_
_
_
_
Operação Lava Jato
Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Advertências ao futuro do Brasil (a partir do passado da Itália)

Quando as estruturas desabam, o vento populista avança com mais facilidade

Andrea Rizzi
O juiz federal Sergio Moro, em evento no dia 9 de março em Curitiba.
O juiz federal Sergio Moro, em evento no dia 9 de março em Curitiba.RODOLFO BUHRER (REUTERS)

Os acontecimentos que sacodem o Brasil em 2016 se parecem assombrosamente com o terremoto político-judicial que assolou a Itália no início dos anos noventa. Aqueles que procuram entender até onde pode chegar a atual crise brasileira têm, portanto, naquela experiência um sugestivo paradigma.

Mais informações
Envio de termo a Lula é “abuso de poder” de Dilma, avaliam juristas
Quebra de sigilo de Sérgio Moro é questionada por juristas: entenda
Lula assume ministério da Casa Civil
Entenda quem a metralhadora giratória de Delcídio acertou
Ex-premiê espanhol Felipe González alerta sobre um possível “governo dos juízes” no Brasil

A gênese e o desenvolvimento das duas crises foram quase idênticos. Um país que, depois de uma ditadura instala sua democracia com décadas de estabilidade e considerável progresso econômico sofre uma degeneração de seu tecido político. Nela, os partidos adquirem um protagonismo desmedido – na Itália se falava de partidocracia mais que de democracia –, interagem num fórum político ineficiente e litigioso que gera incompreensão na sociedade civil e saturação na comunidade empresarial. Paulatinamente, aproveitam sua influência e certo clima de impunidade para se financiar vorazmente à base de corrupção; parte dessa extração do sistema sanguíneo da sociedade acaba nos cofres dos partidos políticos; outra, diretamente nos bolsos dos dirigentes.

Mas em um determinado momento dessa degeneração, um segmento de um poder judiciário dotado de força e independência, precisamente por conta desse saudável estabelecimento da democracia, abre com o bisturi o tecido doente e dele sai escória como se de uma cloaca se tratasse. Inicialmente, os líderes políticos minimizam. Existe sempre alguma maçã podre. “É um ladrãozinho”, disse o carismático líder socialista Bettino Craxi a respeito de Mario Chiesa, dirigente do seu partido que em 1992 foi apanhado em flagrante recebendo um suborno, caso que foi o início da operação “Mani Puliti”, Mãos Limpas em português. Será coincidência que sua versão brasileira tenha sido batizada de Lava Jato?

Mas a confissão de Chiesa levou ao apocalipse. A iniciativa judicial logo se tornou uma batalha entre o poder judiciário e o político, pois o que se vislumbra é uma falha sistêmica, estrutural, cuja exposição à opinião pública pode acabar não apenas com a trajetória dos condenados, mas com todo um establishment.

A batalha inevitavelmente gera golpes brutais, inclusive abusos. As algemas sobre as mesas dos promotores assustam os investigados; em um cenário de guerra de poderes, encenações judiciais (Silvio Berlusconi recebeu um aviso de abertura de investigação contra ele enquanto presidia, como líder do Governo, uma cúpula do G-7 na Itália: não se poderia ter esperado mais alguns dias?) exasperam o clima do país. Na Itália, vários investigados e presos acabaram cometendo suicídio.

O que aconteceu depois? Os resultados judiciais foram irregulares. Muitos réus foram condenados; muitos outros absolvidos. Mas a exposição ao ar livre da corrupção, de sua extensão, aniquilou o sistema político tal como estava configurado. Desapareceram os principais partidos, forçados a uma vergonhosa metamorfose. O fosso entre os cidadãos e a política alargou-se, a desconfiança em relação às instituições políticas enraizou-se profundamente – e ainda está presente. E dessa tabula rasa surgiu Silvio Berlusconi. A operação Mani Puliti começou em 1992. Em 1994, o magnata populista chegou ao poder sobre as ruínas da “velha política” (com a qual, no entanto, havia tido estreitíssimas relações). Quem estará no poder no Brasil no próximo ano? Quando as estruturas desabam, o vento populista avança com mais facilidade.

Andrea Rizzi é italiano e editor-chefe da editoria de Internacional do EL PAÍS

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_