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Um motor da luta contra a discriminação nos Estados Unidos

Em uma época em que os ideais ainda atraíam milhões, Mandela simbolizou o ideal de bondade, generosidade e sacrifício

Mandela, na cela onde esteve encarcerado, em 1994.
Mandela, na cela onde esteve encarcerado, em 1994.Patrick de Noirmont (REUTERS)

Barack Obama e a comunidade negra dos Estados Unidos perdem com a morte de Mandela uma referência moral insubstituível. Para os negros norte-americanos, Mandela foi durante muitas décadas uma razão para perseverar na luta por sua própria emancipação, para ter fé em suas próprias possibilidades de triunfo. Para o presidente, Mandela era o ícone que o levou à política e o santo laico que, junto com Martin Luther King, forma a divindade à qual intimamente deve prestar contas de seus atos a cada dia.

Obama não pôde contar com o conselho de Mandela na Casa Branca. Em sua última visita à África do Sul, neste ano, Mandela estava já muito doente para receber visitas. Não só pertencem a gerações diferentes, como estão distanciados também por raízes, experiências e realidades muito diferentes. Embora de nome africano, Obama se afastou do continente do qual procedia seu pai assim que este saiu de sua vida, em sua primeira infância. Cresceu mais vinculado à Ásia que à África, e só quando já era adulto foi ao Quênia em busca de referências paternas e de respostas pessoais.

No entanto, como qualquer negro norte-americano, sua vocação política está marcada pelo exemplo de Mandela. Como lembrou nesta noite ao prestar homenagem ao líder sul-africano, o primeiro ato político de que Obama participou foi um protesto contra o apartheid. Dezenas de milhares de pessoas, nos anos setenta e oitenta, concentravam-se continuamente ante a embaixada da África do Sul em Washington em apoio a Mandela e em rejeição ao racismo.

"Não posso imaginar minha vida sem o exemplo de Mandela": Obama

Era uma forma de protestar também contra a discriminação sofrida nos próprios EUA. Por um lado, a mobilização popular nos EUA servia para pressionar Ronald Reagan, um aliado de Pretória, e para ganhar terreno frente à maioria branca norte-americana.

Em uma época em que os ideais ainda atraíam milhões de pessoas, Mandela simbolizou o ideal perfeito de bondade, generosidade e sacrifício. “Viveu por esse ideal e o transformou em realidade”, disse Obama nesta quinta-feira. “Conseguiu mais do que se pode esperar de algum homem. Perdemos o ser humano mais influente, valente e profundamente bom que qualquer um de nós poderia compartilhar na Terra. Agora (ele) já não nos pertence, agora pertence à eternidade”.

Obama tem de governar uma grande potência militar com gigantescos interesses econômicos e estratégicos. O espaço que lhe resta para seguir o exemplo de Mandela, cuja tarefa essencial foi a de libertar a uma nação, é muito estreito. Apesar de tudo, o presidente norte-americano está hoje um pouco mais só e vulnerável. “Não posso imaginar minha própria vida”, admitiu, “sem o exemplo que Nelson Mandela deu, e enquanto eu viver sempre tratarei de aprender com ele”.

Mandela deixa nos EUA palavras de reconciliação, de perdão, de humildade e de entendimento. Não são as mais ouvidas hoje, neste momento de divisão e confrontação políticas. Obama tratou em seus anos de presidência de agir em resposta a essas reivindicações sem muito sucesso. Sem dúvida, ele carece do tamanho e do histórico que obrigou seus inimigos a se ajoelhar ante Mandela. Embora ambos compartilhem do premio Nobel da Paz, entre os méritos de um e de outro há um abismo.

Mas com o passar do tempo, assim como a história perdoou Mandela de alguns pequenos pecados, é possível que acabe reconhecendo o papel de Obama como primeiro presidente negro dos EUA. Sua eleição foi talvez a maior conquista negra em todo mundo desde o fim do apartheid. Nenhum sobrenome africano atingiu tal universalidade após Mandela como Obama. Ambos são símbolos de uma luta interminável da raça mais maltratada na história da humanidade.

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