_
_
_
_
_

Sochi se blinda contra a ameaça do terrorismo islâmico nos Jogos

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, mobilizou 40.000 agentes e forças especiais por terra, mar e ar

Pilar Bonet
Vladimir Putin e a saltadora Elena Isinbayeva (de gorro azul), em Sochi.
Vladimir Putin e a saltadora Elena Isinbayeva (de gorro azul), em Sochi.pascal le segretain (getty)

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, enfrenta um variado conjunto de desafios, talvez sem precedentes em sua carreira, nos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, que começam oficialmente na sexta-feira nesta localidade russa do mar Negro.

O mais sério desses desafios é o terrorismo islâmico, personificado pelas viúvas negras, as suicidas mensageiras do Emirado do Cáucaso e de outros grupos surgidos no rescaldo da guerra da Chechênia.

Em Sochi foram adotadas medidas extremas de segurança para evitar a penetração desse tipo de terrorismo, após ameaças proferidas por Doku Umarov, o líder do Emirado do Cáucaso.

Dois atentados suicidas deixaram mais de 32 mortos no final de 2013 na cidade do Volgogrado. Os terroristas miram o valor mais sagrado (a segurança do Estado) que há para Putin, dada a sua trajetória como agente da KGB na extinta União Soviética. Por isso, o presidente vive o terrorismo como um desafio pessoal, tomando todas as medidas ao seu alcance, embora ninguém possa ter certeza total. Para entrar em qualquer estação de trem será preciso passar por um rigoroso controle de segurança, todas as pessoas que vão à região têm a obrigação de se registrarem, as fronteiras com a Abkházia estão fechadas, e os veículos de fora têm a entrada proibida. Além disso, há tolerância zero para o transporte de líquidos em aviões.

Meses atrás, Sochi esteve repleta de cartazes com as fotos de procurados pela polícia, embora alguns deles já tenham sido exterminados em operações policiais. Em uma recente entrevista em Sochi, Putin disse que os extremistas “sempre querem aparecer para o mundo” às vésperas de um acontecimento importante – não só esportivo, mas também político –, e observou que as medidas de segurança estão no mesmo nível daquelas adotadas em grandes reuniões internacionais do G-8, por exemplo. “Recordamos bem a tragédia durante os Jogos Olímpicos de Munique [em 1972], quando a delegação esportiva de Israel foi quase totalmente dizimada”, afirmou o presidente. “Sabemos perfeitamente qual é a ameaça, como restringi-la e como lutar contra ela. Espero que nossos órgãos de ordem pública saibam contê-la como têm feito em outros grandes acontecimentos esportivos e políticos”, declarou Putin, que agradeceu a colaboração dos órgãos de segurança norte-americanos, europeus e asiáticos.

O chefe de Estado disse que não deseja que atos terroristas como os de Volgogrado influam no evento, porque “se nos permitirmos mostrar fraqueza, mostrar nosso medo, isso significa que iremos ajudar esses terroristas a alcançarem seus fins”. Como organizadora dos Jogos, a tarefa da Rússia é “garantir a segurança dos participantes dos Jogos e dos convidados desta festa esportiva”, afirmou. “Fazemos tudo para isso”, sentenciou, acrescentando que está empenhado em que as medidas de segurança não sejam muito ostensivas, mas ao mesmo tempo que sejam eficazes. Ao todo, estão mobilizados 40.000 agentes das forças de segurança e dos serviços especiais que atuarão em terra, mar e ar. “Espero que isso esteja organizado de tal modo que não seja muito chamativo”, afirmou. A coordenação do esquema envolve o Ministério do Interior, os órgãos de segurança e o Ministério de Defesa, e há também a colaboração de estrangeiros, segundo ele.

Inofensivos do ponto de vista da segurança, mas irritantes pessoalmente para Putin, são os diversos ativistas da sociedade civil, de ecologistas a coletivos de homossexuais, mais os partidos da oposição que exigem democracia e os políticos que fizeram da luta contra a corrupção a sua bandeira. Nesse capítulo se incluem o advogado Alexei Navalni, que ficou em segundo lugar nas eleições para a prefeitura de Moscou, e o ex-vice-premiê Boris Nemtsov. Navalni recentemente publicou seu relatório sobre os custos de Sochi, intitulado Enciclopédia do Gasto, um esquema claro e minucioso dos supostos escândalos de corrupção nas obras dos Jogos e nos edifícios públicos construídos na região da cidade-sede. Entre os protagonistas do relatório figuram o Kremlin, as ferrovias russas e o genro do governador do Krasnodar, o poderoso Alexandr Tkachov. Navalni descobriu também que a ex-esposa do presidente da Rosneft, Igor Sechin, fiel companheiro de Putin nos órgãos de segurança, obteve um vultoso contrato para preparar “voluntários” para o evento.

Esta Olimpíada de Inverno, qualificada como o mais caro evento olímpico da história, exige respostas de Putin sobre a gestão das contas públicas. Mas o acontecimento põe em xeque também o Comitê Olímpico Internacional, que em 2007 avalizou Sochi como sede dos Jogos, com critérios que duvidosos.

Desde 2007, a Rússia sofreu uma involução democrática que se acelerou nos últimos anos. Sob a batuta de Putin, que durante quatro anos (2008-2012) cedeu formalmente o posto de presidente a Dmitri Medvedev, a Federação Russa promulgou leis e adotou políticas que a afastaram das regras do jogo que vigoram nas sociedades democráticas ocidentais.

Apesar da retórica antiocidental que permeia os meios de comunicação russos, Putin gosta de deslumbrar os ocidentais com instalações luxuosas, como demonstrou quando inaugurou o restaurado palácio Konstantino, em São Petersburgo.

Por isso, a possibilidade de ser objeto de um boicote que o teria deixado a sós com os líderes da Comunidade de Estados Independentes e vários dirigentes asiáticos pode ter influenciado para que Putin libertasse em dezembro alguns dos presos mais emblemáticos da Rússia, como os ativistas do Greenpeace que tentaram ocupar uma plataforma de perfuração no Ártico, em setembro passado; o dirigente da companhia petroleira Yukos, Mikhail Khodorkovski, que passou dez anos encarcerado; e as duas ativistas da banda punk Pussy Riot que haviam sido condenadas a dois anos de prisão por entoar uma canção de protesto contra o presidente na catedral do Cristo Salvador, em Moscou.

Khodorkovski foi indultado a título individual, sem por isso ser obrigado a se reconhecer culpado; as Pussy Riot foram anistiadas por ocasião do 20.º aniversário da aprovação da Constituição. Khodorkovski é contra o boicote aos Jogos, e as Pussy Riot, a favor. Com ou sem boicote, são muitos os que desejam aproveitar a competição esportiva para expressar seu protesto contra a política russa. Todos eles procuram uma forma de transmitir sua mensagem, como conseguiu fazer a organização de direitos humanos Anistia Internacional ao organizar em Moscou a dança de uma frágil bailarina algemada.

Os ativistas estrangeiros terão de lutar contra um aparelho propagandístico dividido entre o costume de reprimir a dissidência e a consciência de que essa repressão é nociva quando há tantos convidados e tantas câmeras à vista.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_