_
_
_
_

O novo ministro de Economia concentra mais poder que nunca

O ministro Axel Kicillof, estudioso do marxismo, acapara a maior concentração de poder em um país asediado pela inflação

Francisco Peregil
O ministro argentino de Economia, Axel Kicillof
O ministro argentino de Economia, Axel KicillofREUTERS

O novo ministro de Economia da Argentina, Axel Kicillof, o homem que impulsionou em 2012 a expropiação de YPF a Repsol, concentra agora um poder inédito entre os ministros de Cristina Fernández. Nos últimos sete anos o autêntico ministro de Economia em atividade era Guillermo Moreno, quem operava sob o modesto título oficial de Secretário de Comércio. Os ministros eram nomeados e despedidos, mas Moreno sempre seguia aí, cumprindo a com todo rigor as diretrizes de Néstor Kirchner e Cristina Fernández.

Tinha que falsificar as cifras da inflação com objetivo de se poupar uns 3 bilhões de dólares ao ano em troca de bônus associados às taxas de inflação? Aí aparecia Moreno para despedir os profissionais do instituto de estatísticas argentino que denunciaram a manipulação das cifras. Tinha que “apertar” aos empresários para que deixassem de anunciar no jornal Clarín ou para que congelassem os preços dos supermercados? Moreno assumia o papel de policial mau, pegava o telefone e os empresários obedeciam. Sem necessidade de nenhum papel escrito, nenhuma lei, nenhuma assinatura. Bastava um grito, uma ameaça de Moreno, que podia baixar ou subir a seu desejo a barreira das importações para qualquer produto. Todo mundo sabia que Moreno contava com o respaldo absoluto de Cristina Fernández. Até que na terça-feira Fernández lhe soltou a mão, o jogou do Governo –digamos que aceitou a sua demissão-- e lhe presenteou com um retiro dourado como encarregado econômico na embaixada de Roma. E agora será Kicillof, O Pibe, O Soviético, como lhe apelidou Moreno, o que reinará a sós no ministério de Economia.

Kicillof e Moreno combinaram bem. Forjaram alianças para enfrentar as batalhas internas do ministério da Economia. Eram os grandes defensores da intervenção do Estado em frente a qualquer “guitarrista do livre mercado”, em expressão do próprio Kicillof. Mas até onde chegará essa intervenção do Estado? Com Moreno e Kicillof já se viu: restrição das importações, a proibição às empresas de repatriar seus benefícios, restrição a compra de dólares... Com Kicillof a sós está por ver.

À margem do apelido, Kicillof nunca se definiu publicamente como marxista. O que sim assume é que estudou com muita profundidade o marxismo. E também ao economista John Maynard Keynes. Sobre este último trabalhou em uma tese entre 1998 e 2005. A investigação converteu-se em livro e em sua introdução escreveu Kicillof: “Meus interesses inclinavam-se para [Adam] Smith, [David] Ricardo e especialmente para Marx, autores quase do todo ausentes no canon do mainstream. Enquanto estas leituras me resultavam absorventes e proporcionavam-me infinidade de chaves para compreender as condições econômicas do presente, a bibliografia oficial me parecia, em mudança, quase sempre insípida e, embora pretendia ser mais concreta, paradoxalmente, parecia-me completamente fora da realidade e estreitamente condicionada por seus preconceitos ideológicos”.

Agora, o que temem certos empresários na Argentina é que seja a ideologia de Kicillof a que condicione o mercado. Que uma vez despedido Guillermo Moreno, mude o estilo ameaçador de dirigir a economia, mas não a essência. O estilo de Kicillof não é o de insultar os empresários por telefone, mas também não se opôs nunca abertamente a nenhuma das medidas que promoveu Moreno nos dois últimos anos. E às vezes, até lhe escapou alguma expressão própria do melhor Guillermo Moreno. Em setembro de 2012 apareceram no diário Clarín as críticas que Paolo Rocha, o proprietário de Techint, a maior multinacional argentina, fez ao Governo. A resposta de Kicillof em um programa da televisão pública foi: “Teria que baixar o preço da chapa [aço] e fundir ao senhor Paolo Rocca. Mas o Governo não o fará”.

Igual que Guillermo Moreno, Kicillof tem fama de trabalhador e honesto. Vem de uma família de classe média, está casado com a professora universitária de Literatura Soledad Quereilhac, de 37 anos, com quem tem dois filhos. O livro de 498 páginas que Kicillof publicou sobre Keynes apresenta uma dedicatória muito breve: “A Sol, minha mulher”. Na única ocasião na que este jornalista pôde falar com ele Kicillof expressou sua preocupação pelo efeito que a exposição midiática poderia ter em seus filhos. Kicillof, como a maior parte dos membros do Governo, não costuma conceder entrevistas. E quando o fez foi em programas da televisão pública onde ninguém lhe propôs nunca nada a respeito de um tema difícil na economia do país como é a inflação.

Quando Guillermo Moreno começou a manipular as estatísticas, em 2007, Kicillof propôs a publicação de índices extraoficiais. Kicillof costumava dizer que o Governo privava a sociedade de uma ferramenta fundamental para conhecer a situação econômica do país. Mas em 2009 começou a trabalhar para o Governo através de seu amigo Mariano Recalde, presidente de Aerolineas Argentinas, militante da associação juvenil A Cámpora e amigo também de Máximo Kirchner, filho de Cristina Fernández. Kicillof se incorporou como gerente financeiro de Aerolineas e a partir daí foi subindo postos.

Seu momento estelar sobreveio com a expropriação de Repsol. Os meios de comunicação de todo mundo repararam em seus olhos claros, as costeletas a Elvis Presley, as camisas sem gravatas, a feição juvenil, apesar de seus 42 anos e a eloquência. Quando fala Kicillof não se tem a impressão, como ocorre com tantos políticos, de estar escutando a um assessor de imagem.

Em abril de 2012, Axel Kicillof foi o encarregado de expor no Senado os fundamentos da expropriação a Repsol. Kicillof criticou os termos de segurança jurídica e o clima de negócios, “palavras horríveis”, tal como ele pensa que os concebe um empresário que só busca o maior benefício para sua empresa. “Que segurança jurídica; que clima de negócio mais que um governo comprometido com sustentar o crescimento, com sustentar a demanda interna; com sustentar nossas extraordinárias exportações para o resto do mundo?”, assinalou.

Se Kicillof opta por uma política ainda mais intervencionista que a de Guillermo Moreno o único contrapeso que poderia ter dentro do Governo é o novo Chefe de Gabinete, Jorge Capitanich, ex-governador da província de Chaco. Capitanich tem formação econômica também, ambos se conhecem desde a década de noventa, quando Kicillof trabalhou para uma consultora de Capitanich. Diferentemente de Kicillof, Capitanich é um peronista muito pragmático, de centro esquerda. E é uma das opções para ser candidato a presidente em 2015. Este último dado poderia condicionar toda a política econômica de Axel Kicillof.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_