A guerra de Michoacán
A luta entre grupos de camponeses armados e narcotraficantes nesse estado do México é o conflito mais grave dos últimos 20 anos no país
O conflito entre civis armados e supostos membros do crime organizado em Michoacán, no sudoeste do México, já se tornou o mais grave no país em 20 anos e o mais prolongado em várias décadas. Os grupos de autodefesa entraram no domingo em Múgica, o nome oficial de uma cidade conhecida como Nueva Italia, com mais de 30.000 habitantes – a maior que esses grupos tentaram tomar até agora.
Desde sua aparição, em fevereiro passado, os grupos de autodefesa assumiram o controle de pelo menos 11 municípios em Tierra Caliente, a região que concentra o conflito, no oeste de Michoacán. O Estado é um dos maiores produtores de maconha e metanfetamina do país, além de ponto estratégico para o transporte de drogas em geral. A zona é dominada pelo cartel dos Cavaleiros Templários, uma máfia com ideologia pseudorreligiosa e regionalista que se sucedeu à Família Michoacana, um sangrento grupo do crime organizado surgido em 2005.
Os civis armados entraram no domingo em Nueva Italia a bordo de picapes com inscrições que os identificavam como parte de uma “polícia comunitária”. Repetiram o mesmo processo que têm realizado em dezenas de povoados já sob seu controle. Convocam os habitantes para o centro da cidade e lhes dizem que, a partir daquele momento, irão se encarregar da segurança da comunidade. Seu objetivo: expulsar os Cavaleiros Templários. Convidam quem desejar empunhar um fuzil a se juntar ao grupo. As autodefesas acusam as prefeituras e polícias locais de colaborarem com o narcotráfico, e por isso perseguem seus agentes.
O objetivo final das milícias, conforme assegura um de seus líderes, Hipólito Mora, é alcançar Apatzingán, uma cidade de 80.000 habitantes - a 480 quilômetros da capital mexicana - que é o centro político e econômico da região.
Mas o clima em Michoacán é confuso. Mora declarou ontem ao jornal La Jornada Michoacán que desconhece os civis armados que entraram em Nueva Italia, embora não tenha descartado que o grupo seja “legítimo”. Mora é um de seus dirigentes mais conhecidos, junto com José Manuel Mireles, o líder das autodefesas de Tepalcatepec.
A tomada de Parácuaro marcou um antes e um depois no conflito de Michoacán, onde a violência vem aumentando desde que o ex-presidente mexicano (e michoacano) Felipe Calderón iniciou nesse Estado a sua guerra contra o narcotráfico, em dezembro de 2006. Os combates já se situam a apenas 60 quilômetros de Uruapan, a segunda maior cidade do estado, e a 160 de Morelia, a capital.
O prefeito de Uruapan, Aldo Macías Alejandres, reconheceu ontem que, diante da “proximidade” dos grupos de autodefesa, ordenaria “lacrar” os acessos ao município. O Governo de Jalisco, Estado vizinho a Michoacán, anunciou também que reforçará a segurança das cidades próximas ao limite interestadual, para evitar que o conflito se estenda ao seu território.
No mesmo sábado em que as autodefesas chegaram a Parácuaro, uma comunidade de 20.00 habitantes, seu líder mais conhecido, José Manuel Mireles, sofreu um acidente em que o pequeno avião no qual viajava precisou fazer um pouso forçado. As forças federais (militares e policiais) o custodiaram enquanto esteve no hospital. O fato de o Governo proteger um representante de um grupo de civis armados que suplanta as funções do Estado provocou uma profunda polêmica. No domingo, ele recebeu alta e foi levado pela polícia para um local desconhecido, segundo a imprensa local.
O avanço das autodefesas fecha o cerco sobre Apatzingán, que vive em um virtual estado de sítio desde 4 de janeiro, quando a milícia comunitária assumiu o controle de Parácuaro, a apenas 20 quilômetros da cidade.
Apatzingán é uma das localidades mais golpeadas pela violência em Michoacán. A violência na região começou há pelo menos sete anos, mas nesta semana atingiu níveis inéditos. Grupos de encapuzados, supostamente vinculados ao narcotráfico, tentaram incendiar a prefeitura e a biblioteca municipal. Atearam fogo também a lojas de alimentos, e costumam incendiar carros nos principais acessos à cidade.
A atividade comercial está paralisada. Cerca de 95% dos estabelecimentos comerciais fecharam as portas, e as aulas permaneciam suspensas até na sexta-feira. Os incêndios danificaram as instalações de fibra óptica, e a cidade há quatro anos enfrenta problemas nas comunicações por internet e telefone. As ruas, conta um habitante, estão vazias. A região sofre desabastecimento, pois os caminhões que entregam mantimentos e gasolina não conseguem chegar. Não há ônibus comerciais que viajem à zona, os empresários calculam prejuízos e pelo menos 13 milhões de pesos (2,35 milhões de reais).
As dificuldades de trafegar pelas estradas prejudicam também os agricultores. A região é uma das principais produtoras de limão siciliano do país, e esta é a época da colheita. Os produtores calculam prejuízos milionários.
A presidenta da entidade Organizações Michoacanas Pró-Direitos Humanos, Cristina Cortés Carrillo, advertiu também que as autodefesas estão se transformando em uma “pré-insurgência”, e acrescentou que enviou um documento formal ao Alto Comissariado das Nações Unidas no México para informar sobre a gravidade da situação.
O secretário de Governo (ministro do Interior) do México, Miguel Ángel Osorio Chong, viajou ontem a Morelia para se reunir com o gabinete de segurança e analisar a situação. Um funcionário do Governo local reconhece que há pelo menos outros oito municípios na mira das autodefesas.
No ano passado, houve em 990 homicídios em Michoacán, a cifra mais alta desde 1998. A violência já deixou mais de 80.000 mortos e 30.000 desaparecidos em todo o país.
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