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Chile e Peru se aproximam apesar de disputa fronteiriça a ser resolvida em Haia

Desde que Lima apresentou a demanda de delimitação marítima em 2008, cresceu o número de encontros governamentais e entre membros da sociedade civil de ambos os países

O presidente do Perú, Ollanta Humala com políticos de seu país. / EFE
O presidente do Perú, Ollanta Humala com políticos de seu país. / EFE

Quando em 2006 o governo chileno soube que o Peru apresentaria na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, uma ação para delimitar a fronteira marítima comum, ficou congelado o mecanismo 2 +2 de chanceleres e ministros da Defesa. Depois de sete anos, em 2013, o esquema foi retomado em sinal de confiança mútua em pleno contencioso. Além disso, os governos promoveram novas reuniões bilaterais oficiais, e a sociedade civil – empresas, mídia, Igreja – também criou oportunidades inéditas de encontro. Isso acompanhou o discurso das cordas separadas: ou seja, que a relação bilateral, marcada pelo investimento chileno de 13,6 bilhões de dólares no Peru (2013) e a presença de mais de 157.000 imigrantes peruanos no Chile, não fosse afetada pela disputa.

Peru e Chile deram um novo impulso às suas relações bilaterais nos últimos cinco anos, enquanto mantêm a disputa sobre a fronteira marítima: os juízes vão anunciar sua decisão em 27 de janeiro, em Haia, quase um ano após a fase oral do processo.

Quando Chile e Peru retomaram o esquema 2 +2 em 2 e 3 de maio de 2013, o vice-ministro peruano das Relações Exteriores, Fernando Rojas, destacou o significado especial da data: “Porque este foi o último evento militar realizado na defesa de nossos países diante de uma intervenção estrangeira (da Espanha), na qual estivemos juntos para defender a região”, disse ele. Os chanceleres de ambos os países participaram de uma comemoração conjunta da batalha naval de 2 de maio no porto de Callao, no Peru.

No campo econômico, como membros da Aliança do Pacífico desde 2011 – junto ao México e à Colômbia – os presidentes e chanceleres peruanos e chilenos pretendem acentuar a circulação de mercadorias e serviços e se encontraram em sete cúpulas: a próxima será em Cartagena (Colômbia) no início de fevereiro, quando a sentença de Haia já tiver sido proferida.

Além disso, surgiu um novo mecanismo bilateral, os chanceleres e ministros dos setores sociais peruanos e chilenos se reuniram em Santiago pela primeira vez em maio de 2013 no chamado Conselho de Integração Social, no qual revisaram, em especial, a agenda de trabalho, de imigração e das populações vulneráveis em ambos os países. Eles assinaram um compromisso para uma nova reunião no primeiro semestre de 2015.

Os peruanos que vivem no Chile formam um terço da população estrangeira, enquanto que em 2012 os chilenos foram o maior grupo de estrangeiros que entraram no Peru para trabalhar (41.892 pessoas, 16% do universo). Em 2013, os chilenos passaram a ocupar a segunda posição: os colombianos representaram 15%, e os chilenos, 14%.

O clima na Igreja, na mídia, entre empresários

O objetivo de aumentar a balança comercial entre os dois países e proteger a saudável relação de vizinhança entre Tacna (Peru) e Arica (Chile), onde são registradas cinco milhões de passagens por ano, também fez parte da agenda das reuniões da sociedade civil.

Em julho de 2013 ocorreu em Tacna e Arica uma reunião binacional de bispos e líderes de opinião peruanos e chilenos, que descreveram o momento como uma “oportunidade histórica para estabilizar e aprofundar nossas relações bilaterais, baseadas na confiança e cooperação”. A declaração dos quatro bispos, incluindo os presidentes da Conferência Episcopal de cada país, reconheceu que as relações comerciais reconhecidas entre Chile e Peru se multiplicaram, mas também levantou um questionamento.

“Queremos chamar a atenção para a fragilidade e a ambiguidade das relações focadas apenas em um nível comercial e nas cúpulas políticas. Acreditamos que as relações bilaterais se tornarão mais fortes na medida em que se enraízem na vida e na participação de nossos povos”, acrescentaram os bispos, apelando para “aumentar a atenção sobre a crescente realidade dos imigrantes”.

Naquele evento, organizado pela Fundação Konrad Adenauer, o analista internacional peruano Francisco Belaunde disse que “não é fácil uma sintonia entre os meios de comunicação e o Estado, mas recomendou manter a serenidade para que haja uma sociedade bem informada”. Enquanto isso, o diretor do jornal chileno La Segunda, Victor Carvajal, se mostrou otimista ao ver que as relações bilaterais tinham mudado para o bem e acrescentou que isso era perceptível no aumento das relações comerciais entre Peru e Chile.

Entre 2012 e 2013, executivos da mídia, acadêmicos, políticos e militares se reuniram em Tacna, Arica e Lima. Luz Maria Helguero, ex-diretora do jornal El Tiempo, de Piura (Peru), disse ao EL PAÍS que entre os temas abordados, tiveram destaque a pesca e as implicações deste processo para a Bolívia. “Além disso, os participantes em Tacna e Arica tinham uma percepção diferente, porque têm uma relação diária: queriam que essa relação se consolidasse, que os problemas fossem eliminados e funcionassem quase como um mesmo país”, descreveu Helguero.

Desde que o processo começou em Haia, a imprensa chilena e peruana tem publicado reportagens sobre os benefícios que os chilenos têm na travessia a Tacna, onde são atendidos por médicos a preços menores que em seu país e vão a mercados e restaurantes porque apreciam a gastronomia peruana. Por outro lado, os peruanos cruzam a fronteira até Arica para comprar eletrônicos, tecidos e outros itens não disponíveis em suas cidades. Outro fator é que há famílias vivendo em ambos os lados da fronteira.

No campo cultural, destacou-se o “Chamado à concórdia” assinado em julho de 2012 por intelectuais, entre eles os escritores Jorge Edwards e Mario Vargas Llosa. O pronunciamento resgatava a oportunidade “para deixar de uma vez por todas a mentalidade do século XIX, que às vezes obscureceu nosso acordo, e mergulhar em cheio em uma visão do próprio século XXI: um olhar solidário, com projeto de futuro, que contemple uma verdadeira integração cultural, científica e econômica”.

Outras reuniões, empresariais, de câmaras de comércio, exposições de arte binacionais e um concurso de canções pela amizade peruano-chilena também fizeram parte desta recente onda de aproximação. Depois de 27 de janeiro, os países terão que colocar em prática não só a sentença da Corte Internacional, mas tudo o que foi dito nestes espaços desde 2008.

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