A Venezuela tenta limitar as notícias sobre insegurança na mídia
O Ministério Público quer punir o jornal El Universal por uma fotografia na qual aparecia o braço de um corpo
Nessa terça-feira soube-se em Caracas que o procurador-geral da Venezuela solicitou a um juiz que proibisse o jornal El Universal, da capital venezuelana, de continuar cobrindo informações sobre crimes e insegurança. De acordo com os representantes do Ministério Público, o veículo havia incorrido em violações das normas de proteção a menores de idade e contribuído para "desestabilizar a população venezuelana" ao publicar, na primeira página do último dia 20 de novembro, a fotografia do corpo de um cidadão assassinado estendido em via pública.
A magem não mostrava o corpo da vítima, mas sim um dos seus braços. O falecido era Lobsang Rodríguez, um engenheiro de 28 anos que trabalhava para a filial venezuelana de um laboratório farmacêutico alemão. Rodríguez foi sequestrado na noite de 18 de novembro nas aforas de Caracas por membros de uma quadrilha que pretendiam cobrar resgate por meio da modalidade de sequestro relâmpago, um tipo de crime muito comum nas cidades venezuelanas. Pouco depois, entretanto, numa rua da urbanização La Florida (nordeste de Caracas), uma blitz da política interceptou os capturadores que, ao receber a voz de alto, iniciaram a troca de tiros com os policiais. Em meio ao tiroteio, segundo a versão oficial da polícia, o refém teria tentado fugir quando foi atingido por uma bala que lhe custou a vida.
O corpo passou várias horas na rua a espera da perícia legal. Ali, a imagem foi captada por um repórter fotográfico do jornal El Universal, que a utilizou como alto de página na abertura da edição do dia seguinte. O instantâneo, embora com claro propósito informativo, tentava fazer uma composição artística do desolador cenário e se limitava a incluir no enquadramento o braço estendido da vítima, junto ao fio de sangue que corria em paralelo sobre o asfalto.
A insegurança é um dos principais flagelos que assolam a sociedade venezuelana, por si só caótica. Os índices de mortes por assassinato no país estão entre os mais altos do mundo e constituem uma constante preocupação para os cidadãos, segundo revelam os estudos de opinião pública. Na medida em que o problema ameaça se tornar uma demanda social com desdobramentos políticos, o governo de Nicolás Maduro -- como antes o de Hugo Chávez -- observa a questão da criminalidade crime, embora, como parece incapaz ou pouco disposto a controlá-lo, prefere restringir a divulgação das notícias sobre o assunto.
A publicação feita pelo El Universal foi respondida pelo próprio presidente Maduro, com ácidas críticas. O ministro do interior, Miguel Rodríguez Torres -- militar responsável pela segurança pública -- afirmou que a foto "merece indubitavelmente uma ação legal (...) e vamos fazer toda a força necessária para que isso ocorra".
Assim que, no dia 27 de novembro, os procuradores Carolina González e Ramón Liscano apresentaram ante o Tribunal 11 de Proteção de Crianças e Adolescentes um documento no qual solicitaram uma sanção financeira contra o jornal. A multa, se executada, equivaleria a 1% ou 2% das vendas brutas do jornal durante o ano de 2012. Além disso, pedem que o El Universal fique proibido de "publicar imagens, informações e publicidade de qualquer tipo, com conteúdo de sangue, armas, mensagens de terror, agressão física, imagens que utilizem conteúdos de guerra e mensagens sobre morte e óbitos que possam alterar o bem estar psicológico das crianças".
Embora na estrutura institucional do Estado venezuelado o Ministério Público geral desse país figure como parte de outros poderes, está de fato subordinado ao executivo. Sua titular, Luisa Ortega Díaz, já propôs em agosto de 2010 à Assembléia Nacional uma pretensa Lei de Delitos Midiáticos para coagir o jornalismo independente. A iniciativa naufragou logo ante dos protestos de organizações profissionais e de defesa da liberdade de expressão, tanto locais como internacionais. Mas isso não impediu que, depois, funcionários do Ministério Público obtivessem de diversos tribunais medidas de silenciamento dos veículos opositores. Um exemplo claro se deu em 2011, quando um juiz impediu temporariamente os jornais da capital El Nacional e TalCual de publicarem fotos da seção de acontecimentos, denominação local para a editoria que cobre crimes e temas judiciais -- depois que mostraram em suas respectivas primeiras páginas imagens do excesso de corpos no principal instituto médico legal de Caracas.
A medida parece formar parte de uma investida geral contra os meios de comunicação, cada vez mais encurralados pelo governo de Maduro. Plataformas informativas como o canal de TV Globovisión -- que tem novos proprietários desde meados do ano -- e Notícias24, o maior provedor online de notícias, mudaram recentemente suas linhas editoriais para destacar as notícias favoráveis às autoridades governamentais.
Há poucos dias, o presidente da Comissão de Meios da Assembléia Nacional, Júlio Chávez, deputado do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), informou que a bancada chavista se propõe a discutir e aprovar a partir de janeiro uma nova Lei de Comunicação e Jornalismo. O texto unificaria os controles e sansões previstos em diversas normas já vigentes -- como as leis de Responsabilidade Social de Rádio e TV ou a de Comunicação Popular -- para regular o fluxo informativo.
El Universal, fundado em 1909, é um dos jornais mais antigos da Venezuela. É tido como um veículo de oposição e com certa frequencia os presidentes Chávez e Maduro criticaram em público seu diretor, Andrés Mata, que mora nos EUA. O veículo acaba de lançar um canal de televisão por internet, eutv.com, cuja programação já abrigou muitos dos jornalistas excluídos de Globovisión, o canal que servia como ponta de lança da oposição antes de mudar de proprietários.
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