A ‘marca Espanha’, apesar da Espanha
A imagem do país é pior dentro do que fora. No exterior, as notícias da recuperação econômica se sobressaem às dos escândalos
A greve do setor de limpeza em Madri levou o jornal referência na Alemanha, o Frankfurter Allgemeine Zeitung, a sentenciar que “a capital da Espanha não tem dinheiro para mais nada", também não tem para a limpeza das ruas [...] Os habitantes não só sofrem com essa greve, mas também com o fato de ter a pessoa errada na Prefeitura”, disse, em referência à prefeita do partido conservador Ana Botella. O jogo da seleção espanhola na Guiné Equatorial chegou ao The New York Times por meio de uma matéria que destacava o protesto pelo suposto apoio ao ditador Teodoro Obiang.
E tem mais. A viagem do Príncipe ao Brasil para um encontro com empresários foi suspensa por um problema no avião oficial, enquanto o avião substituto estava em reparação; a sentença do caso do petroleiro Prestige, que acabou, depois de 11 anos com uma leve condenação, gerou um levantamento de sobrancelhas na França. Há algumas semanas, o porta-voz de educação da Comissão Europeia qualificou de “lixo” os argumentos do Governo espanhol sobre o corte das bolsas de estudo Erasmus, e a polêmica das lâminas nas grades da cidade de Melilla - colocadas para dissuadir os imigrantes a entrarem na Espanha - já pulou para fora do país.
A lista de notícias da imprensa internacional que deixam a Espanha em uma má posição continua. É a Argentina quem investiga os torturadores espanhóis durante o franquismo; Madri perdeu as eleições para sediar os Jogos Olímpicos de forma esmagadora na primeira votação ; o Tribunal de Estrasburgo condenou a Espanha por violar os direitos humanos com a doutrina judicial Parot, e a Bloomberg revelou que o Palácio da Moncloa trabalhava para que a emissora não publicasse parte da entrevista com Mariano Rajoy na qual se perguntava por Luis Bárcenas, ex-tesoureiro do partido, preso por praticar caixa dois. A Bloomberg disse que não obedeceu ao apelo “por critérios de integridade jornalística.
No entanto, a imagem da Espanha não se abala. O Instituto El Cano, centro de estudos internacional de referência, já detectou a primeira melhoria da imagem do país no exterior. O informe, realizado a partir de 8.000 pesquisas em oito países, fez com que Espanha passasse da categoria de suspensa para aprovada, em um ano, segundo Javier Noya, diretor do Observatório Imagem da Espanha, que apresentará os dados na quarta-feira 4. Noya insiste que o que conta agora para a imagem no exterior é a economia. Nem Urdangarin, o genro do rei, nem Bárcenas. “Em setembro, começa a se notar uma mudança, com o relatório de Morgan Stanley titulado Viva Espanha ou com o investimento de Bill Gates na construtora FCC. Em um índice de 0 a 10, passamos do suspenso para o aprovado”, conta Noya. Ele sustenta que agora a Espanha emite sinais bipolares: melhores — ou menos piores — em economia, e ruins na política ou nas instituições. Há um ano El Cano começou a realizar o relatório e essa é a primeira subida, embora Noya estime que a queda esteja se produzindo desde que a crise começou, o que é apontado do mesmo jeito por outros estudos como os do Reputation Institute.
“Em um índice de 0 a 10, passamos do suspenso ao aprovado”, conta Javier Noya, do Instituto Elcano
Carlos Espinosa de los Monteros é o homem encarregado de algo tão etéreo como tentar melhorar a imagem da Espanha no exterior. Ele recebe na sala que ocupou Moratinos como ministro das Relações Exteriores, com uma grande janela panorâmica, e usa uma gravata de pequenas bandeiras da Espanha em diagonal. Tem o cabelo grisalho e presume ter sorte, já que não foi a Buenos Aires na eleição dos Jogos Olímpicos, nem ao encontro empresarial em São Paulo: “Tive a sorte de ser incorporado quando a imagem da Espanha estava no nível mais baixo. Felizmente as coisas estão melhores”, ironiza este homem de 69 anos, ex-presidente da companhia aérea Iberia, entre outros cargos, e que não recebe pelo alto comissionado da marca Espanha, que significa o valor da imagem deste país.
