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Onda de saques com mortes na Argentina ganha força com as greves de policiais

Ao menos oito pessoas morreram desde o início da onda de saques, há uma semana

Francisco Peregil
Um grupo de pessoas saqueia uma loja em Tucumán (noroeste).
Um grupo de pessoas saqueia uma loja em Tucumán (noroeste).REUTERS

A bola de neve dos protestos policiais na Argentina não para de aumentar. E, com ela, o drama dos saques e as mortes. Há uma semana os agentes da província de Córdoba (região central do país) pressionaram as autoridades ao negarem-se a sair dos quartéis até que seus salários não subissem. E a cidade, a 700 quilômetros de Buenos Aires, ficou nas mãos dos saqueadores. O governador peronista de Córdoba, José Manuel de la Sota, adversário do Governo peronista da presidenta Cristina Fernández de Kirchner, subestimou o problema. O Executivo, por sua vez, cometeu o erro de não enviar reforços a seu rival político até que De la Sota não o pedisse pelos canais oficiais. Em consequência de toda essa série de erros, a cidade de 1,2 milhão de habitantes ficou durante 35 horas no meio do caos, uma pessoa morreu e dezenas ficaram feridas. Finalmente, De la Sota outorgou aos policiais quase tudo o que exigiram. O piso salarial passou de 6.000 pesos (cerca de 1.500 reais no câmbio extraoficial) ao dobro. Os policiais e o governador mostraram-se sorridentes depois do acordo. Mas o problema só acabava de começar para o resto do país.

Em menos de dois dias os agentes de cinco províncias argentinas começaram a exigir aumentos com similares métodos de pressão. Conforme alguns governadores consentiam nas reclamações dos policiais, em outras províncias outros agentes se aquartelavam. Em menos de uma semana ocorreram dezenas de saques em províncias como Chaco (nordeste), Tucumán (noroeste), Jujuy (noroeste), Entre Ríos (norte) ou Santa Fé (centro-leste). Na segunda-feira pela manhã oito mortos já eram contados. A maioria deles era assaltante de estabelecimentos comerciais. Mas também faleceu asfixiado o proprietário chinês de um comércio em Glew (região metropolitana de Buenos Aires) e morreu baleado um subcomissário no Chaco. O estopim dos protestos tinha se estendido a 17 províncias. Em muitas delas, os governadores aumentaram os salários e os agentes depuseram sua atitude. Mas em sete ainda não se tinha chegado a nenhum acordo na segunda-feira à tarde.

O grande temor do governo federal é que os saques cheguem à periferia da capital, onde se concentram os maiores bolsões de pobreza do país. Para evitar o contágio, o governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, adiantou o pagamento extra de Natal a meio milhão de funcionários públicos e decretou um aumento de salário para os policiais de quase o dobro de seus pisos. Passarão de 4.700 pesos mensais (cerca de 1.240 reais) a 9.000 (aproximadamente 2.380 reais). Os policiais de Buenos Aires ficam atrás de seus colegas de Córdoba, mas, por enquanto, parece que a maioria se conforma. Em qualquer caso, o governo decidiu reforçar com agentes nacionais a vigilância dos supermercados da periferia da capital argentina.

O governador José Manuel de la Sota foi nesta terça-feira à Casa Rosada para se reunir com o chefe de Gabinete, Jorge Capitanich. Tentaram oferecer uma mensagem de unidade. “Quero pedir desculpas aos cordobeses, que certamente esperavam bem mais de nós, do Governo nacional, da polícia, e dos próprios vizinhos que participaram da pilhagem”, admitiu De la Sota. “(Era) impensável para qualquer governante que esta reclamação salarial derivasse nessa situação vivida nas províncias. (…) Rompeu-se o contrato social”, acrescentou.

Os saques e assassinatos aconteciam enquanto o governo federal fechava o trânsito no centro de Buenos Aires para festejar, nesta terça-feira, os 30 anos de democracia, desde que assumiu seu mandato o dirigente da União Cívica Radical Raúl Alfonsín. A presidenta Cristina Fernández de Kirchner, que reduziu de forma acentuada seus aparecimentos públicos desde que foi operada de um hematoma craniano e teve descoberta uma arritmia no coração, previa fazer um discurso na Casa Rosada. O Governo organizou um concerto na praça Maior com a atuação de grandes artistas locais. Foram convidados os quatro ex-presidentes -Carlos Menem, Fernando de la Rúa, Adolfo Rodríguez Saá, Eduardo Duhalde- e os familiares de Raúl Alfonsín. Tudo estava programado para engrandecer os valores que tornaram possível –apesar de todos os pesares- a convivência pacífica entre os argentinos. E, de repente, pegou carona na festa o fantasma dos saques.

O prefeito de Buenos Aires, o conservador Mauricio Macri, indicou que os festejos deveriam ter sido adiados. O deputado opositor Ricardo Alfonsín, filho do primeiro presidente do período democrático, também pediu que a festa fosse postergada. E o governador peronista do Chaco, Juan Carlos Bacileff Ivanoff, aclarou que ia à Casa Rosada porque a presidenta lhe pediu “pessoalmente" que fosse, embora tenha advertido que não tinha vontade de "comemorar nada".

Os saques remetem ao pior momento da história recente argentina, a dezembro de 2001, quando as ruas de Buenos Aires foram tomadas por cidadãos que gritavam “Que saiam todos". O governo acha que o fato de que os saques coincidam com a comemoração dos 30 anos indica que se pretende desestabilizar o Executivo federal. Mas a verdade é que as reclamações dos agentes afetaram tanto as províncias governadas pela oposição como outras que estão nas mãos de kirchneristas. E só pedem mais dinheiro.

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