Argentina mira Lava Jato e prepara sua lei de delação premiada
Governo Macri acredita que vários detidos próximos ao kirchnerismo podem acusar seus superiores
Muitos juristas argentinos olham com cobiça o processo no Brasil, onde uma investigação judicial que ganhou força com vários corruptos amparados na figura do delator virou do avesso a classe política e empresarial com a Operação Lava Jato e outros. “Não é que me dê inveja do Brasil. Mas para lutar contra a corrupção na Argentina é preciso mudar leis, é preciso organizar um sistema, não é o heroísmo de um juiz. O Brasil tem lei da delação, a Argentina, não”, afirmava em uma recente entrevista a EL PAÍS Ricardo Lorenzetti, presidente da Corte Suprema.
O Congresso o escutou. A Argentina, que acelerou nos últimos meses várias causas de suposta corrupção vinculada ao kirchnerismo, leva adiante agora uma lei de delação semelhante à brasileira precisamente para fazer com que alguns corruptos denunciem seus cúmplices e seja possível abrir um processo que leve várias pessoas à cadeia por delitos vinculados ao desvio de dinheiro público, algo que neste país não aconteceu nem sequer nos momentos mais escandalosos da corrupção menemista. “Não vamos ter um processo como o do Brasil porque ali toda a classe política foi afetada e aqui temos um presidente que acaba de assumir, e só há casos de corrupção no outro lado, mas acreditamos que vai ser importante para melhorar a luta contra a corrupção”, diz a EL PAÍS Gabriela Michetti, vice-presidenta da Argentina.
Outros membros do Executivo afirmam em particular que acreditam que alguns dos detidos nas últimas semanas pode se virar contra a cúpula do kirchnerismo. No Paraguai acaba de ser preso o foragido mais procurado da Argentina, o narcotraficante Ibar Esteban Pérez Corradi, que mandou várias mensagens indiretas de que estaria disposto a implicar no tráfico de efedrina membros do governo anterior.
A lei já está pronta para aprovação a toda a velocidade no Congresso. É impulsionada pelo Governo, mas conta com o apoio de uma parte da oposição, a mais distanciada do kirchnerismo, liderada por Sergio Massa, por isso não deve haver problemas para que ela seja aprovada rapidamente. O Governo acelerou sua tramitação com uma intenção muito clara: que possa servir o quanto antes para que vários detidos por suposta corrupção próximos ao kirchnerismo se animem a delatar seus cúmplices e até lancem acusações mais acima.
O sonho do Executivo, que conseguiu um grande respiro político com o último escândalo de corrupção do kirchnerismo, que o deixou muito abalado, consiste em que algum deles acuse diretamente o núcleo duro dos Kirchner e, em especial, a ex-presidenta, Cristina Fernández de Kirchner, que apesar de estar num momento de baixa continua sendo uma rival política importante para o macrismo.
A corrupção se tornou um assunto central da política argentina depois do escândalo desencadeado pelo caso López, que irrompeu quando o ex-secretário de Obras Públicas do kirchnerismo, José López, foi detido enquanto tentava ocultar nove milhões de dólares em um convento. Não é o único kirchnerista na prisão neste momento que poderia confessar e implicar outros dirigentes, em especial Julio De Vido, ex-ministro do Planejamento, que continua sendo deputado e se defende com unhas e dentes apelando à presunção de inocência.
De Vido nega até suas próprias palavras. Há alguns meses disse que López era “sua mão direita em matéria de obra pública”. Agora corrige: “Isso era um discurso. Não era minha mão direita. Eu não tinha mão direita, não havia vice-ministro. López era um a mais dos cinco secretários”. Outro desses cinco, Ricardo Jaime, dos Transportes, também está preso por corrupção na compra de trens em mau estado na Espanha e Portugal. Mas De Vido não se sente responsável e resiste com o apoio do kirchnerismo, que ficou em minoria no Parlamento ao tentar impedir que o Congresso autorizasse a revista de seu domicílio para que a investigação avançasse.
A Argentina já tem legalmente a figura do delator, mas para casos de narcotráfico, terrorismo e exploração de pessoas, embora não se tenha tido muitos avanços. Agora a estende à corrupção, mas desde que o envolvido dê informação relevante que possa fazer uma causa avançar. Uma das pessoas-chave que poderia amparar-se na lei, além de López, pego em flagrante com nove milhões de dólares, é Lázaro Báez, um empresário da construção que se tornou milionário com as obras públicas que os Kirchner lhe entregaram e agora está na prisão. Está há dois meses e meio encarcerado e, por ora, decidiu não falar. Mas essa lei poderia ajudá-lo a mudar de ideia.
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