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22.000 clientes da China ocultos em paraísos fiscais

O vazamento massivo de dados traz à tona a prática da elite chinesa de abrir sociedades opacas

Familiares próximos dos principais dirigentes da China possuem empresas secretas em paraísos fiscais que serviram para encobrir a riqueza da elite comunista, segundo documentos obtidos numa investigação jornalística. Nestes papéis confidenciais figuram os detalhes de uma empresa imobiliária de propriedade do cunhado do atual presidente, Xi Jinping, e empresas nas Ilhas Virgens Britânicas registradas em nome do filho e do genro do ex-primeiro-ministro Wen Jiabao. Nos documentos, obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), aparecem quase 22.000 clientes estrangeiros com endereços na China e em Hong Kong. Entre eles constam alguns dos homens e mulheres mais poderosos da China (incluídas 16 das pessoas mais ricas do país), membros da Assembleia Popular Nacional e diretores de empresas estatais atingidos por escândalos de corrupção.

A PricewaterhouseCoopers, o UBS e outros bancos e empresas de auditoria ocidentais desempenham um papel fundamental como intermediários e ajudam seus clientes chineses a instalarem recursos e empresas nas Ilhas Virgens Britânicas, em Samoa e outros paraísos fiscais habitualmente relacionados a fortunas ocultas, conforme demonstram os documentos. Por exemplo, a grande financeira suíça Credit Suisse ajudou o filho de Wen Jiabao a criar sua empresa nas Ilhas Virgens Britânicas enquanto seu pai governava o país.

Os documentos procedem de duas sociedades offshore – a Portcullis TrustNet, com sede em Cingapura, e a Commonwealth Trust Limited, das Ilhas Virgens Britânicas e outros paraísos fiscais – que ajudam seus clientes a estabelecerem empresas, recursos e contas bancárias em paraísos fiscais. Esses papéis estão incluídos em 2,5 milhões de documentos vazados que o ICIJ examinou com a colaboração de numerosos veículos jornalísticos da Europa, América do Norte e Ásia.

Parentes de cinco líderes ou ex-miembros del Comité Permanente están implicados

Os funcionários chineses não são obrigados a divulgarem o seu patrimônio, e até agora os cidadãos em geral permaneciam alheios a uma economia paralela que permite que os poderosos e bem relacionados burlem o fisco e mantenham suas transações em segredo. A fortuna cada vez maior das classes dirigentes chinesas, tanto dentro como fora do país, “pode não ser ilegal no sentido estrito”, mas está habitualmente ligada a “conflitos de interesses e a um uso encoberto do poder oficial”, diz Minxin Pei, cientista político do Claremont McKenna College, da Califórnia.

O Comitê Permanente do Politburo chinês é o todo-poderoso grupo de sete (antes nove) homens que dirigem o Partido Comunista e o país. Os dados obtidos pelo ICIJ mostram que os familiares de pelo menos cinco membros atuais ou aposentados desse pequeno círculo possuem empresas inscritas nas Ilhas Cook ou nas Ilhas Virgens Britânicas.

Os documentos vazados incluem detalhes de uma sociedade estabelecida nas Ilhas Virgens Britânicas, da qual metade pertence ao cunhado do presidente Xi, Deng Jiagui. Deng, casado com a irmã mais velha de Xi, é um multimilionário incorporador imobiliário que se dedica, além do mais, a investir nos metais empregados na fabricação de telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos. Os papéis mostram que a outra metade do Excellence Effort Property Development estava em poder de outra empresa das Ilhas, pertencente a Li Wa e Li Xiaoping, magnatas imobiliários que foram notícia por terem obtido um contrato de 2 bilhões de dólares (quase 4,9 bilhões de reais) para a aquisição de imóveis de uso comercial na cidade de Shenzhen.

Desde que se tornou a máxima autoridade do Partido Comunista, em 2012, o presidente Xi busca polir sua imagem com uma agressiva campanha contra a corrupção. Entretanto, ele esmagou um movimento de base que reclamava que os funcionários da Administração declarassem publicamente os seus bens. Wen Jiabao, que deixou em 2013 o cargo de primeiro-ministro, no qual passou dez anos, também tentava transmitir uma imagem reformista.

Grandes bancos ajudam

Os documentos do ICIJ revelam que precisamente o filho do ex-premiê Wen Jiabao, Wen Yunsong, estabeleceu em 2006 uma sociedade registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, a Trend Gold Consultants, com a ajuda do escritório do Credit Suisse em Hong Kong. Wen Yunsong era o único diretor e acionista da companhia, que parece ter sido dissolvida em 2008.

É frequente que se criem estruturas empresariais mínimas para abrir contas bancárias em nome da sociedade extraterritorial, com o fim de ocultar a relação com o verdadeiro titular da conta. Os papéis não esclarecem de todo a razão para o qual se utilizava a Trend Gold Consultants. Wen Yunsong, formado nos Estados Unidos e dedicado aos investimentos de capital risco, foi co-fundador de uma sociedade de investimentos privadas dedicada à China e em 2012 chegou à presidência da China Satellite Communications Co., uma empresa de propriedade estatal que aspira ser a maior operadora de satélites da Ásia.

O ICIJ tentou em repetidas ocasiões falar com Wen Yunsong e outras pessoas mencionadas nesta reportagem. Só responderam algumas. Wen foi um dos que se recusou a fazê-lo. Um porta-voz de Credit Suisse, apelando às normas de confidencialidade, disse que o banco “não pode fazer comentários sobre este assunto”.

