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Coluna
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O imperador republicano. E o republicano monarquista

Na História do Brasil, fatos e personagens reais frequentemente superam a capacidade criativa da melhor literatura de ficção. Um exemplo é o do imperador Pedro II e de Deodoro Fonseca

Na História do Brasil, fatos e personagens reais frequentemente superam a capacidade criativa da melhor literatura de ficção. Um exemplo são os dois principais protagonistas da Proclamação da República, um dos eventos mais cruciais da história brasileira.

Cartas e documentos da época, sugerem que, embora tenha ocupado o trono brasileiro por 49 anos, ou seja, quase meio século, o imperador Pedro II tinha uma alma republicana. Seu adversário, o marechal alagoano Deodoro da Fonseca, ao contrário, tinha fortes convicções monarquistas, embora passasse para a história como o fundador oficial da república brasileira.

Aparentemente, Deodoro da Fonseca derrubou a monarquia mais por ressentimentos pessoais do que por convicções ideológicas. Pelo menos é isso que indica a correspondência que ele trocou um ano antes com o sobrinho Clodoaldo Fonseca, aluno da Escola Militar de Porto Alegre.

Integrante da chamada “mocidade militar” liderada por Benjamin Constant e ardoroso defensor da república, Clodoaldo escreveu uma carta ao tio em meados de 1888 na qual expressava suas ideias. Deodoro reagiu contrariado. “República no Brasil é coisa impossível porque será uma verdadeira desgraça”, respondeu o marechal. “Os brasileiros estão e estarão muito mal educados para republicanos. O único sustentáculo do nosso Brasil é a monarquia. Se mal com ela, pior sem ela”.

Em outra carta, pouco depois, o marechal recomendou ao sobrinho: “Não te metas em questões republicanas, porque República no Brasil e desgraça completa é a mesma coisa; os brasileiros nunca se prepararão para isso, porque sempre lhes faltarão educação e respeito”.

Essas cartas demonstram que, até as vésperas do golpe contra o império, em Quinze de novembro de 1889, o fundador da República não era republicano.

Curiosamente, o outro protagonista desse grande acontecimento histórico, o imperador Pedro II, manifestava convicções ideológicas ainda hoje intrigantes e desafiadoras para seus biógrafos.

Em junho de 1891, já no exilio, o imperador anotou à margem de um livro que estava lendo: “Desejaria que a civilização do Brasil já admitisse o sistema republicano que, para mim, é o mais perfeito, como podem sê-lo as coisas humanas. Creiam que eu só desejava contribuir para um estado social em que a república pudesse ser ‘plantada’ por mim e dar sazonados frutos.”

Ao escritor, poeta e historiador português Alexandre Herculano, que recusara uma honraria do império alegando convicções republicanas, afirmou: “Também não sou partidário em absoluto de nenhum sistema de governo”, acrescentando que, para o Brasil, a melhor alternativa seria uma república com presidente hereditário.

“Difícil é a posição de um monarca nesta época de transição”, escreveu à Condessa de Barral, o grande amor de sua vida, dizendo-se desconfortável na posição de imperador. Se dependesse de sua vontade, preferia ser apenas um presidente da República temporário: “Eu de certo modo poderia ser melhor e mais feliz presidente da República do que imperador constitucional.”

Todos esses documentos sugerem que, na manhã de Quinze de Novembro de 1889, Deodoro da Fonseca e Pedro II percorriam caminhos de sinais trocados. Um fez a república, embora preferisse a monarquia. O outro perdeu um trono que, a rigor, já julgava perdido por achar que a república era inevitável.

Escritor e jornalista, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889, sobre a História do Brasil no Século 19.

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