ONU defende acesso ao aborto em países afetados pelo zika vírus
No continente americano, a maioria dos países restringe ou proíbe a interrupção da gravidez
A ONU fez um apelo nesta sexta-feira aos países afetados pelo zika vírus para que garantam o acesso a métodos contraceptivos e ao aborto. "As leis e políticas que restringem o acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva violam as leis internacionais, e devem ser revisadas urgentemente", afirmou Zeid Ra'ad Al Hussein, Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU. As grávidas, devido a uma possível associação do zika com a microcefalia fetal, são o principal grupo de risco do vírus, que colocou as autoridades de saúde em estado de alerta global. Na América Latina, onde o surto está concentrado, a maioria dos países restringe ou proíbe a interrupção voluntária da gestação.
O Alto Comissário para os Direitos Humanos pediu que os Governos tomem medidas concretas para que as mulheres tenham acesso à informação, apoio e serviços e, assim, exerçam o direito de decidir sobre a maternidade. Algo extremamente difícil para os mais de 24 milhões de mulheres que não têm acesso a métodos contraceptivos modernos na região. O continente americano é uma das regiões com mais restrições no campo de direitos reprodutivos. Na continente, sete países criminalizam totalmente o aborto — uma prática que não é autorizada nem mesmo para salvar a vida da mulher. Nem em países onde o aborto é autorizado em casos de malformação fetal ou quando há risco para a saúde da mulher, o acesso é garantido.
Não é a primeira vez que a ONU faz uma advertência aos países da América que restringem severamente o aborto. Relatores da ONU sobre tortura e direitos das mulheres pediram em várias ocasiões para El Salvador e Paraguai, por exemplo, para rever as suas leis após casos controversos, como o sobre a paraguaia grávida de seu padrasto e forçada a seguir em frente com a gravidez, ou Beatrice, a salvadorenha grávida de fetos anencéfalos sem qualquer perspectiva de vida após o nascimento e cujo aborto foi negado. Até agora, nenhum governo tem respondido às reivindicações da ONU.
"Em situações onde os serviços de saúde sexual e reprodutiva são punidos, ou simplesmente não estejam disponíveis, os esforços para conter esta crise não darão resultado se o foco for colocado em mulheres e meninas para que evitem engravidar", disse Al Hussein em um comunicado, no qual também destacou que este não é apenas um conselho pouco realista, mas também polêmico em uma região como a América, onde a violência sexual contra as mulheres é um problema crescente. A crítica do Alto Comissário se dirige diretamente a Governos como o de El Salvador ou do Equador, que aconselharam as mulheres a não engravidar; uma recomendação que não foi acompanhada de medidas para promover o planeamento familiar.
"Os governos não levam em conta as realidades que as mulheres enfrentam", critica Morena Herrera, porta-voz da Associação para a Descriminalização do Aborto em El Salvador, onde há pelo menos 160 grávidas infectadas. Nesse país da América Central, que proíbe o aborto em todos os casos, há 22 mulheres presas, algumas condenadas a mais de 30 anos, por conta de abortos considerados fracassados ou até classificados como homicídios qualificados. O vírus e sua expansão têm levado o Governo salvadorenho a considerar, embora muito levemente, a possibilidade de reformar a lei. "É uma dificuldade real a criminalização absoluta do aborto, porque, nestes casos, estamos colocando à prova a enorme dificuldade por que pode passar uma mulher que tenha em seu ventre um bebê que possa correr esse risco", disse a ministra saúde Violeta Menjivar. Uma declaração que já lhe custou críticas mais duras dos conservadores.
Como em El Salvador, a epidemia de zika e suas ligações com casos de microcefalia reabriu o debate sobre o direito ao aborto em uma região como sistemas complexos — o Equador, por exemplo, só permite o aborto por estupro quando a mulher está descapacitada — e onde as organizações da Igreja Católica e os críticos da prática têm muito poder. No Brasil, zona zero do Zika e onde já existem mais de 400 casos confirmados de microcefalia e 3.600 suspeitos, já foi apresentada uma proposta ao Supremo Tribunal Federal para estender a legislação.
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