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O grande amigo de Mandela nas Américas foi Fidel Castro

O ex-presidente sul-africano sempre se mostrou agradecido pela ajuda militar que prestou Cuba ao país na luta contra o apartheid

Francisco Peregil
Castro e Mandela na visita oficial do estadista africano a Cuba, em 1998.
Castro e Mandela na visita oficial do estadista africano a Cuba, em 1998.PATRICK AVIOLAT/KEYSTONE (EFE)

Nelson Mandela era tido como um herói em todo mundo. E na América Latina não foi uma exceção. Em julho de 1998, ele visitou durante três dias a Argentina do presidente peronista liberal Carlos Saúl Menem e foi recebido no aeroporto portenho de Ezeiza com uma salva de 19 tiros de canhão. Em um dos três discursos que fez, ressaltou que o "difícil passado da Argentina" tinha servido de "inspiração" em sua luta contra o apartheid.

Uma das filhas de Mandela, Zenani Dlamini, foi designada em fevereiro embaixadora da África do Sul na Argentina. Zenani, de 55 anos, nada mais chegar a Buenos Aires, explicou ao jornal La Nacíon  que não tinha pretensões de exercer a carreira diplomática, mas em janeiro de 2012, o presidente Jacob Zuma disse que convinha que uma Mandela da primeira geração ajudasse a levantar a imagem sul-africana. E a enviou a Buenos Aires num período em que Mandela já se encontrava muito doente. Zenani contou que, ao se despedir, seu pai sorriu e disse: “Estou orgulhoso de você.”

Existem associações de direitos humanos em toda a América Latina que levam o nome de Mandela. Mas o país em que mais deixou uma impressão, e com o qual teve mais afinidades afetivas, foi Cuba. E a pessoa de quem mais gostava foi Fidel Castro. Em 1991, poucos meses após sua saída da prisão, Mandela visitou Cuba. Por causa disso, foi criticado dentro e fora do país, mas fez pouco caso. Há um vídeo do encontro entre os dois líderes em que se vê Mandela abraçando Castro e o chamando de “meu irmão”. Castro vestido de terno e gravata e Mandela se expressando em inglês a uma tradutora que vertia para ele as palavras de Mandela em espanhol:

-Uma coisa antes de falar –diz Mandela em pé a Fidel Castro sentado-. Antes de falar absolutamente qualquer coisa me diga quando vai visitar a África do Sul. Uma grande quantidade de pessoas nos visitou e nosso amigo, Cuba, que nos ajudou a treinar nossa gente, que nos deu recursos, que nos ajudou tanto em nossa luta, que treinou nossos combatentes, nossos médicos… Cuba não veio nos visitar, você não foi nos visitar. Quando virá?

-Não visitei a minha pátria sul-africana –reconhece Castro.

-Mas quando vai visitar vir a África do Sul?

-Acho que vai ter que ser hoje mesmo, vou ter que voar contigo - se desculpa Castro, em tom de blague.

Ao longo dos anos a amizade e a admiração que nutriam um pelo outro não diminuiu. “Sou um homem leal e jamais esquecerei que nos momentos mais sombrios de nossa pátria, na luta contra o apartheid, Fidel Castro esteve ao nosso lado”, disse Mandela. Finalmente, Castro pôde viajar à África do Sul em 1994 e foi recebido no Senado com todas as honras. Mandela nunca dissimulou para o mundo seu relacionamento com Cuba.

Quando, em 1998, Mandela recebeu a visita do então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, o mandatário sul-africano o advertiu que convidou também Castro e o então chefe de Estado de Líbia, Muamar el Gadafi. "Faço isto porque nossa autoridade moral nos dita que não podemos abandonar aqueles que nos ajudaram durante os momentos mais sombrios da história de nosso país, oferecendo recursos e instruções para lutar e ganhar. E aqueles sul-africanos que me têm recriminado por ser leal a nossos amigos, podem, literalmente, ir a catar coquinhos, afirmou Mandela.

Como se sua postura ainda não estivesse clara, Mandela aconselhou Clinton que convocasse seus inimigos, Cuba, Irã e Líbia, para formar uma mesa de negociação e “conversar sobre a paz”. Quinze anos depois, é isso o que Barack Obama está fazendo com o regime iraniano. Naquele dia, Clinton silenciou diante das críticas de Mandela, mas seu conselheiro de Segurança Nacional, Samuel Berger, declarou: "Podemos entender a lealdade de Mandela [a Cuba, Irã e Líbia], mas nossa posição também está baseada em princípios."

Naquela viagem, Mandela mostrou a Clinton a prisão da ilha de Robben, onde permaneceu 18 anos preso e lhe presenteou com uma pedra da pedreira onde cumpriu trabalhos forçados. Depois deu a Clinton a mais alta distinção de África do Sul, a Ordem da Boa Esperança. Antes de Clinton, o último condecorado era Gadafi.

No entanto, Hugo Chávez, o grande amigo de Castro e Gadafi, não cultivou a amizade com o grande libertador dos negros sul-africanos. Mas Nicolás Maduro, o sucessor de Chávez, declarou três dias de luto nacional pela morte de Mandela.

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