Diante da série de notícias que dão uma ideia da Espanha como um país arruinado, com uma justiça lenta e fraca, com uma Monarquia em declive, com a corrupção instalada na política, no empresariado e nos sindicatos, Espinosa nega com a cabeça e responde que a imagem de um país não depende deste tipo de notícias. “Nápoles teve uma greve no setor de limpeza que durou quase um ano e isso teve efeito apenas na sua imagem dentro da Itália”. “Se formos à Alemanha e perguntarmos por Urdangarin, 90% das pessoas não o conhecem”. “Foi dito que a suspensão da viagem do Príncipe afeta a imagem porque teve uma avaria no avião e o outro estava em reparação. Isso pode acontecer com qualquer um. A segurança está em primeiro lugar. Já aconteceu comigo e com Suárez, em uma viagem à Venezuela em 1978 ou 1979. Chegamos um dia depois, mas neste caso não era possível porque a viagem do Príncipe era de só 48 horas. Não é grave”. “A França tem uma ação penal contra o filho de Obiang e não importa a ninguém que Total esteja buscando petróleo na Guiné. Aqui nos deleitamos com uma partida amistosa que não compromete em nada e que se jogou porque desgraçadamente o futebol já é uma empresa”. Espinosa reforça seus argumentos com o crescente investimento estrangeiro na Espanha e o aumento no número de turistas.
Há quem não veja dessa forma. “Como que não é nada? A história da viagem do Príncipe dá a ideia de que a Espanha não pode reagir diante de um imprevisto, embora seja da Monarquia. Se for necessário, coloque ele na cabine, junto ao piloto, em um voo regular”, responde Raúl Peralba, consultor de Positioning System e autor do livro O posicionamento da marca Espanha e sua competitividade internacional. Inclusive, ele defende que, mesmo que a a notícia não tenha grande eco, ela resultou em uma imagem ruim diante de gente influente, que são as pessoas que tomam decisões e movem o dinheiro.
Fernando Prado, responsável pelo Reputation Institute na Espanha e na América Latina, uma organização que a cada ano realiza uma lista sobre a percepção dos países segundo a qualidade de vida, as instituições e o desenvolvimento, explica que algo extraordinário deve acontecer para que uma série de notícias mude a imagem de um país: “No ano do resgate dos mineiros chilenos, subiu muito a imagem do país, e se o México sofre uma escalada de violência do narcotráfico, esse índice recua. Mas é necessário que sejam notícias que estejam todo o dia na primeira página. A greve do setor de limpeza de Madri não ajuda, mas é preocupante, sobretudo, porque a imprensa a usa como um sintoma de que Madri não tem dinheiro para recolher o lixo”.
Segundo o índice do Reputation Institute, a Espanha passou da posição do 12º país do mundo em imagem em para o 18º, em 2009
É claro que, com a crise, a imagem da Espanha piorou. Segundo o índice da Reputation Institute, a Espanha passou do 12º país do mundo em imagem, em 2009, para o 18º. Em 2013, a Itália e a França superaram a Espanha. Nos primeiros anos da crise, a valorização econômica da Espanha diminuiu, mas no último ano caíram também aspectos como a qualidade institucional ou o uso do dinheiro público. “É difícil pensar que os casos de corrupção não têm nada a ver com a deterioração da qualidade institucional que se percebe”, opina Prado.
Prado explica uma singularidade que ocorre na Espanha. “O normal é que a imagem de um país esteja acima dos 10 pontos se é perguntado aos seus cidadãos sobre o que se percebe lá fora. Na Espanha, era assim em 2008, nos víamos melhor de dentro do que de fora. Desde então, a percepção que os espanhóis têm do seu país não fez mais que cair, e em 2013 já está já abaixo da pontuação que dão os estrangeiros”.
Espinosa opina que os escândalos são de consumo interno, e remete ao tópico do espanhol chateado com seu país: “Ortega y Gasset estava em Heidelberg e citaram para eles um texto de uma revista muito crítica à Espanha. Ortega leu e replicou: ‘Não sei quem o escreveu, mas com certeza foi um espanhol”.
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