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Lina amamenta seu “milagre” após dar à luz aos 62 anos

Uma médica espanhola de 62 anos de idade reivindica a maternidade tardia "A natureza deixa a mulher sem óvulos, mas o corpo continua preparado para a gravidez"

A médica espanhola Lina Álvarez, de 62 anos de idade, durante sua gravidez, em setembro deste ano.
A médica espanhola Lina Álvarez, de 62 anos de idade, durante sua gravidez, em setembro deste ano.E. Trigo (EFE)

Lina amamenta sua filha recém-nascida, Lina. E ao redor tudo é paz. A mãe precisou apenas de um pouco de ajuda no início e, para isso, usava extratores de leite. Logo em seguida, a bebê assumiu o lugar da máquina. A menina "sabe sugar" e "na lactação materna, o único estímulo necessário é a sucção", segundo a médica de 62 anos. Ela trabalha na emergência de um hospital em Palas de Rei, em Lugo (Espanha), e deu à luz, na terça-feira, por cesariana, sua terceira criança, uma menina saudável, de 3,37 quilos. Na quarta-feira, feriado na Espanha, ainda com a sonda e as vias de acesso venoso, Lina se levantou e começou a cuidar de sua tão desejada filha, cheia de energia e disposta a voltar para casa no dia seguinte, quando recebesse alta. Na quinta-feira, os médicos decidiram retirar as ataduras, mas ela ainda teve que ficar no hospital. Lina estava pletórica, atendendo, orgulhosa, as inúmeras ligações de emissoras de rádio e televisão e aguentando firme, sem se queixar da dor no abdômen suturado. "Estou louca de alegria com o meu pequeno milagre: é uma menina ótima", dizia a todos. "A natureza deixa a mulher sem óvulos, mas o resto do corpo continua preparado para a gravidez".

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Depois de outros terem se negado a realizar o procedimento, um médico de Madri, cuja identidade prefere manter em segredo, implantou um embrião doado, e ela ficou grávida de primeira. A fertilização custou 3.000 euros (cerca de 10.500 reais) e ela só viajou à capital do país uma única vez. A "sorte" veio "toda de uma vez", como "recompensa" por uma vida de luta e sofrimento.

Há 27 anos, Lina Álvarez deu à luz Exiquio, Xiquito, o menino de seus olhos, que nasceu com paralisia cerebral. Na época, tinha um marido, mas ele tinha uma saúde muito frágil: "adoecia cada vez que nosso pequeno era internado, administrava a situação muito mal", recorda. "Acabamos nos separando quando nosso filho tinha três anos, e não voltei a ter uma relação porque nenhum homem queria se comprometer com uma mulher que cuidava de um menino com paralisia cerebral", conta. E foi nessa época que começou sua odisseia, segura de que um exame médico realizado durante a gestação, a amniocentese, tinha provocado uma lesão muito grave no feto. A guerra judicial contra os médicos do sistema público de saúde, que considerava culpados pela condição de seu filho, durou anos. Lina chegou a acampar em frente aos tribunais de Lugo com cartazes cada vez maiores e mais determinantes, e chegou a ir ao Congresso e a Estrasburgo.

Mas sempre dava de cara com um muro. Os juízes nunca lhe deram razão. Há quatro anos, empenhada em sua batalha, levou seu filho a um hospital privado de Madri, que realiza ressonâncias com uma técnica única no país. Segundo ela, "o radiologista escondeu uma série de imagens que demonstravam de forma evidente como a punção da amniocentese tinha perfurado uma artéria" da cabeça do seu feto. Dois anos depois, quando Xiquito tinha 25 anos, Lina finalmente conseguiu ter acesso ao exame completo, “quando o médico estava de férias".

Lina conta que, tanto tempo depois do parto, a lesão causada pela agulha no cérebro de seu filho "continua sendo clara". E quando já quase dava por perdida uma luta que tomou tudo que ela tinha (inclusive, teve seu salário embargado para pagar custos, indenizações e minutas), voltou a recorrer à Justiça, dessa vez em Madri, convencida de que o médico ocultou, de forma deliberada, os resultados da ressonância.

No entanto, Xiquito não é o único filho de Lina. Samuel nasceu, saudável, graças à fecundação in vitro, quando ela tinha 52 anos de idade, uma década depois de passar por uma menopausa muito precoce. Nessa época, ela também aguentou firme, segura de si mesma, a enxurrada de críticas por ser mãe muito tarde, e apenas esperou que terminassem de falar. Agora, seus dois filhos "estão encantados com a irmã". Na Espanha, existem leis que regulam a diferença máxima de idade que pode existir entre uma criança e a pessoa que a adota (45 anos), mas nenhuma norma determina um limite de idade para ser mãe, possivelmente porque tampouco existe um para ser pai, e porque, até agora, a natureza e a medicina impuseram suas próprias barreiras. De acordo com Lina, existe um “pacto", que faz com que os ginecologistas se neguem a realizar procedimentos em mulheres com mais de 50 anos. Aos 62, ela não conseguiu encontrar nenhum médico na Galícia disposto a fazer uma fertilização in vitro nela.

