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A extrema-direita que cresce graças aos atentados terroristas

Radicalismo belga e seu discurso xenófobo florescem num clima de insegurança

A polícia e o Exército belga em um shopping center que foi alvo de uma ameaça de bomba na semana passada em Bruxelas.
A polícia e o Exército belga em um shopping center que foi alvo de uma ameaça de bomba na semana passada em Bruxelas.Virginia Mayo (AP)

Há, numa rua residencial e reluzente da cidade belga de Ninove, um prédio de tijolos aparentes que à primeira vista passa despercebido. Está rodeado de chalés com cercas vivas milimetricamente cortadas e carros de luxo junto às calçadas. Esse edifício representa o fracasso de Guy D’Haeseleer, o político do partido ultradireitista Vlaams Belang (Interesse Flamengo) que há anos luta sem sucesso para evitar seu uso como mesquita. É ao mesmo tempo seu fracasso e seu sucesso. Porque, à parte o futuro do edifício, sua cruzada contra os estrangeiros e sobretudo contra o islamismo não para de conquistar adeptos em Ninove e em toda a Bélgica, país onde os recentes atentados em Bruxelas – assim como na vizinha França – representaram um forte impulso ao Vlaams Belang e suas ideias, agora usados também por partidos considerados menos extremistas. A Europa entrou numa nova etapa, em que a paz e a segurança não podem ser dadas como fatos consumados, e cujos cidadãos exigem mais segurança dos seus governantes. A extrema-direita vende pulso firme, e cada mais europeus compram.

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Tom van Grieken, o belo e elegante presidente do Vlaams Belang, não oculta sua satisfação: “Nunca estivemos no poder, mas nunca antes tínhamos tido tanta influência. Há 10 anos, o debate nas ruas era de centro, centro-esquerda, agora é de centro-direita”. As pesquisas falam de uma forte recuperação do partido radical nos últimos meses. O caso belga é exemplar de como os populismos europeus de direita são capazes de contaminar um centro político cada vez mais ansioso e desorientado. “Os patriotas estão crescendo em toda a Europa”, diz o líder do VB.

A onda chegou a Ninove, a oeste de Bruxelas, onde D’Haeseleer conta que, desde os atentados de março, o VB cresce 25% em número de filiados a cada mês. “Molenbeek está apenas a 25 quilômetros!”, recorda o corpulento político, aludindo ao bairro de Bruxelas que serviu de berço e refúgio aos jihadistas. Ninove é provavelmente o que há de mais parecido com uma cidade normal. Nem muito rica nem muito pobre, nem bonita nem feia. É especial, entretanto, pela força que o VB exibe aqui. Quando o partido despencou para 6%, o apoio em Ninove não baixou de 25%. D’Haeseleer foi o político mais votado nas eleições municipais de 2012 aqui, mas, como no resto da Bélgica, os outros partidos aplicaram o chamado cordão de isolamento, ou seja, se uniram para evitar que os radicais de direita governassem.

Num bar junto à estação ferroviária, Anita Sonck, uma simpática garçonete de 52 anos, serve cerveja belga a alguns frequentadores. “Olhe, não precisamos da mesquita. É um grande problema. As pessoas vêm aqui rezar, e essa não é a nossa cultura. No fim de semana muitos chegam de trem – negros, muçulmanos –, e no colégio as meninas querem usar véu. Ainda por cima, não bebem cerveja.” Conta também que seus vizinhos são marroquinos, e que desde os ataques “se tornaram mais amáveis, querem deixar claro que não têm nada a ver”, sussurra, inclinada sobre o balcão. Mas por que é ruim que as pessoas rezem? Sonck encolhe os ombros e ergue as sobrancelhas.

Militares armados

Antuérpia é a principal cidade de Flandres, bastião do VB e do governista N-VA (Nova Aliança Flamenga), o partido conservador que há anos herdou boa parte do eleitorado radical e dezenas de seus quadros médios. É revelador passar algumas horas abordando transeuntes no centro da cidade, ainda patrulhada por militares armados. Dá uma ideia de até que ponto ecoa a mensagem ultradireitista que busca estabelecer um vínculo direto entre terrorismo e imigração. Um estudo recente em 15 países europeus, feito pelo órgão governamental de pesquisas sociais da Holanda, indica que em todos eles os cidadãos acreditam que a migração exacerba a criminalidade. Além disso, na Bélgica, diferentemente da Alemanha, é baixíssima a percepção de que a migração é positiva para a economia.

