Com campanha anti-Cunha, Rodrigo Maia vence e comandará a Câmara
Representante do DEM uniu a antiga oposição a Dilma Rousseff, o próprio PT e comandará a Casa por seis meses
O deputado federal Rodrigo Maia, do conservador DEM do Rio de Janeiro, foi eleito o presidente da Câmara dos Deputados na madrugada desta quinta-feira, em Brasília, em uma das mais acirradas e pulverizadas disputas da história recente da Casa. Maia venceu no segundo turno Rogério Rosso (PSD-DF) por 285 votos a 170 – houve cinco votos em branco - com um discurso que conseguiu unir a antiga oposição a Dilma Rousseff (DEM, PSDB, PPS e PSB) e os atuais opositores do Planalto, incluindo nomes do próprio PT. O presidente interino, Michel Temer, também foi um vencedor da noite, com sua base aliada emplacando dois nomes na reta final e neutralizando uma candidatura bastarda do seu próprio partido, o PMDB.
O principal argumento dos aliados do democrata foi o de que Rosso, o nome do conjunto de partidos médios conhecidos como centrão, era o homem de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e, por essa razão, não poderia sucedê-lo na função. Cunha, que renunciou na semana passada, era acusado de manipular os seus pares e foi afastado do cargo pela Justiça porque se tornou réu em dois processos no Supremo Tribunal Federal. Assim que a vitória de Maia foi anunciada, deputados gritaram: “Fora Cunha”, numa demonstração do sentimento de parte importante da Casa, que deve votar o processo de cassação do carioca em agosto.
"Não vou perseguir nem vou proteger", respondeu Maia em sua primeira entrevista coletiva a jornalistas quando questionado sobre seu posicionamento a respeito de Eduardo Cunha. Foi diplomático ao falar do peemedebista: disse que tinha méritos, admitiu que tinha ajudado a elegê-lo, mas ponderou que talvez tenha acumulado "poder demais". Prometeu só colocar a cassação de Cunha em pauta com boa presença dos 513 deputados para que a decisão "seja legítima".
A disputa pela presidência (e informalmente pela vice-presidência da República) em um mandato tampão de seis meses teve número recorde de candidatos, foram 13, com uma fissuras na base de Temer. O centrão, que gravitava em torno de Cunha e foi central no impeachment, e o PMDB, se dividiram, o que que dificultou a votação de Rosso e também do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), uma aposta tardia de peemedebistas insatisfeitos com o Planalto. Na primeira etapa, o grupo que Rosso pertence se dividiu em cinco candidaturas. No segundo turno, porém, nem todos se uniram ao nome do PSD. O PR, por exemplo, fechou questão em torno de Maia e lhe deu a maioria dos 59 votos que Francisco Giacobo (PR-PR) teve no primeiro turno. O PP, que teve 36 apoios na primeira etapa, se dividiu e alguns dos progressistas migraram para Maia.
A vitória do democrata também contou com o suporte oficial de dois partidos que usualmente atuam contra legendas de direita, o PCdoB e o PDT. Os comunistas, aliás, agiram fortemente para dificultar a candidatura de Castro ao lançarem o nome de Orlando Silva (PCdoB-SP), que obteve 16 votos na primeira etapa. Tudo costurado em um acordo Temer. As articulações resultaram na desidratação da campanha do peemedebista (que esperava ter 110 votos e teve 70) e no fortalecimento do nome de Maia.
O PT, que anunciou que votaria em Castro, na segunda parte se dividiu entre Maia, votos em branco e ausências. “Entre Maia e uma continuação do Cunha, prefiro o Maia”, afirmou um petista. Os seis parlamentares do PSOL e parte dos 58 deputados petistas que não compareceram ao plenário se ausentaram sob o argumento de que não poderiam votar em nenhum dos candidatos que apoiaram o impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff (PT). “Os dois representam um retrocesso. Um deles, o Rosso, é a continuação do Cunha. O outro é o oposto do que esperamos da política. Os dois votaram a favor de um golpe, do qual discordamos. Por isso, nos retiramos do plenário”, afirmou o líder do PSOL na Casa, Ivan Valente (SP). Ao todo, 34 parlamentares deixaram a Casa entre as duas votações.
Agenda pesada adiante
Quando o segundo turno foi anunciado, sem adversários da oposição, a equipe de Temer comemorou. Dois de seus aliados estavam na disputa e haviam neutralizado a ameaça de Marcelo Castro. Maia teve 120 votos na primeira etapa e Rosso, 106. Maia representou a antiga oposição e o grupo votou unido e conseguiu levar seu nome para a segunda etapa. Ainda que ele não fosse o preferido pelo Planalto desde o início, o resultado agradou.
Apesar de dizer oficialmente que não interferiria em uma disputa exclusiva do Legislativo, o Governo agiu fortemente a favor de seus aliados. Para garantir que a divisão em sua base fosse pior, Temer fez um acordo com o PSDB: o DEM concorreria com Maia agora e os tucanos teriam apoio por uma candidatura em fevereiro de 2017, quando o mandato será de dois anos.
O mandato de Maia, sem pendências na Justiça, mas citado na Lava Jato (leia aqui), tem tudo para enfrentar turbulências. Há uma série de projetos considerados fundamentais pelo Governo para equilibrar as contas públicas e retomar o crescimento econômico, além de servir como lastro para que a gestão siga com as estratégicas bençãos do empresariado e do mercado financeiro. O prazo, no entanto, joga contra o Legislativo. Em agosto há três eventos que podem dificultar os trabalhos, os Jogos Olímpicos, a votação da cassação de Cunha na Câmara e a do impeachment de Rousseff, no Senado. Em setembro e outubro, haverá a campanha eleitoral e as eleições municipais, ambas ocuparão parte do tempo dos parlamentares que ou são candidatos em suas bases eleitorais ou disputarão eles mesmos as prefeituras. Dezembro costuma ser um mês curto, com o recesso iniciando no dia 22. Em janeiro o recesso durará os 31 dias e a eleição para o novo presidente já é na primeira semana de fevereiro.
Se Temer se ratifica no Planalto com a votação final do impeachment de Rousseff, além da disputa contra o relógio, o novo presidente da Câmara, de corte liberal e pró-ajuste, terá de lutar para conquistar os votos desgarrados do centrão sem os quais não há maioria qualificada para aprovar mudanças na Constituição, como o teto dos gastos pretendido pela equipe econômica.
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