_
_
_
_
_

A ofensiva do Legislativo que pode ameaçar a Operação Lava Jato

Reforma do código penal discutida na Câmara e projetos de lei têm potencial para frear investigações

O juiz federal Sérgio Moro.
O juiz federal Sérgio Moro.F. R. Pozzebom (AgBr)
Gil Alessi

À medida que a  Operação Lava Jato avança a passos largos, prendendo grandes empresários e colocando na mira políticos do calibre do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), uma preocupação cresce entre os procuradores. O receio dos integrantes da força-tarefa é que a operação tenha o mesmo destino que sua prima mais velha, a Mãos Limpas, desencadeada na Itália em 1992. Lá como cá, as autoridades descortinaram um esquema de corrupção sistêmica que abarcava o poder público – resvalando até mesmo no então premiê italiano Bettino Craxi – e empresários poderosos. Se no início a Mani Pulite contou com forte apoio popular, após alguns anos se instaurou um cenário de “apatia” na sociedade, segundo o juiz Piercamillo Davigo, que atuou no caso. A consequência disso foi uma ofensiva do Legislativo italiano contra a operação, que terminou com a soltura de 40% dos investigados.

Mais informações
‘Panama Papers’ atingem políticos de ao menos sete partidos do país
Odebrecht e Queiroz Galvão abriram contas com a Mossack
Vazamento de dados envolve nomes da Lava Jato
Após deslizes de Moro, Supremo redobra cuidados com Lava Jato

Os congressistas italianos aprovaram uma série de leis – algumas apelidadas de "salva-ladrão" – que dificultavam a punição de políticos e corruptos, além de garantir a anistia para os condenados. Uma delas, por exemplo, proibia a prisão preventiva de parlamentares investigados por crimes contra o patrimônio público. "A mensagem dada pelo Governo aos réus foi clara: 'Nós estamos do lado de vocês", diz Davigo.

Para os procuradores brasileiros, há sinais para temer que a Lava Jato siga o mesmo caminho, quer seja pelos possíveis efeitos da troca de mãos do Executivo, quer seja por projetos em análise no Legislativo. Um dos integrantes da força-tarefa, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima foi explícito: exortou um eventual novo Governo a manter as instituições "livres para continuar a fazer o que a lei exige delas”. “Aqui temos um ponto positivo que os Governos investigados do PT têm a seu favor. Boa parte da independência atual do Ministério Público, da capacidade técnica da Polícia Federal decorre de uma não intervenção do poder político, fato que tem que ser reconhecido. Os Governos anteriores realmente mantinham o controle das instituições, mas esperamos que isso esteja superado”, disse Santos Lima em palestra em São Paulo em 30 de março, registrada pelo Estado de S. Paulo.

A preocupação de que possa haver uma operação abafa na Lava Jato também tem rondado o debate em Brasília. Apesar de nenhum parlamentar falar sobre isso abertamente, analistas discutem se, com ou sem impeachment, pode haver um acordão entre políticos de vários matizes para frear as investigações, cujo centro de gravidade deve mudar de Curitiba para a capital com o avanço dos inquéritos nas mãos do Supremo. Dão força a essa leitura a divulgação dos áudios do ex-presidente em que ele reclama do modus operandi da força-tarefa. Também entra na conta a substituição do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo por Eugênio Aragão, interpretada pelo críticos como uma movimentação para reduzir a autonomia da Polícia Federal. Num eventual Governo Temer também não desapareceriam incentivos para o acordão. Além das reservas explicitadas pelo procurador Santos Lima, toda a cúpula do PMDB, inclusive o vice, foram citados na Lava Jato.

Cunha move projeto

No Legislativo, os passos já são concretos. Eduardo Cunha reativou, no dia 26 de março deste ano, a comissão especial da Câmara responsável por analisar um projeto do Senado que reforma o código de processo penal. Na prática, o código inteiro pode ser reescrito, com efeitos que podem prejudicar desde a investigação – tirando poderes para que o MP investigue, por exemplo – até facilitar a prescrição de penas. Não seria uma surpresa se o debate na comissão seguisse um caminho para restringir a Lava Jato. Cunha, réu por suposto envolvimento no esquema, já demonstrou habilidade para usar todas as estratégias possíveis para protelar sua investigação no Conselho de Ética da Câmara.

“O futuro [da Lava Jato] não está garantido”, diz o juiz federal Sérgio Moro

“Meu receio é que se aproveite o momento para introduzir regras que dificultem a responsabilização de políticos e corruptos”, afirma o promotor Rodrigo Chemim, do Ministério Público do Paraná. “Eu não ficaria surpreso se isso ocorresse”, diz o estudioso da operação italiana. De acordo com ele, as semelhanças entre as reações da classe política no país europeu e no Brasil é preocupante. “O que ocorreu lá durante o curso das investigação foi muito semelhante ao que está ocorrendo aqui, temos o receio de que a inspiração da reação do Legislativo brasileiro também virá de lá”, afirma. O timing de Cunha também é questionado por Chemim: “Causou-me estranheza que após parado por tanto tempo [o projeto foi aprovado no Senado em 2010 e enviado para a Câmara há três anos] isso seja retomado no auge da maior crise política da historia do Brasil. Acho que não é o momento para discutir mudanças no código”.

