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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Vinte anos de livre comércio

O tratado com os Estados Unidos e o Canadá serviu como agente para disciplinar a macroeconomia no México, mas não reduziu a diferença salarial com os EUA. A solução é mais tratado, e não menos

Jorge G. Castañeda
RAQUEL MARÍN

Há 20 anos entrou em vigor o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLC, ou Nafta, por sua sigla em inglês). Seu advento desatou um vigoroso debate sobre os perigos e as promessas do acordo comercial. À distância, todos exageraram suas consequências: o Nafta não resultou nem em grandes lucros nem em perdas dramáticas. Suas consequências foram mais significativas para a menor economia – a mexicana – do que para as outras. Fazer um balanço desses 20 anos não é tarefa simples, mas se vislumbra mais factível hoje do que antes.

O México é hoje um país muito melhor do que em 1994: uma democracia representativa com uma classe média praticamente majoritária e uma sociedade cada dia mais liberal, mas o Nafta não foi o único agente da mudança. Visto como um tratado de comércio exterior, seu êxito é inegável. As exportações mexicanas se elevaram de 60 bilhões de dólares em 1994 para quase 400 bilhões em 2013. As vendas mexicanas ao exterior consistem principalmente de bens manufaturados, de automóveis até telefones celulares e refrigeradores. O corolário dessa alta de exportações – uma explosão de importações – provocou uma queda no preço de incontáveis bens de consumo, disponíveis para milhões de mexicanos: o efeito Wal-Mart.

Além do mais, o Nafta consolidou políticas macroeconômicas que impulsionaram essa transformação. Desde 1995, as autoridades mexicanas mantiveram políticas financeiras saudáveis, uma inflação baixa, câmbio flexível e políticas de abertura comercial, que fomentaram a estabilidade, reduziram as taxas de juros e ampliaram o acesso ao crédito. Embora uma boa administração da economia não fosse parte intrínseca do Nafta, o acordo se transformou em uma camisa de força para um país acostumado a um mau gerenciamento macroeconômico.

O número de pessoas nascidas no México que vivem nos Estados Unidos quase duplicou em 10 anos

Seus efeitos políticos são mais difíceis de medir. Muitos de nós que discordávamos do tratado e de como foi negociado pelos três governos pensamos que serviria como uma tábua de salvação para o regime autoritário do PRI, que de outra forma sucumbiria no início dos anos 90 à onda democrática que sacudiu a América Latina e o Leste Europeu. Outros, em troca, consideraram que a alternância de poder em 2000 foi uma consequência direta do tratado. Nem uma conclusão nem outra é fácil de provar. Dadas as catástrofes que açoitaram o país em 1994 – o levante zapatista em Chiapas, o assassinato do candidato do PRI à Presidência, o superaquecimento da economia e a derrocada econômica do fim do ano –, a rejeição do Nafta pelos Estados Unidos poderia ter provocado uma derrota antecipada do PRI. Por outro lado, ao comprometer qualquer presidente mexicano com a adoção de políticas prudentes e uma relação cada vez mais próxima dos Estados Unidos, talvez o tratado tenha gerado as condições da alternância que por fim se produziu em 2000.

Agora, se os objetivos do tratado consistiam em um maior crescimento econômico do México, mais e melhores empregos, maior produtividade, salários mais elevados e o desestímulo à emigração para os Estados Unidos, a avaliação adquire outros matizes.

A economia mexicana teve bons e maus anos desde 1994, mas só obteve uma média de 2,6% de crescimento anual do PIB, ou 1,2% per capita. Outros países latino-americanos – Chile, Peru, Uruguai, Colômbia, Brasil – conseguiram taxas superiores. A renda per capita no México, como porcentagem da dos EUA, quase não variou, passando de 17% em 1994 a 19% atualmente. A produtividade se manteve constante, com pequenas melhoras no setor automotivo (onde já era elevada), no aeronáutico (que não existia) e nas maquiladoras de eletrodomésticos. Em consequência, o rendimento real na economia formal se estagnou, embora a queda dos preços dos bens de consumo duráveis e alguns alimentos tenha mitigado isso.

