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À caça de Kony, senhor da guerra

Os conflitos no Sudão do Sul e na República Centro-Africana enfraquecem o cerco ao ugandês

ÓSCAR GUTIÉRREZ (ENVIADO ESPECIAL)
O fugitivo Joseph Kony, com seus filhos em 2008.
O fugitivo Joseph Kony, com seus filhos em 2008.REUTERS

Kafia Kingi é um bom pedaço de terra, muito frondosa, no triângulo que une o Sudão, a República Centro-Africana e o Sudão do Sul. O território está em disputa entre os dois vizinhos sudaneses, mas o país do norte é o seu senhor e guardião. É para lá que seguem os últimos guerrilheiros desertores do cruento Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês). Lá, segundo trabalhos realizados por uma das organizações que seguem a pista do LRA, o The Enough Project – com acesso a fontes militares e ex-combatentes –, encontra-se entrincheirado o seu comandante, um dos senhores da guerra africanos mais procurados por suas atrocidades: Joseph Kony, o místico líder rebelde dos Dez Mandamentos, perseguido pelo Tribunal Penal Internacional.

Por que não o caçam? “É uma área muito vasta, como uma selva”, explica Kasper Agger, analista do The Enough Project deslocado para Kampala, capital de Uganda, a fim de dirigir o rastreamento do LRA. “Há imagens feitas por satélite, mas é difícil distinguir entre um caçador, um bandido ou um rebelde do LRA…”. E, para maior preocupação daqueles que perseguem o LRA, as guerras escancaradas nos vizinhos Sudão do Sul e República Centro-Africana distraíram as atenções do cerco a Kony, que tem hoje em torno de 53 anos. Um detalhe: os cerca de 500 soldados sul-sudaneses que apoiavam a exígua missão contra o LRA, sob o carimbo da União Africana, desviaram seu caminho para se dedicarem a combater a rebelião interna contra o presidente de seu país, Salva Kiir.

Tampouco as fileiras do LRA estão muito nutridas. Os cálculos mais generosos falam em 700 membros – incluindo não combatentes –, e não existe mais o apoio popular com que o grupo nasceu, no final dos anos oitenta, no norte de Uganda. “Nem sequer é uma ameaça para Uganda”, afirma Agger. “Kony quer sobreviver, mas não retornar.” O LRA não é mais aquela guerrilha formada na região de maioria étnica acholi, contra a qual se voltou com determinação o atual presidente ugandense, Yoweri Museveni, então comandante do Exército de Resistência Nacional, hoje as Forças Armadas regulares. O que não se apaga da mente são as atrocidades cometidas por um líder rebelde inflamado pelo misticismo de sua figura e o cumprimento sanguinário dos dez mandamentos; louvado por uma guerrilha que recrutou milhares de crianças, muitas delas depois de serem obrigadas a matar a sua família; que usou meninas como escravas sexuais; que drogou menores para irem ao combate; e que arrasou populações à sua passagem, sendo que 320.000 civis ainda permanecem desabrigados pelo conflito. E se Kony for caçado? “Essa é a pergunta do milhão”, responde Agger, “mas certamente muitos desertariam”.

Isso se ficarem sabendo, porque o LRA está dividido geograficamente, e seus milicianos acampam entre Sudão, Congo e República Centro-Africana. “O desafio”, observa Paul Ronan, analista da entidade The Resolve, “está na República Centro-Africana”. Segundo a informação reunida por essa organização, que a exemplo do The Enough Project e da popular Invisible Children – autora da campanha Kony2012 –, segue as pistas do LRA, homens às ordens de Kony se misturam no sudeste desse país com guerrilheiros do Seleka, grupo centro-africano de origem muçulmana que apoiou o golpe de Estado de Michel Djotodia em março de 2013. “É difícil saber se as atrocidades nessas comunidades são feitas por uns ou por outros”, admite Ronan.

Precisamente Djotodia – agora exilado – divulgou em novembro passado uma carta escrita de próprio punho por Kony manifestando o desejo de estabelecer um diálogo. Conforme documentou Ronan, o presidente interino centro-africano enviou uma missão militar com remédios e comida à localidade de Nzako, onde um grupo de rebeldes do LRA aguardava. Os militantes ficaram com as provisões, mas tentaram fugir e foram emboscados por tropas ugandenses. Havia sido uma armadilha.

E, como se fosse pouco, Ronan aponta outra fissura no combate ao LRA: o apoio de militares ugandenses ao presidente sul-sudanês, Salva Kiir – velhos laços que ajudam a explicar a frouxidão do Sudão com Kony e os seus. “Praticamente todos os soldados que lutam contra o LRA são ugandenses”, explica o analista, “e Uganda está desviando recursos para o Sudão do Sul”. E aí ficarão até que passe o pior, conforme anunciou o Governo de Kampala.

Do que não cabe dúvida é que, como observa a Invisible Children, o número de vítimas do LRA diminuiu drasticamente nos últimos três anos. Segundo os dados desta organização, no último mês foi possível documentar a morte de apenas um civil nas mãos do LRA. No ano passado foram 75, ao passo que o cômputo desde dezembro de 2008 chega a 2.329 mortos. Tudo isto coincide com a chegada, em 2011, de uma centena de assessores norte-americanos para auxiliarem os soldados ugandenses.

Mas o combate a Kony não é travado apenas com satélites e missões em países vizinhos. No norte de Uganda, em localidades como Gulu e Kitgum, continua-se lutando pela reabilitação de ex-combatentes, mulheres de ex-membros do LRA e crianças nascidas em cativeiro; vítimas da violência sexual, de feridas de guerra, de maus tratos.... “As comunidades não estão preparadas para receber as crianças soldados”, afirma James Ronald Ojok, pesquisador do Refugee Law Program. “Lá, as aldeias rejeitam acolher e expulsam as mulheres de combatentes da ativa ou de paradeiro desconhecido.”

Muitas crianças recrutadas como soldados, conforme registrou esta organização com sede em Kampala, não são aceitas por seus pais ou inclusive chegam a se sentir rejeitadas pela escola, voltando a pegar em armas, as quais estão agora em poder do Exército. “O que vão fazer, se foram guerrilheiros a vida inteira?” É o estigma que Kony deixou em suas vidas. Chegam muitos desertores? “Desde que eles foram para a República Centro-Africana e o Congo são menos; há muita distância e medo”, responde Ojok. “Mas, se o conflito terminar, receberemos muitos.”

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