Até mesmo as Dez Medidas Contra a Corrupção, projeto de iniciativa popular do Ministério Público Federal que visava fechar as lacunas que garantem a impunidade de políticos e empresários corruptos, podem ser ameaçadas. O pacote de medidas entregue no final de março ao Congresso é a menina dos olhos dos procuradores, justamente por ter potencial de ser um legado da operação para o país. Mas sua análise pode ficar a cargo da comissão especial, já que é um assunto relacionado ao código penal.

De acusador a vidraça

A Operação Lava Jato passa também por um momento delicado, alvo de críticas de especialistas e até ministros do Supremo que viram problemas em procedimentos como a condução coercitiva de Lula para depor ou a divulgação das gravações envolvendo Lula e a presidenta Dilma Rousseff, ambas decisões do juiz Sérgio Moro. O caso Lula também chamou atenção para outras críticas que já vinham sendo feitas, como o suposto uso de prisão preventiva para forçar delações ou divulgação por quebra de sigilo ou vazamento de acusações de delatores sem rastro de provas. Mesmo que elas não vierem a ser corroboradas no tribunal, o estrago político delas já é irreversível. Acostumados a usar a divulgação da operação na mídia como uma arma para galvanizar a opinião pública a favor, agora integrantes da força-tarefa reclamam de sofrer uma “campanha midiática” de desgaste.

O procurador da Lava Jato Paulo Roberto Galvão de Carvalho afirmou, em simpósio realizado no final de março, que as reações mais duras à Lava Jato ocorreram nos últimos meses, quando a operação completou dois anos. Segundo Carvalho, os ataques mais duros à Mãos Limpas também ocorreu após dois anos da operação. Ele citou ainda a “campanha midiática” ocorrida na Itália para tornar as alterações legislativas que fizeram com que corruptos saíssem impunes “mais palatáveis para a população”. “Vivemos hoje na Lava Jato uma guerra de mídia. Somos algumas dezenas de procuradores e um juiz contra um batalhão de mídia, assessores e mais ou menos 60 das maiores e mais poderosas bancas de advocacia”. Na opinião dele, os ataques recentes à atuação de Sérgio Moro e da força-tarefa buscam “dificultar e diminuir nosso trabalho”.

Moro também tem sinalizado temores. Afirmou em setembro passado, quando comentava as semelhanças entra as duas operações, que “o futuro [da Lava Jato] não está garantido”. Na semana passada, em aula na Universidade Federal do Paraná acompanhada pelo EL PAÍS, ele voltou ao tema: “O sistema político italiano revidou e a democracia não foi suficientemente forte para evitar essa mudança de quadro. Gosto de falar sobre Mãos Limpas, já que não posso dizer tudo o que penso sobre o caso de atualmente (risos). Mas as pessoas podem fazer um paralelo.”

Projeto para alterar mecanismo da delação premiada

Na esteira das críticas à operação, que incluem duras observações públicas do ministro do Supremo Marco Aurélio Mello e de especialistas em direito, alguns projetos de lei que começam a tramitar na Câmara podem enfraquecer as investigações da maneira como são conduzidas atualmente. Um deles, de autoria do deputado Wadih Damous (PT-RJ), altera os mecanismos da delação premiada e pune responsáveis por vazamentos de informações sob sigilo. Trata-se de um terreno minado, uma vez que a colaboração de delatores tem sido uma das maiores ferramentas da força-tarefa da Lava Jato. Na prática, o texto do petista só permite que sejam firmados acordos de delação com pessoas que estejam em liberdade. O parlamentar justifica o projeto dizendo que “a delação aproveita o abuso da prisão preventiva. Ou seja, prende-se para forçar a depoimento”. Os procuradores da Lava Jato rebatem divulgando números segundo os quais dos 43 acordos de colaboração firmados, em apenas 11 o investigado estava detido.  O projeto de Damous está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça da Casa.

Para alguns observadores, no entanto, inclusive dentro do Supremo, o excesso de delações preocupa. Até agora, cerca de 90% dos atos de Moro tem sido ratificados em tribunais superiores, mas estão longe de ser consenso. Marco Aurélio Mello pôs em dúvida no programa Roda Viva, da TV Cultura a necessidade da prisão preventiva de empresário Marcelo Odebrecht, detido em junho passado e considerado pelos procuradores uma peça-chave na trama de corrupção. “Será que ele tem essa periculosidade tão grande a colocar em risco a ordem pública?”, perguntou-se o ministro. O caso de Odebrecht deve ser analisado no STF nas próximas semanas.

Caso o Congresso aprove leis para colocar freios na Lava Jato, não seria a primeira vez que os parlamentares agem em interesse próprio. Chemim cita um caso de 1995 para ilustrar como no final, tudo pode acabar em pizza. Naquele ano “um grupo de parlamentares foi condenado pela Justiça Eleitoral por terem usado a gráfica do Senado para imprimir santinhos para a campanha de 1994”, explica o promotor. Como consequência, eles perderiam seus direitos políticos. “Então os senadores fizeram a lei 8985, que lhes garantia a anistia neste caso. A Justiça opera, chega ao final do processo com toda a dificuldade própria de um caso como esse, e condena os senadores. E eles anistiam a si próprios”.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_