jade, vai convertê-lo em bisavô). Os outros quatro membros do grupo, com estéticas bem definidas, tampouco comemoraram a chegada de uma mulher altíssima, com conceitos muito claros sobre como roqueiros maduros deviam se vestir no cenário. Com grosseiro machismo, alguns sócios insistiam em chamá-la de “a Yoko Ono de Mick Jagger”.

L’Wren Scott e Mick Jagger, fotografados em julho de 2012.
L’Wren Scott e Mick Jagger, fotografados em julho de 2012.billy farrell (cordon)

A própria convivência com Jagger estava cheia de inconvenientes. Assumia as suas infidelidades, sempre que fossem discretas. Durante anos se instalaram numa suíte do hotel londrinense Claridge’s: depois fizeram seu ninho no bairro de Chelsea . Encomendaram reformas, quartos especiais prevendo que ela ficaria grávida, mas não aconteceu.

A logística de juntar as agendas de dois personagens tão atarefados acabava sendo um inferno. Para questões de impostos, Jagger oficialmente reside no estrangeiro, o que o obriga a contabilizar escrupulosamente seus dias de estada em território britânico, para não ultrapassar os 180 dias permitidos pela Fazenda. Não lhe faltam residências – na França, Nova York, na ilha caribenha de Mystique – mas desfruta delas menos do que gostaria.

Contrariando sua imagem de playboy. Mick Jagger exerce o papel de homem de negócios em tempo integral. Sua fortuna, estimada em 200 milhões de libras esterlinas (766 milhões de reais), se movimenta. Superada a frustração por não ter conseguido se estabelecer como cantor solista ou ator, Mick investe em negócios próximos às suas paixões. Como amante do críquete, foi pioneiro em oferecer transmissões de grandes encontros pela internet. Ele é um dos produtores de Get on up, um filme biográfico sobre James Brown que deve estrear em agosto. Também tem os direitos cinematográficos de Último trem para Menphys, a biografia canônica de Elvis, e prepara uma série para HBO ao lado de Martin Scorsese.

Uma abelha operária

O pessoal da área da moda está indignado. Nas notícias sobre a morte de L'Wren Scott, aparecia primeiro o nome de Mick Jagger; ela era "a namorada de". Uma vida plena ficava reduzida a uma relação sentimental. Exatamente o contrário do que ela ansiava: em 2008, afirmava "quero ser conhecida por aquilo que faço, não por quem eu conheço". Efetivamente, ela havia vestido Angelina Jolie, Michelle Obama e Nicole Kidman. Trabalhou sob as ordens de Bruce Weber, Karl Lagerfeld, Herb Ritts, Thiery Mugler. Lançou linhas de roupa, mas também de cosméticos e bolsas. E agora é um clichê: "A alma torturada de uma gazela glamorosa", dizia a manchete do Daily Mail.

Na hora das comparações com o mundo animal, ela tinha claro: “Sou uma abelha operária”.

Educada numa família de mórmons, L’Wren não estava habituada ao estilo de vida do rock; nem sequer era fã dessa música. Encontrou-se compartilhando o teto com um perfeccionista mais parecido com um atleta do que com os lendários roqueiros. Alguém calculou que, em seus bons tempos, Jagger andava/corria uns vinte quilômetros em duas horas de show. E isso não se consegue por casualidade ou genética. Mick faz exercícios todos os dias úteis, com um personal trainer. Tem sua nutricionista particular e se tornou adepto da comida orgânica. Drogas? Talvez se alguém convidar e for dia de folga. Álcool? Só se houver a premência de comemorar alguma coisa.

Não lhe custa compartilhar seus segredos de saúde e beleza. Já sobre suas atividades como administrador, pelo contrário, mantém discrição – encaixa muito mal na mitologia do rock. Gestor da sua carreira e da de seus companheiros. E essa é sua grande façanha, nunca reconhecida.

Convém lembrar que os Rolling Stones, nos anos sessenta, foram espoliados por seu empresário, Allen Klein. Quando começavam os anos setenta, como Scarlett O’Hara em O tempo levou, juraram que isso não se repetiria. E se transformaram numa eficiente máquina de fazer dinheiro. Surfaram sobre as ondas mais lucrativas: os shows em estádios, o merchandising, os patrocínios, os CDs.

A partir dos anos oitenta, os Stones não tiveram demasiados sucessos multimilionários, mas trataram de manter seu catálogo de gravações clássicas sempre disponível e dinamizado por cuidadas reedições.

No timão, o antigo estudante da London School of Economics. Assessorado discretamente por banqueiros e outras figuras do establishment, Jagger conseguiu o prodígio de manter unido um grupo submetido a brutais tormentas internas e poderosas forças centrífugas.

É verdade que não podiam imaginar que, com 70 anos (72 no caso de Charlie Watts, 66 no de Ronnie Wood), estariam em turnê pelo mundo. Em 2013, puseram o pé na estrada empurrados pela demanda popular e midiática, pela coincidência com o 50º aniversário da estreia da banda. Não montaram grandes produções cenográficas, como era habitual. Também não cumpriram sua promessa implícita de se apresentar com um disco novo debaixo do braço, o detalhe que dava dignidade às suas expedições e os diferenciava do resto de comerciantes nostálgicos.

Não, não parece haver algum disco em preparação, embora Jagger garanta que compõe o tempo todo. Já é suficientemente complicado reuni-los com os músicos contratados para ensaiar. Essa não é a típica banda perfeitamente azeitada: os Stones precisam de semanas de preparativos para que aquilo soe bem. Intimamente, agradecem que vários dos concertos previstos para esse verão na Europa ocorram em festivais: menos pressão, apresentações mais curtas. Acabaram-se os excessos: todos economizam energias. E não encararam bem que L’Wren Scott os tenha lembrado da sua própria mortalidade.

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