Por isso, foi a Madri buscar um profissional, que prefere manter o anonimato. Ele preparou seu útero com estrogênios, e, depois, transferiu o embrião gerado em laboratório a partir de um óvulo e um espermatozoide doados. O médico explicou que Lina tinha apenas 6% de chances de engravidar, mas o experimento funcionou de primeira. Depois disso, ela já não precisou tomar nenhuma medicação. "Não sei o que ele está pensando agora, mas deve estar orgulhoso, porque nos deu uma família", afirma Lina, que tem o mesmo nome de sua mãe, e decidiu passá-lo também à sua filha.

Disposta a viver à margem do debate que seu parto voltou a trazer à tona, Lina conta que a gravidez "foi completamente normal, com indicadores de saúde impecáveis e só um pouco de hipertensão no final; o que fez com que adiantassem a cesárea para a 36ª semana: Nascia por conta própria em duas mais". "Os óvulos envelhecem. Em algumas mulheres antes, e em outras depois. A ciência só acondiciona o útero, o corpo feminino faz todo o resto", diz ao defender sua polêmica decisão. "É verdade que quando ela tiver 30 anos eu vou ter 92; mas (com essa idade) ela já estará criada, a expectativa de vida é cada vez maior, e eu tenho saúde suficiente", argumenta. "Hoje, além disso, muitos avós têm que se encarregar de cuidar dos netos porque os pais não podem".

O RISCO DA ORFANDADE PREMATURA

Antes de Lina Álvarez, na Espanha, Carmen Bousada, de Cádiz, deu à luz gêmeos no Hospital Sant Pau, em Barcelona, aos 67 anos de idade. Em 2006, ela bateu o recorde mundial de maternidade tardia, um primeiro lugar no pódio que logo foi arrebatado por várias septuagenárias da Índia, tratadas em uma clínica de reprodução assistida que não impõe limites. Embora algumas não tenham certidão de nascimento, os médicos garantem que Daljinder Kaur, Racho Devi Lohan e Omkari Panwar (esta já com cinco netos) trouxeram crianças ao mundo depois dos 70 anos de idade. Em 2007, o jornal Pravda também divulgou a gravidez de uma russa, Ula Margusheva, de 79 anos. E, atrás de todas essas, mas ainda nos primeiros lugares entre as mães de terceira idade, estão a romena Adriana Illiescu, de 66 anos; a alemã Annegret Raunigk, de 65; e a búlgara Krasmina Dimitrova e a francesa Jeaninee Salomone, de 62 (assim como Lina).

No entanto, nem todas essas aventuras acabaram bem. Três anos depois de ser mãe, Carmen Bousada deixou órfãos seus gêmeos Pau e Christian por causa de um câncer. Os obstetras destacam como um dos maiores inconvenientes da reprodução assistida a idade avançada e os riscos desse fator não só para o feto, mas também para a mãe.

Todas as mulheres que chegam a esses extremos garantem que a decisão foi muito bem pensada, além de estarem informadas sobre os detalhes. A maioria dos médicos se nega a realizar esse tipo de tratamento em mulheres mais velhas, apesar de o único limite estabelecido por lei (na Espanha) ser uma idade mínima de 18 anos. Muitos profissionais consideram uma aberração (clinicamente interessante, mas anedótica) os casos de mães de mais de 60 que chegam aos meios de comunicação. E como a lei, de fato, não impôs barreiras em 1997 nem em 2007, as próprias clínicas, através da Sociedade Espanhola de Fertilidade, decidiram apresentar sua própria auto-regulação, marcando 50 anos como uma fronteira que não deveria ser ultrapassada. No entanto, os próprios ginecologistas reconhecem que, às vezes, admitem exceções, com base no estado de saúde da mulher quer ser mãe a qualquer preço.

Na hora de testar os limites da capacidade do corpo, os médicos advertem sobre os riscos associados à idade, como os enfartos e outros problemas cardiovasculares, a diabetes gestacional, os edemas e a eclampsia (alteração derivada de uma hipertensão que causa convulsões e pode levar à perda da consciência e até mesmo à morte). O feto também pode nascer muito abaixo do peso, prematuro ou com alterações cromossômicas. Além disso, está o risco mais elevado de perder seus referentes na vida muito cedo, como alerta a psicóloga Ángeles Sanz. Segundo ela, a orfandade prematura não é positiva para esses filhos, que possuem as mesmas necessidades afetivas das demais crianças, mas que nasceram de mulheres que não têm 45, mas mais de 60 anos de idade. Pela "lei de vida", há uma alta probabilidade de que suas mães morram durante sua adolescência. E esses jovens estarão "condenados a confrontar um sentimento de perda de apego muito profundo".

"Sei que alguns médicos me criticaram muito, embora nunca o digam na minha cara", conta Lina Álvarez, que agora espera poder sair do hospital com sua filha nos braços no começo da semana que vem.

"Conheço alguns deles, e era algo que eu já esperava. No entanto, os que me atenderam (durante a gravidez, no sistema público, e no parto, no Hospital Lucus Augusti) sempre se comportaram de maneira fenomenal", afirma.

"No princípio eu percebia que estavam um pouco preocupados, mas à medida que o tempo foi passando e viram que tudo era normal, se esforçaram por mim", conta.

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