Oposição venezuelana ratifica na rua sua maioria parlamentar
A mobilização catalisou a rejeição à alta taxa de inflação e à escassez crônica dos alimentos
A oposição da Venezuela conseguiu colocar dezenas de milhares de pessoas nas ruas de Caracas na quinta-feira para exigir que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) agilize os procedimentos para realizar um referendo revogatório contra o presidente Nicolás Maduro. Esse foi o principal motivo para abarrotar três avenidas importantes da capital venezuelana, mas as razões para protestar vão muito além dessa demanda específica. A mobilização catalisou a rejeição à alta inflação e à escassez crônica de alimentos básicos que pesa sobre o regime bolivariano.
Se em 6 de dezembro, nas eleições parlamentares, os venezuelanos apoiaram maciçamente a oposição nas urnas e deram a ela o controle da Assembleia Nacional, o comparecimento à manifestação confirmou essa maioria e o colapso do que já foi o titã invencível da autointitulada revolução bolivariana. O esforço institucional para impedir que prospere no curto prazo uma consulta sobre a continuidade de Maduro parece ter dado força aos manifestantes para superar os obstáculos colocados à beira do caminho e o medo que os porta-vozes mais proeminentes bolivarianismo tentaram instilar.
O regime bloqueou de várias maneiras a participação na manifestação colocando barreiras militares improvisadas na entrada de Caracas, depositando obstáculos nas vias expressas da capital venezuelana e interrompendo o serviço de metrô. De qualquer forma, foi uma vitória parcial a julgar pelas imagens feitas pelas agências de notícias e pelas fotos transmitidas pelas redes sociais. A televisão privada, fortemente ameaçada pelo Governo com a retirada da concessão para operar, começou a transmitir sua habitual programação matutina — programas de variedades, de autoajuda —, mas informou intermitentemente sobre a mobilização.
Os partidários do Governo se concentraram na Avenida Bolívar, em Caracas, para apoiar o presidente
Algumas pessoas que se dirigiam para a capital conseguiram superar os obstáculos na estrada, mas outras, de acordo com denúncias da Mesa da Unidade Democrática (MUD), a coalizão de oposição que organizou a manifestação, foram roubadas no meio do engarrafamento nos ônibus que as levavam. A MUD também denunciou saques a lojas em Aragua.
Os partidários do Governo se reuniram na Avenida Bolívar, em Caracas, para apoiar o presidente Maduro. A emissora de televisão oficial, a Venezuelana de Televisão, fazia enquadramentos fechados e não se atrevia a mostrar as grandes panorâmicas caracterizavam as transmissões nos comícios do falecido Hugo Chávez. A profunda crise econômica parece ter afetado na clientela do chavismo, que não apoiou como em outras ocasiões as manifestações de rua do Executivo.
Ambas as marchas alcançaram seu ponto culminante perto das 14h (13h em Brasília). A liderança da oposição leu um comunicado no qual detalhou os próximos protestos. Inicialmente, convocaram um panelaço para as 20h da quinta-feira. A oposição também pretende se apresentar na quarta-feira, dia 7, em todas as sedes do Conselho Nacional Eleitoral para continuar a pressionar para que seja anunciada a data da segunda fase do referendo. Em 14 de setembro, um dia depois do prazo máximo dado pelo Conselho Nacional Eleitoral para definir a operação de coleta de 20% das assinaturas do censo, se mobilizarão em todas as capitais do país. E depois da operação, prevista para a última semana de outubro, de acordo com as autoridades eleitorais, voltarão às ruas para exigir “a realização imediata da consulta”.
O tempo é curto. Se o referendo acontecer depois de 10 de janeiro de 2017, um vice-presidente chavista substituirá Maduro pelo resto do mandato. Se for realizado antes e a oposição conseguir mais votos do que os obtidos pelo atual presidente nas eleições de 14 de abril de 2013, que elegeu o sucessor de Chávez, outra eleição presidencial deverá ser organizada.
A ameaça de um 'fujimorazo'
Todo o discurso do presidente Maduro, que surgiu às 13h na Avenida Bolívar, em Caracas, pareceu resumir-se em uma ideia: “o golpe de Estado da direita fascista fracassou”. O chefe de Estado fez contas e estimou que não mais de 30.000 pessoas se manifestaram contra ele. Também aproveitou a oportunidade para reiterar o que havia apregoado na quarta-feira antes da anunciada “Tomada de Caracas”. “Tenho um decreto pronto para suprimir a imunidade aos altos funcionários e especialmente a gozada por parlamentares”.
Trata-se, até agora, de uma ameaça de fujimorazo que levaria a oposição e a comunidade internacional a considerar outros cenários. Numa hora crítica o presidente parece disposto a tudo para evitar que em suas mãos se perca a república chavista.
Ao longo de seu discurso, encorajou o público invocando o espírito de Chávez ao ritmo de um toque de alvorada. Vestindo uma jaqueta vermelha, o chefe de Estado parecia falar ao núcleo duro de seus militantes, insultando o presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup, mas ao mesmo tempo tentando parecer feliz e despreocupado.
Em meio ao ato, beijou a careca de Diosdado Cabello, ex-presidente da Assembleia Nacional, e impôs a visão de que a realização da manifestação da oposição era uma vitória para o Governo. “Aqueles que ameaçaram tomar Caracas de assalto terminaram no Leste. Estamos no centro. A cidade fica no centro”, disse. “Então, eu proclamo: fracassaram. A vitória é do povo, da revolução”.
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