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Os últimos dias de negociação entre o Governo da Colômbia e as FARC

Depois de quatro anos, as partes envolvidas chegaram a um acordo em um conclave extenuante

Colombianos comemoram o acordo de paz com as FARC.
Colombianos comemoram o acordo de paz com as FARC.IVAN VALENCIA (AFP)
Javier Lafuente
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As 297 páginas do acordo de paz entre o Governo da Colômbia e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) são o resultado de quatro anos de confusas negociações, medidas vírgula por vírgula; uma montanha russa que se iniciou em meio a uma guerra e que terminou em um conclave de seis dias de duração, durante o qual a urgência política conseguiu se impor. O presidente do país, Juan Manuel Santos, apressou seus negociadores para obter um pacto final. Precisava convocar o plebiscito antes da reforma tributária que aumentará os impostos dos colombianos. Restavam três grandes acordos e dezenas de seções pendentes.

No processo de paz da Colômbia, todos os avanços importantes parecem ter acontecido em dias 23: no de fevereiro de 2012 se iniciaram os diálogos entre o Governo e as FARC para definir a agenda das negociações durante estes quatro anos; no de setembro de 2015, Santos e o líder das FARC, conhecido como Timochenko, se cumprimentaram pela primeira vez, com um aperto de mãos, e previam assinar o acordo no dia 23 de março, o que, no final, não foi possível. Mas, no dia 23 de junho, declararam um cessar-fogo bilateral que marcou o fim de uma macabra guerra de 52 anos. No entanto, o acordo de paz, e o término das negociações entre o Estado e a guerrilha mais antiga da América Latina, foram anunciados, de forma oficial, no dia 24 de agosto, apesar de os diálogos terem sido concluídos no dia 23.

O mantra de que “nada está solucionado até que tudo esteja acordado”, ao qual se recorria desde o início das conversas que duraram quase quatro anos, terminou se tornando também um adendo para evitar qualquer contratempo em um processo repleto de prazos não cumpridos. Mas, na terça-feira, 23 de agosto, aconteceu algo que os negociadores e facilitadores do processo viram como definitivo. No final do dia, Timochenko apareceu sorridente em uma das casas de protocolo de Laguito (Cuba), o complexo de mansões da época do ditador cubano Fulgencio Batista, onde as delegações estiveram instaladas durante os quatro anos de negociações. O líder das FARC não tinha participado diretamente das extenuantes jornadas prévias, apesar de estar a par do andamento do processo e em contato com Santos, por meio de vários facilitadores. Sua presença foi considerada o fim dos diálogos por parte das FARC. “O dia se aproxima”, publicaram em suas contas no Twitter as delegações que representavam as duas partes. O fim do conflito armado mais antigo da região começou a tornar-se público por meio das redes sociais.

Depois de quase quatro anos de negociações, o último empurrão para a conclusão do processo se deu em apenas seis dias. Na quinta-feira, 18 de agosto, os representantes do Governo chegaram a Havana (Cuba), encabeçados por Humberto de la Calle, cuja vontade política foi fundamental para solucionar os últimos entraves do processo, de acordo com todos os entrevistados para a elaboração desta crônica – quatro pessoas que participaram das reuniões e outras que as acompanhavam de perto. Além dos negociadores, o presidente colombiano enviou também o ministro de Interior, Juan Fernando Cristo, e o de Pós-Conflito, Rafael Pardo, que também tiveram um papel determinante para resolver os temas pendentes. O mesmo pode ser dito da ministra de Relações Exteriores, María Ángela Holguín, e dos senadores Roy Barreiras (do Partido de la U, o mesmo de Santos, e Iván Cepeda, do Polo Democrático). Sergio Jaramillo, o Alto Comissário para a Paz, se incorporou às reuniões no fim de semana, depois voltar de uma viagem aos Estados Unidos para solucionar assuntos relacionados ao processo.

O formato protocolar das reuniões, acordado no início, já havia sido deixado de lado há muito tempo, com o objetivo de agilizar os diálogos. Mas, da última vez, foram mais adiante. Era preciso arregaçar as mangas. O presidente colombiano pediu à sua equipe que obtivesse um acordo o quanto antes para poder convocar o plebiscito, que, finalmente, será no dia 2 de outubro. A maioria das reuniões foi realizada em uma das casas que pertencia à família Bacardi, a mesma onde, em dezembro de 2015, conseguiram chegar ao acordo de justiça. O Governo e as FARC nunca conseguiram – nem quiseram – estabelecer uma relação de amizade que desse pé a uma aproximação mais humana entre as partes. Não obstante, o ambiente, no final das negociações, era mais “distendido", “de companheirismo”, como se todos fizessem “parte de uma mesma equipe”, segundo alguns dos participantes da reunião. As fotos que foram divulgadas, inéditas até agora, mostram papéis espalhados pelas mesas, xícaras de café, copos de água, computadores, o que demonstra esse clima de descontração.

O primeiro dos grandes acordos a ser estabelecido foi o da anistia para os guerrilheiros. A maior parte tinha sido negociada por Manuel José Cepeda, assessor do Governo, e pelo advogado espanhol Enrique Santiago, membro do partido Esquerda Unida (Espanha), assessor das FARC, cuja participação foi determinante no processo, segundo todas as fontes consultadas. Uma pessoa próxima às negociações garantiu recentemente: “Esse processo deve muito ao Santiago”. As FARC concordaram que a anistia seja conferida apenas depois do plebiscito.

A incorporação da guerrilha à vida política – terá uma representação garantida de 10 cadeiras, no mínimo, até 2026 – e o avanço do processo de reintegração à vida civil dos guerrilheiros que deixarão as armas – a partir do segundo trimestre de 2017, segundo os cálculos – foram outros dois temas importantes tratados em reuniões “extremamente intensas”, que começavam por volta das 7h da manhã e, às vezes, se prolongavam até meia-noite, segundo um dos participantes. De forma paralela, se resolviam dezenas de assuntos que tinham ficado pendentes ao longo das negociações.

A verificação do processo de paz foi o último ponto a ser solucionado. Para isso, Álvaro Leyva, um político conservador que assessorou as FARC, e Sergio Jaramillo, o Alto Comissário para a Paz, redigiram o preâmbulo do acordo. “Outra negociação”, diziam em Havana. Apesar da cautela, o anúncio mais desejado da história recente da Colômbia se tornou realidade. Dessa vez, a presença de Santos e de Timochenko ficaria para a assinatura final, um ato que o mandatário colombiano quer converter em uma cúpula de chefes de Estado, com a presença, inclusive, do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. A data ainda não foi definida. Apenas se sabe que será no final de setembro, antes do plebiscito. E que tudo nesse processo acontece num dia 23.

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