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O jornal progressista ‘TalCual’ na mira do chavismo

Completando um mês dos protestos, 89 jornalistas foram agredidos ou roubados durante a cobertura dos acontecimentos

Um médico caminha sob a bandeira em um protesto que pedia material hospitalar.
Um médico caminha sob a bandeira em um protesto que pedia material hospitalar. Tomas Bravo (Reuters)

Prestes a se completar um mês dos protestos estudantis que estremecem diversas cidades da Venezuela, o último relatório do Sindicato Nacional da Imprensa (SNTP) registra 89 jornalistas agredidos, detidos ou roubados durante a cobertura desses acontecimentos nas ruas. Os corpos de segurança, os “coletivos” paramilitares do oficialismo e, mais recentemente, os manifestantes entrincheirados em suas guarimbas, ou barricadas urbanas, escolheram como alvo aqueles que relatam os fatos.

Ainda na manhã desta segunda-feira veio à tona o roubo praticado contra uma equipe do jornal La Nueva Prensa, de Barcelona, capital do Estado de Anzoátegui (costa nordeste da Venezuela), durante a cobertura de distúrbios na sede da Universidade Santa María, nessa cidade. Em Valencia, capital do Estado de Carabobo, uma hora e meia de viagem a oeste de Caracas, repórteres do jornal El Carabobeño receberam ameaças e agressões verbais de parte de agentes da Guarda Nacional. Enquanto isso, na capital venezuelana, o repórter Deivis Ramírez, do jornal El Universal, foi intimado a depor à polícia judicial na qualidade de testemunha. Ramírez, um jornalista destacado na cobertura de assuntos policiais e judiciais, vem publicando, tanto em suas reportagens quanto nas redes sociais, versões diferentes da oficial a respeito das mortes ocorridas na quarta-feira passada no bairro de Los Ruices, na zona leste de Caracas. Segundo o relato governamental, as duas vítimas mortais, um membro da Guarda Nacional e um agente motorizado, foram abatidos por disparos de supostos franco-atiradores postados em edifícios vizinhos.

Mas, em meio ao rigor da cobertura da crise no terreno, o Governo de Nicolás Maduro não deixa de apelar ao sistema Judiciário, que controla, para amedrontar os meios de comunicação rebeldes, uma prática já tradicional nos 15 anos da Revolução Bolivariana. Agora, o poderoso número dois do chavismo e presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, abriu um processo criminal contra o jornal TalCual, de Caracas, em que se diz vítima de uma “difamação qualificada” por parte do jornal e de um de seus colunistas.

A juíza da 29ª. Vara de Controle da jurisdição de Caracas, Bárbara César Siero, acatou o processo na quinta-feira passada, sem dar-lhe maior trâmite. Se ela decidir contra o jornal e Carlos Genatios, o autor do texto que Cabello considerou difamatório, os réus podem ser condenados a quatro anos de pena e ao pagamento de multas milionárias. Na Venezuela, o Poder Judiciário está na prática subordinado ao Executivo. Eliminando qualquer expectativa de surpresa quanto aos rumos do processo e seu eventual desenlace, a magistrada determinou severas medidas cautelares para os réus, incluindo a proibição de que saiam do país e a obrigatoriedade de que se apresentem ao tribunal a cada oito dias.

A pressão sobre o matutino começou em janeiro, quando Carlos Genatios, que foi ministro das Ciências do falecido presidente Chávez, publicou uma coluna em que repercutia um suposto comentário de Diosdado Cabello. Na declaração, que ao ser divulgada – pouco depois do assassinato de uma ex-miss e seu marido em uma estrada venezuelana – agitou as redes sociais, o líder chavista parecia responder com esta frase sombria àqueles que se queixavam das altas taxas de criminalidade: “Quem não gostar da insegurança que vá embora”. Depois, o próprio presidente do Parlamento negaria ter dito isso e desafiou qualquer um a mostrar algum material onde ele pronunciasse tais palavras.

O TalCual é um tabloide de tendência progressista, dirigido por Teodoro Petkoff, ex-dirigente comunista e guerrilheiro durante a insurgência castrista dos anos 60, fundador do partido Movimento ao Socialismo (MAS) em 1971 e ex-ministro da Economia durante a segunda administração (1994-99) do democrata-cristão Rafael Caldeira. Também teve participação decisiva no comando de campanha de Manuel Rosales, quem em 2006 disputou a presidência da República contra Chávez. Por sua procedência esquerdista, Petkoff gera rancores no chavismo, que o considera um vira-casaca. O processo de Diosdado Cabello tem como réus Petkoff e seus colegas do Conselho de Administração, Francisco Layrisse, Manuel Puyana e Juan Antonio Golía, além de Genatios, autor coluna.

O TalCual surgiu em 2000, no apogeu do chavismo. Apesar de sua exígua circulação, continua tendo grande influencia entre geradores de opinião, em particular pelos termos de sua página de opinião, que em geral leva a assinatura de Petkoff. O jornal já enfrentou vários momentos delicados por causa do seu jeito aguerrido. Em 2007, um juizado de menores o condenou a pagar uma multa equivalente a 200.000 dólares (conforme o câmbio oficial) depois que uma coluna de humor dirigiu uma “carta” à filha mais nova do comandante Chávez, Rosinés. A multa foi saldada com doações de leitores e cidadãos anônimos.

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