Seca recorde pode afetar abastecimento de água de São Paulo até outubro
Piores temperaturas dos últimos anos já abalam diversas cidades do país e trazem riscos de apagões de energia elétrica
As chuvas torrenciais que costumam causar tormentas nesta época do ano em diversas cidades brasileiras desapareceram neste verão. O lugar delas foi tomado por uma seca considerada atípica e por muito calor. E as previsões para o futuro não são muito alentadoras: as chuvas necessárias para abastecer os reservatórios podem não chegar, trazendo problemas de falta de água que podem durar até outubro e apagões de energia em várias regiões do país.
Este é, sem dúvida, um verão de recordes. São Paulo registra há mais de 48 dias seguidos temperaturas máximas acima dos 30 oC, mais do que a média histórica dos meses de dezembro, janeiro e fevereiro registradas nos verões dos últimos 20 anos, quando começou o acompanhamento do Centro de Gerenciamento de Emergência (CGE). Os reservatórios do Sistema Cantareira, responsáveis pelo abastecimento de 14 milhões de pessoas na Grande São Paulo e em 62 cidades do interior do Estado, estão com os menores níveis desde que foram criados, em 1983. Uma consequência da maior seca enfrentada pelo Estado nos últimos 84 anos.
A Sabesp, empresa que fornece água para 364 cidades do Estado, decidiu dar um desconto de 30% no valor da conta das residências, abastecidas pelo sistema, que reduzirem em 20% o consumo. Campinas, uma das cidades que recebe água pelo Cantareira, resolveu multar quem for flagrado desperdiçando água. Pelo menos em outras 11 cidades do Estado já há racionamento de água. O cenário se repete em outros Estados: Juiz de Fora, em Minas Gerais, fica sem água de terça à sexta das 8h às 16h. No Paraná, quatro cidades adotaram o revezamento, e Curitiba, que ainda não adotou, apresenta dificuldades para levar água para todos os bairros devido a pouca vazão do sistema.
“Estamos aqui, torcendo para que chova”, desabafa Alexandre Vilela, gerente técnico do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), um dos gestores do sistema Cantareira, o principal do Estado. Os reservatórios, que atingiram 100% da capacidade com as chuvas do verão de 2009/2010, a ponto de ser necessário liberar água pelos rios da região, agora enfrentam uma vazão entre 80% e 90% abaixo do que era esperado neste período com base na média histórica. De olho nas previsões meteorológicas, o gerente é categórico: as chuvas não devem conseguir recarregar os reservatórios, o que pode comprometer o abastecimento até o mês de outubro, quando geralmente acaba a época de estiagem, que começa em abril. “É a maior seca desde 1930. Com o agravante de que ela está acontecendo no período chuvoso do ano. Isso significa que se nada mudar teríamos um cenário de grande escassez até outubro”. Um baque, portanto, que pode durar até a véspera das eleições.
E a mudança precisa ser grande: para que os reservatórios cheguem a 50% do nível, o que tornaria a situação do abastecimento confortável, seria necessário que chovesse uma quantidade considerável, diariamente, por 60 dias, para que se atingisse uma vazão de mais de 1.000 milímetros cúbicos até a estiagem –o equivalente a três vezes a média histórica de todo o verão. Num cenário um tanto pessimista feito pelo consórcio, mantendo-se a situação atual, o reservatório demoraria 80 dias para secar. E, se isso acontecer, para chegar novamente à capacidade total, é possível que se demore entre cinco e dez anos.
Para tentar fazer chover nesse clima próximo de sertão, pelo menos sobre a represa, a Sabesp contratou por 4,5 milhões de reais um avião para bombardear as nuvens e estimular a queda de água. Após cinco tentativas, houve duas precipitações, incapazes de resolver o problema.
Economia afetada
A região abastecida pelo sistema Cantareira é uma das principais zonas econômicas do Estado. Entre as fábricas instaladas na área estão a da Coca Cola, da Unilever e da Ambev. E se os efeitos do calor começam a ser sentidos pela população, que sofre com o rodízio de água, eles também começam a afetar a economia. “Ainda não temos notícia de paralisação na produção, mas as indústrias têm de parar mais para fazer a manutenção de seu maquinário”, diz Vilela.
A manutenção é necessária porque a água captada, por estar em menor quantidade nos reservatórios, concentra mais poluentes. Isso traz ainda um prejuízo econômico para todos envolvidos no tratamento dela: é necessário, por exemplo, que se use uma quantidade de produtos químicos ao menos cinco vezes maior.
A escassez de água também afeta a agricultura. No interior paulista, já há hortas paradas e 45.000 frangos morreram sufocados numa estufa após a interrupção dos ventiladores durante uma queda de energia.
O sistema elétrico é diretamente afetado pela queda dos níveis de água, uma vez que a maioria da energia do país é fornecida por hidrelétricas. Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), dos 28 principais reservatórios do país usados para a geração de energia, 16 estão com o volume abaixo de 50%. Algo problemático em um momento em que a demanda por eletricidade, por conta do uso de ventiladores e ares-condicionados, está altíssima.
Assim, essa onda de calor pode aumentar também o rombo nas contas públicas. O Tesouro destinou em suas provisões para o pagamento de subsídio às distribuidoras de energia 9 bilhões de reais este ano. Mas, segundo cálculos da comercializadora Bioenergias, o valor deve passar de 20 bilhões de reais. Isso significa recursos de todos os contribuintes direcionados às distribuidoras para manter a política de desconto médio de 20% na tarifa dos consumidores, promovida por Dilma Rousseff a partir de janeiro de 2013. No ano passado, foram destinados 9,8 bilhões para cobrir esse buraco e a presidenta classificou o repasse de “empréstimo”.
“Os consumidores deveriam já estar economizando 5% de energia para que o sistema pudesse suportar. E os números parciais de fevereiro mostram que a economia deveria estar em 10%. Mas, o que estamos vendo, é quase um recorde atrás de outro no consumo diário”, afirma Felipe Barroso, sócio da Bioenergias.
Ele lembra que os projetos em andamento de usinas hidrelétricas na região Norte, como os de Belo Monte e Jirau, não serão suficientes para mudar o quadro no curto prazo. “Já estamos no limite e os apagões podem acontecer a qualquer momento”, diz ele. A única alternativa acaba sendo a ativação das termoelétricas, que produzem energia com queima de combustíveis fósseis.
No entanto, elas já estão operando na capacidade máxima, de acordo com Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace). “Imagino que o reajuste das tarifas terá de ser, no mínimo, de 15% após as eleições”, avalia.
De acordo com a especialista da área de energia Tatiana Lauria, da Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan), existe uma chance de uma maior perda da competitividade nacional nessa área. “Como esses repasses pesam mais para os consumidores intensivos de energia, que tem nela um insumo, nossos produtos podem ficar mais caros em relação aos rivais”, afirma.
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