Os atentados de Bruxelas e Paris levaram essas pessoas a mudarem de opção política? Há respostas de todo tipo, mas todos os entrevistados saltam invariavelmente, sem aparente conexão, para a questão migratória. “Estamos invadidos, e as pessoas vão continuar chegando”, diz um jovem que não costuma votar. “Os estrangeiros que não trabalharem e os que cometerem um crime devem ir embora”, opina um ex-segurança do porto. “Desde os atentados há muito racismo. As pessoas têm medo dos árabes”, observa um veterano socialista. Uma professora que foi às compras com sua avó retrata a preocupante situação. “No dia dos atentados, meus alunos de 13 anos me diziam que todos os muçulmanos são terroristas e que é preciso fechar bem as fronteiras para que nenhum entre.”

O relato adolescente é uma versão um tanto distorcida –mas nem tanto– da argumentação que o presidente Van Grieken desfia na imponente sede do Vlaams Belang no centro de Bruxelas. Usa o cabelo engomado para trás e abotoaduras com o passarinho do Twitter desenhado. A entrada em cena evidencia os esforços da extrema-direita belga para fazer uma boa maquiagem e desvincular-se da imagem rançosa que a persegue desde a fundação, em 1978. “Chegamos à conclusão de que as pessoas tinham vergonha de serem associadas conosco e mudamos o envoltório. Dizemos o mesmo, mas de uma maneira que seja mais atraente para as pessoas”, reconhece Bob De Brabandere, secretário político da organização de 28 anos.

Van Grieken pede mais polícia, mais coordenação entre os serviços policiais do país multilíngue e o controle das fronteiras belgas –“em sua casa você fecha a porta, não é mesmo?”. Se a UE não sofrer uma profunda reforma, optariam por sair. “A UE é um casamento forçado e esses nunca são felizes.” E resume o atrativo de seu partido em três palavras: soberania, liberdade e identidade. “As pessoas não querem viver com medo dos fanáticos”, conclui.

Já em Bruxelas, o sociólogo da Vrije Universiteit Brussel, Mark Elchardus, explica bem. “Já faz anos que as pesquisas nos dizem que a população se preocupa com assuntos que transcendem a divisão esquerda-direita. O crime, a integração e os direitos dos imigrantes, o medo da globalização e a identidade nacional. Não foi a extrema-direita que inventou isso. Estava aí, mas extremistas foram os únicos que prestaram atenção. Ainda hoje a centro-esquerda não tem um discurso claro sobre a imigração. Os ataques são evidentemente munição para a extrema-direita”, afirma, em sua casa de Bruxelas.

Seu eleitor é um homem envelhecido, principalmente urbano, mas cada vez mais rural e com poucos recursos, embora se acredite que seu eleitorado seja mais amplo e resiste ainda a tornar pública sua adesão, pelo que dirão disso. As últimas pesquisas lhes atribuem 13,9%, mais do dobro que há dois anos, quando ainda se ressentiam da fuga de votos em favor do N-VA, o partido da direita no Governo, que foi subindo o tom de sua retórica anti-imigração e a linha-dura contra o terrorismo, e foi o mais votado na eleição federal de 2014. Um certo desgaste fruto do exercício do poder do N-VA e a constatação de que diante da cópia sempre é melhor o original, levou a uma nova baldeação de votos para o Vlaams Belang, que, ainda assim, continua muito abaixo de seus rivais do N-VA.

Independência de Flandres

Apesar de suas grandes diferenças –um é antiestablishment e o outro, está no poder–, os dois partidos querem a independência de Flandres, os dois querem frear a imigração e os dois dão ênfase especial à segurança. “Os atentados e a crise dos refugiados renovaram a pressão do Vlaams Belang sobre o partido do Governo”, explica Benjamin de Cleen, especialista em extremismos da Vrije Universiteit Brussel.

Jean Sweneen é dos que preferem a cópia porque o original lhe continua parecendo extremista demais. Este antigo chefe de laboratório aposentado vota no N-VA “porque são realistas na hora de ver os problemas. Os demais partidos não aceitam que há uma parte negativa entre os marroquinos que chegam. Estão há décadas negando o problema”. Sweneen vive em Brasschaat, nos arredores de Antuérpia, “um lugar muito agradável, com muitos parques e poucos estrangeiros”.

Frédéric Erens representa a outra face da moeda. Sentado em seu escritório de uma elegante agência bancária belga na qual trabalha, declara-se eleitor fiel do Vlaams Belang porque o N-VA “diz o que querem ouvir os eleitores do VB, mas não faz nada. Perdemos 20 anos e agora a Bélgica se tornou um Estado falido”. Erens é um senhor zangado que diz que já não mora em Bruxelas porque está cheia de estrangeiros. “Não se integram. Agora no Ramadã vão no meio da noite rezar e fazem muito barulho. Por que tenho de aguentar isso?

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