Suíça decide se vai impor cotas à imigração de cidadãos europeus
A iniciativa, submetida a um referendo neste domingo, abriria uma grave crise política entre ambos territórios
A União Europeia prendeu a respiração neste domingo diante de um um referendo que pode causar uma reviravolta na sua estreita relação com a Suíça. Os cidadãos deste país votam uma proposta que pretende impor cotas à entrada de europeus e acabar assim com a livre mobilidade de pessoas entre ambos territórios que ocorre desde 2002. Se os suíços votarem a favor a essas restrições, Berna e Bruxelas terão que renegociar alguns acordos de integração que afetam o movimento de trabalhadores, as relações comerciais, a investigação ou a agricultura, entre outros âmbitos. As restrições de fronteiras aos cidadãos abririam uma grave crise política entre ambos os territórios.
Os suíços estão sendo chamados a votar “contra a imigração em massa”, segundo o título da iniciativa popular apresentada pela União Democrática de Centro, um partido de direita de cunho populista. O texto é breve e muito específico. Propõe reintroduzir um sistema de cotas primeiramente no país, que seriam fixadas pelo Governo federal, e a possibilidade de limitar o direito ao reagrupamento familiar dos estrangeiros europeus. Conscientes de que esta proposta anula o sistema de livre intercâmbio que existe agora entre a Suíça e seu principal mercado, a UE, o texto pede renegociar, no prazo de três anos, os acordos que vinculam Bruxelas a Berna. A Suíça conta com 23% de imigrantes, um percentual superior ao de qualquer país europeu. Boa parte deles se localizam em setores de alta qualificação.
“É uma votação voltada para as emoções da gente, não para argumentos econômicos; todos os estudos demonstram que a livre circulação de pessoas foi benéfica para a Suíça”, explica em conversa telefônica Yves Flückiger, vice-reitor da Universidade de Genebra e especialista nas consequências econômicas da livre circulação. Efetivamente, todos os indicadores ratificam esses benefícios: desde que se abriram as portas aos europeus, a taxa de desemprego do país permaneceu praticamente estável, ao redor de 3% da população ativa (2% entre os suíços de origem), o que supõe uma situação de pleno emprego e de dificuldades em alguns setores qualificados para encontrar mão de obra adequada. Os salários cresceram uma média de 0,6%, uma taxa superior à do período anterior. E o crescimento econômico do país supera o da UE ( em 1% em 2012).
Os defensores da iniciativa não questionam esses dados. Suas objeções são outras. “Há uma concentração demográfica muito forte na Suíça. Poderiam ser construído edifícios mais altos ou transformar em habitáveis os terrenos agrícolas para aliviar, mas muita gente se opõe. Além disso, temos uma rede de transportes que está muito pressionada e isso se deve ao efeito migratório”, argumenta Fabienne Despot, presidenta do partido no Canton de Vaud, um dos 26 que formam o país. Em seus documentos oficiais, o Governo federal admite problemas de acesso a moradia, mas atrela essa questão a várias causas –entre elas à livre circulação- e assegura que diferentes medidas paliativas já estão sendo tomadas.
Oficialmente, Bruxelas não quis se pronunciar nestes dias sobre as possíveis consequências que um sim teria para as relações que mantém com seu vizinho suíço, situado próximo ao centro geográfico da Europa e rodeado de países membros da UE. Seus porta-vozes expressaram o máximo respeito pelo procedimento democrático e decidiram esperar os resultados. Mas fontes comunitárias admitem que estão revisando todos os possíveis efeitos que teria nos acordos bilaterais, com a ideia de que uma resposta desse tipo nas urnas abriria uma grave crise institucional entre os dois sócios.
O caso suíço demonstra que o temor à imigração e a retirada para o âmbito nacional se impõem apesar de as cifras não justificarem esses medos. As pesquisa sobre intenção de voto foram sendo feitas cada vez mais ajustadas (50% contrário à iniciativa, e 43% à favor de de aplicá-la), ainda que entre os poderes públicos domine a rejeição à introdução de cotas aos vizinhos comunitários. O Governo recomendou que se vote contra, os empresários alertaram das graves consequências que teria para a economia do país e os sindicatos advertem também que trabalhadores suíços não seriam beneficiados. Mas a desconfiança que percorre toda a Europa calou também nos ricos suíços e lhes levou a olhar com medo para os estrangeiros europeus. Embora esses estrangeiros sejam, em boa medida, alemães e franceses, afastados do estereótipo do imigrante comunitário do sul da Europa.
Se a iniciativa for referendada, as autoridades têm pouca margem para resistir. A Suíça presume de uma democracia que concede aos cidadãos a capacidade de submeter a referendo uma iniciativa popular (com um requisito quantitativo de assinaturas que a apoiem) para mudar legislações consideras prejudiciais. Se a proposta obter a maioria do número de cidadãos e do número de cantões suíços, o Parlamento deve legislar de acordo com a decisão.
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