Os registros jogam foco, assim mesmo, sobre o papel até agora desconhecido das Ilhas Virgens Britânicas em um escândalo cada vez maior que atinge a filha do ex primeiro-ministro Wen Jiabao, Wen Ruchun, também conhecida como Lily Chang. The New York Times informou que JPMorgan Chase & Co. pagou a uma empresa dirigida por ela, Fullmark Consultants, 1,8 milhão de dólares em honorários por trabalhos de assessoria.

Fullmark Consultants desenhou-se de tal forma que ficasse oculta a relação de Wen Ruchun com a empresa, segundo indicam os papéis do ICIJ. Seu marido, Liu Chunhang, antigo guru financeiro no Morgan Stanley, criou a sociedade nas Ilhas Virgens Britânicas em 2004, e foi o único diretor e acionista até 2006, no mesmo ano que assumiu um posto no órgão oficial que regula a atividade bancária na China.

Liu transferiu o controle da companhia, segundo indicam os papéis, a uma amiga da família Wen, Zhang Yuhong, uma rica mulher de negócios e colega do irmão de Wen Jiabao. The New York Times informou que Zhang ajudava também a controlar outros bens da família Wen, como seus investimentos em diamantes e jóias.

Os documentos do Consórcio demonstram que o fornecedor de serviços offshore Portcullis TrustNet emitiu uma fatura à UBS AG por um certificado de solvência para a Fullmark Consultants em outubro de 2005, o qual indica que tinha uma relação comercial entre Fullmark e o banco suíço.

Os documentos evidencian também as atividades de familiares do antigo líder Deng Xiaoping, o ex-primeiro ministro Li Peng e o ex-presidente Hu Jintao.

Um dos personagens chineses mais destacados que criaram empresas em paraísos fiscais no final dos anos noventa foi Fu Liang, filho de Peng Zhen, um dos Oito Imortais do Partido Comunista e destacado dirigente da Assembleia Popular Nacional nos anos oitenta. Os papéis vazados mostram que Fu (que investiu em clubes náuticos e campos de golfe na China continental) controlava ao menos cinco sociedades offshore criadas nas Ilhas Virgens Britânicas entre 1997 e 2000. No ano 2000 utilizou uma delas, South Port Development Limited, para adquirir um hotel em Filipinas.

TrustNet, fornecedor de serviços extraterritoriais, ajudou Fu a estabelecer algumas de suas companhias. Em 2000, TrustNet era uma das empresas do setor que mais se empenhava em obter clientes na China, com reuniões comerciais nos escritórios de Xangai das que então se denominavam as cinco grandes empresas contábeis: KPMG, Ernst & Young, Pricewaterhouse, Deloitte & Touche e Arthur Andersen.

A auditoria conhecida hoje como PricewaterhouseCoopers ajudou a registrar mais de 400 entidades extraterritoriais através da TrustNet para clientes da China continental, Hong Kong e Taiwan, segundo revela o banco de dados. O gigante bancário suíço UBS ajudou a estabelecer mais de 1.000 estruturas offshore para clientes desses três mercados, também através da TrustNet.

Em 2006, UBS Hong Kong assessorou Yang Huiyan, a mulher mais rica da China, com um patrimônio que se calcula em 8,3 bilhões de dólares, para estabelecer uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas. Yang, que herdou de seu pai uma fortuna procedente do negócio imobiliário, não quis responder às perguntas sobre sua companhia no paraíso fiscal, Joy House Enterprises Limited.

No ano seguinte, o banco suíço passou o contato de TrustNet a outra multimilionária chinesa do setor imobiliário, Zhang Xin, fundadora da Soho Chinesa, uma empresa que transformou grande parte da silhueta de Pequim. Através de um representante, Zhang declinou de responder às perguntas sobre sua empresa nas ilhas, Commune Investment Ltd., um nome similar ao de seu seleto hotel butique na periferia de Pequim: Commune by the Great Wall.

Li Jinyuan, magnata dos negócios e filantropo, com um patrimônio de ao redor de 1,2 bilhão de dólares em 2011, dirigia sete empresas nas Ilhas Virgens Britânicas, as quais a Pricewaterhouse Coopers tinha ajudado a registrar entre 2004 e 2008. Segundo os documentos do Consórcio, as assinaturas estariam relacionadas com seu conglomerado Tiens Group, que possui interesses em biotecnologia, turismo, comércio eletrônico e o setor imobiliário.

Entre os clientes que estabeleceram empresas com a TrustNet, se encontram dois membros atuais da Assembleia Popular Nacional, a câmara legislativa chinesa.

Wei Jianghong, que representa a província de Anhui na Assembleia e é presidente da empresa estatal Tongling Nonferrous Metals, foi diretor de Tong Guan Resources Holdings, uma empresa estabelecida nas Ilhas Virgens Britânicas em 2006. Em 2007, Tongling usou Tong Guan para investir 10 milhões de dólares em um projeto de 50 milhões de dólares para o tratamento de cobre em Chile.

Outro congressista com bens no exterior é Ma Huateng, o fundador da principal companhia chinesa de mensagens pela Internet, Tencent. Ma tem um patrimônio de 10 bilhões de dólares e é o quinto homem mais rico da China, segundo a Forbes. Em 2007, foi nomeado diretor de TCH Pi Limited nas Ilhas Virgens Britânicas junto com o cofundador de Tencent, Zhang Zhidong. Uma porta-voz de Ma diz que TCH Pi é uma assinatura do grupo Tencent que "não tem nada que ver com ele pessoalmente", mas a empresa não aparece nos documentos apresentados pelo conglomerado.

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