Dois fatos explicam esses resultados decepcionantes. Em primeiro lugar, em 1994 um total de 73% das exportações mexicanas era formado por insumos importados; em 2013, esse número aumentou para 75%. Não foram criadas cadeias produtivas ou de base na economia mexicana, O emprego no setor manufatureiro permaneceu igual e não exerceu nenhuma pressão de alta sobre os salários. O número de trabalhadores nas maquiladoras alcançou 2,3 milhões em meados de 2013 – um aumento de apenas 20% durante duas décadas, enquanto a população cresceu 33%. Em média, a diferença salarial entre os Estados Unidos e o México continua igual, de modo que o número de pessoas nascidas no México que vivem nos Estados Unidos cresceu de 6,5 milhões em 1994 para quase 12 milhões em 2013, apesar da deportação de mais de 1 milhão de mexicanos por Barack Obama.

O segundo fato serve para explicar a ausência de encadeamentos produtivos. O verdadeiro propósito do tratado residia num forte impulso ao investimento estrangeiro direto (IED), especialmente dos Estados Unidos, para aumentar o investimento agregado ao nível que o México alcançou antes de 1982, quer dizer, um pouco mais de uma quarta parte do produto. Ao perpetuar políticas econômicas ortodoxas e garantir o acesso ao mercado norte-americano, o Nafta concederia aos investidores estrangeiros a certeza necessária para se aproximarem do México, incrementando o IED como proporção do PIB.

Se a indústria petrolífera tivesse aberto antes, talvez desencadeasse um pico nos investimentos

Isso não ocorreu. Em 1993 o IED representava 1,1% do PIB do México, passou a quase 2,5% em 1994, mas se manteve nesse nível (seu máximo) até 2001. Depois, começou a diminuir, baixando a 2,1% em 2006, e continuou o descenso. Hoje se situa abaixo de 2% do PIB, se se considera a média dos últimos dois anos, um muito ruim (2012) e um muito bom (2013). No longo prazo, apesar dos impressionantes números do comércio exterior, o Nafta não cumpriu suas promessas econômicas.

Como o México teria se saído sem o Nafta? Uns dizem que pior, mas é um triste consolo, e o exercício contrafactual não é óbvio. Outros países – Chile, Peru, Colômbia, Brasil e Uruguai – cresceram mais sem um tratado equivalente, embora, sim, com políticas de livre mercado. E o crescimento da própria economia mexicana foi muito superior entre 1940 e 1980. É difícil ver como, na falta do tratado, a produtividade, o atrativo para o investimento estrangeiro, os níveis salariais do país e o crescimento do PIB per capita ao longo de 20 anos poderiam ter sido menores. Somente teria ocorrido tal desastre se o México tivesse retornado às políticas populistas dos anos 70. Mas já as tinha deixado para trás desde meados dos anos 80.

Um tratado diferente poderia ter produzido melhores resultados? Muitos de nós favorecíamos um tratado no estilo europeu, que incluísse mobilidade de trabalhadores, energia, direitos humanos, democracia e financiamento compensatório. Isso não teria talvez alterado os resultados, apesar de que uma das explicações para a baixa produtividade mexicana seja a desgastada infraestrutura do país, que poderia ter sido melhorada com recursos dos Estados Unidos e do Canadá. Se o México tivesse aberto sua indústria petrolífera desde então, isso talvez tivesse desencadeado um pico nos investimentos, e quem sabe os Estados Unidos tivessem realizado em troca uma reforma imigratória.

O que reserva o futuro para o México e o Nafta? Muitos pensam que as reformas empreendidas pelo presidente Peña Nieto poderão, por si mesmas, gerar um crescimento anual e sustentado de 5%, conquista distante para o México desde 1981. Mas esse parece ser um prognóstico otimista, na ausência de outros fatores. A brecha entre os Estados Unidos e o México será superada por si mesma ou são necessárias políticas e ideias proativas? Provavelmente, e isso explica por que as teses da integração econômica da América do Norte vêm ganhando terreno, tanto em livros como The North American idea, de Robert Pastor, como no trabalho encarregado a Robert Zoellick, ex-presidente del Banco Mundial, e a David Petraeus, ex-diretor da CIA.

Sem reproduzir o modelo europeu, pouco atraente para os EUA e defasado no tempo, a inclusão de temas excluídos em 1994 – energia, imigração, infraestrutura, educação, segurança, direitos humanos – é preferível a seguir o mesmo caminho. A resposta às decepções do Nafta pode ser mais tratado, não menos.

Jorge G. Castañeda é analista político e membro da Academia das Ciências e das Artes dos Estados Unidos.

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