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Mais de 70 dias sem comer para que Erdogan lhes devolva o emprego

EL PAÍS conversou com professores turcos símbolos da luta contra repressão arbitrária do Estado

Andrés Mourenza

Nuriye Gülmen e Semih Özakça exibem gestos lentos e rostos cheios de exaustão, mas, ao mesmo tempo, um ânimo enorme. Seu esgotamento é compreensível: eles já somam 70 dias de greve de fome, durante os quais ingeriram apenas água com sais minerais, suco de limão, açúcar e vitamina B. “Temos dor de estômago e de cabeça permanentemente. Nossos músculos estão fracos. A tensão está bem baixa, mas o moral está elevado”, afirmam em entrevista por videoconferência. Já não têm força para andar sozinhos até o monumento aos Direitos Humanos localizado na avenida Yüksel, em Ankara, embora todos os dias, à uma e meia e às seis da tarde, ambos sejam levados até ali junto com seus colegas para participar daquilo que se tornou o símbolo da luta contra a tirania e a arbitrariedade. Sua batalha é relativamente pequena – reivindicam algo simples e concreto: o retorno ao posto de trabalho que lhes foi tirado de forma injusta --, mas atraiu as atenções do grande leviatã do Estado.

O presidente do grupo socialdemocrata do Parlamento Europeu, Gianni Pittella (centro), durante um ato de solidariedade com Semih Özakça e Nuriye Gülmen (com máscaras).
O presidente do grupo socialdemocrata do Parlamento Europeu, Gianni Pittella (centro), durante um ato de solidariedade com Semih Özakça e Nuriye Gülmen (com máscaras).ADEM ALTAN (AFP)

Semih dava aulas em uma escola primária de um vilarejo da província de Mardin, no sudeste do país. Nuriye era professora da Universidade Selçuk, na Anatólia Central. Em setembro passado, seus caminhos se cruzaram por causa de decretos leis por meio dos quais o Governo anunciava que, juntamente com milhares de outros funcionários, eles seria afastados de seus empregos e submetidos a uma investigação por supostos vínculos com o movimento político-religioso Fethullah Gülen, com o qual o Executivo muçulmano turco manteve uma aliança durante anos, mas que agora é acusado de ser uma organização terrorista e de ter orquestrado a tentativa de golpe de Estado de 15 de julho de 2016. “Fui investigada, e até agora não encontraram nenhuma prova de que eu tenha qualquer relação com os gülenistas. Mesmo assim, em janeiro me comunicaram que eu estava demitida”, afirma Nuriye Gülmen. “No meu caso, não me informaram nenhum motivo para minha demissão, mas creio que tem a ver com a minha participação em greves e manifestações convocadas pelos sindicatos”, acrescenta Semih. “Não houve nenhum processo judicial, nem fomos acusados de crime algum. Foi uma decisão ministerial”, continua. É a mesma situação vivida pelos mais de 100.000 funcionários públicos que foram expurgados pela Administração desde o ano passado, aos quais se somam mais de 30.000 afastados de seus postos que ainda aguardam investigação.

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Mas Gülmen e Özakça não ficaram de braços cruzados. No final do ano passado, eles deram início aos seus protestos permanecendo sentados aos pés da mencionada estatura, na capital do país. Aos poucos, outros colegas se uniram a eles. A polícia os expulsou do local várias vezes. Foram detidos e agredidos fisicamente. “Certa vez, como eu estava resistindo, me amarraram os pés e as mãos e me arrastaram até a quadra de basquete da Secretaria de Segurança de Ankara, que eles tinham transformado em uma espécie de campo de concentração pois não havia mais lugar nos calabouços para todos os presos”, afirma o professor. A polícia os prendeu em 27 ocasiões. Mas eles não desistiram e continuarão com seus protestos. Em março, ao sentir que suas reivindicações não recebiam a devida atenção, iniciaram uma greve de fome.

Após dois meses sem ingerir alimentos sólidos, a fibra dos dois professores atraiu a atenção da população turca, bem mais do que a greve de fome realizada no mês passado por dezenas de presos curdos, em protesto contra as condições carcerárias. “O preço a pagar por ter ideias divergentes, pela luta de ideias, não pode ser a vida. Se essas pessoas morrem diante dos nossos olhos, quem poderá não se sentir culpado”, comentou a cantora popular Sezen Aksu.

Emsal Atakan e Emel Korkmaz, duas mulheres cujos filhos morreram durante as manifestações de Gezi, realizaram no recente Dia das Mães uma greve de fome de 24 horas em solidariedade aos professores. “Nossos filhos foram assassinados e não queremos fechar os olhos para esses moços que estão se extinguindo aos poucos”. O partido pró-curdos HDP enviou cartas ao Conselho Europeu relatando a situação e pedindo sua intervenção. Quatro deputados da principal agremiação de oposição, o partido social-democrata CHP, fizeram também uma greve de fome de um dia para chamar a atenção do Governo e exigir que Gülmen e Özakça tenham os seus empregos de volta.

Em reunião com o líder da oposição, o primeiro-ministro da Turquia, Binali Yildirim, prometeu, na semana passada, tratar da questão. Até agora, porém, a única notícia dada pelo Governo aos grevistas foi a repressão empreendida na última sexta-feira pela polícia contra as pessoas que haviam se reunido diante do monumento aos Direitos Humanos em solidariedade aos professores, quando cerca de 20 manifestantes foram detidos.

Gülmen e Özakça também recorrem à Justiça. Não houve nenhum processo judicial relativo às suas demissões, e, por outro lado, agora que se encontram em greve de fome, forjou-se uma acusação de “relacionamento com organização terrorista”. “No nosso país, acusar alguém de terrorista é a coisa mais fácil do mundo”, denuncia Gülmen. “Os que estão hoje no Governo levaram os gülenistas ao poder, colaboraram com eles durante anos. Eles não foram submetidos a nenhum julgamento, e somos nós que pagamos por isso”.

Um boletim emitido pelos médicos que examinaram os dois professores registra que eles apresentam distúrbios de percepção, no sistema motor e na atividade mental, e que podem sofrer infecções graves e até mesmo perder a vida se mantiverem sua greve de fome. Mas Gülmen e Özakça se negam a receber tratamento ou a interromper o seu protesto. Eles seguirão adiante. “Nos demitiram, tiraram o nosso trabalho e nos acusaram sem provas”, diz ele. “Por isso, não se trata apenas de garantir os nossos empregos e o nosso sustento. É uma luta pela dignidade”.

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