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Orçamento de 2016 é aprovado, uma vitória amarga para o Governo

Vitória também foi derrota para Governo que reduziu superávit, o que tirou selo de bom pagador pela Fitch

Presidenta Dilma Rousseff
Presidenta Dilma RousseffEVARISTO SA (AFP)
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A estratégia de agradar a base e a oposição no Congresso não saiu exatamente como planejado pelo Governo, que garantiu nesta quinta-feira uma vitória com sabor de derrota com a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O Planalto conseguiu um "meio termo" para a meta de superávit primário (economia para pagamento da dívida pública), ao fechar uma proposta de 0,5% de superávit, ou 30,5 bilhões de reais. É uma meta um pouco menor do que o desejado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de 0,7%. O Governo se saiu vitorioso mas pagou um custo alto aos olhos do mercado: a perda do grau de investimento, uma chancela de credibilidade para investidores interessados no país. Esta é a segunda vez que uma agência de classificação de risco rebaixou o Brasil. A primeira foi a S&P, em setembro. Nesta quarta, foi a vez da Fitch Ratings.

No fim, a estratégia da oposição se sobressaiu. Isso porque os parlamentares contrários ao Governo reivindicavam que a meta fiscal de 2016 fosse zerada, contando com a incapacidade de Dilma em equilibrar as contas públicas e cortar gastos. Já a base queria uma meta menor, mas positiva, para garantir a manutenção do Bolsa Família, programa que corria o risco de perder 10 bilhões de reais no orçamento de 2016.

A "solução" encontrada pelo Planalto foi subir no muro. Sugeriu ao Congresso uma meta de 0,5% do PIB, em vez de 0,7%, como previa a LDO original e, para agradar também a oposição, assumiu que o superávit poderia chegar a zero, caso percebesse frustração de receitas ao longo do ano que vem.

Assim, o Governo ganhou e perdeu. Conseguiu salvar o Bolsa Família, mas perdeu um pouco mais da credibilidade na gestão econômica. Resta, agora, apagar incêndios.

Na opinião de economistas ouvidos pelo EL PAÍS, Dilma precisará reconquistar a confiança demonstrando para o mercado que leva a sério a necessidade de economizar recursos do orçamento, seja para não ter de sacrificar despesas essenciais, seja para conseguir fôlego suficiente para estimular uma economia em crise.

"Nossa meta fiscal não é crível há muito tempo. É normal mudar a meta ao longo do ano, mas a toda hora? Isso é um sinal de que o Governo não entendeu que gastar mais do que arrecada trava a economia", analisa José Roberto Afonso, economista e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público. Para ele, a redução da meta, de 0,7% do PIB para 0,5% não é um problema. "O problema é o recado que essa flexibilização deixa: o Governo não sabe onde está, nem aonde quer chegar", complementa.

Segundo Afonso, se o Governo tivesse obtido o aval do Congresso para zerar a meta de 2016 ao longo do ano, teria se tornado o primeiro país do mundo a oficializar um "regime de banda fiscal", contrariando o propósito da meta, que é o de limitar gastos para além da capacidade da economia. "Na verdade, o país já trabalha com um sistema extra oficial de banda há algum tempo. Falar que nossa meta é 100, mas permitir descontos de diversas fontes, como PAC [Programa de Aceleração de Crescimento, voltado a investimentos em infraestrutura], é trabalhar com piso e teto informalmente e tornar o resultado fiscal um mistério, até para o Governo, no final de cada ano", complementa.

O economista Alexandre Schwartzman concorda. "Estamos constantemente deduzindo da meta de superávit o PAC, o 'PIC', o 'POC', o CPF dos ministros... qualquer coisa. Se o Governo tivesse recebido a autorização do Congresso para levar a meta a zero se assim julgasse necessário, este seria o fim de qualquer esperança para a retomada de uma política fiscal responsável e crível", ironiza.

Schwartzman lembra, entretanto, que a perda do grau de investimento por mais uma agência já era previsto pelo mercado e não dependia do resultado da votação da LDO pelo Congresso. Ainda assim, defende que a presidenta deveria focar sua política fiscal em prol da retomada do crescimento, e não da governabilidade nem da manutenção, ou não, do selo de bom pagador do país. Afonso concorda. Para ele "jogar a toalha" para a nota de crédito não foi uma boa escolha econômica e apenas reflete que "o Governo ainda acredita que meta fiscal é um objetivo, e não uma imposição".

Para Antonio Corrêa de Lacerda, economista e professor da PUC, sem mudanças estruturais, como a famigerada reforma tributária, não há meta fiscal que dure mais de um trimestre sem alteração. Além disso, a sinalização de que o Banco Central deve subir mais os juros no Brasil, acende um novo alerta para a economia. "Ano a ano é o mesmo sufoco para cortar gastos. A nossa taxa de juros eleva o grau de endividamento público e joga por terra qualquer esforço fiscal que, por ventura, o Governo consiga fazer", analisa.

Ministro ofuscado

Garantir a credibilidade do Governo com o mercado era o principal objetivo de Levy, que defendeu com unhas e dentes, mas sem sucesso, uma meta fiscal de 0,7% do PIB. "Estou ligeiramente ofuscado", declarou para jornalistas pouco depois de ter recebido a notícia de que a meta havia sido mudada. Correm boatos no mercado, contudo, que Levy teria ficado insatisfeito com o posicionamento da presidenta e que já está preparando a sua saída do cargo.

Ainda assim, Levy afirmou que é preciso "partir em defesa do Brasil e votar o que precisa ser votado e termos as receitas que precisamos", em resposta à perda do grau de investimento. O ministro classificou como séria a decisão da Fitch e afirmou que, no momento, o mais importante é focar na votação das MPs que darão suporte ao Orçamento.

O ministério do Planejamento divulgou uma nota dizendo que "a economia brasileira já passou por dificuldades no passado e demonstrou, em várias ocasiões, que consegue superar desafios”.

Cortes no orçamento

O Governo consegui preservar o Bolsa família integramente na Lei Orçamentária Anual (LOA), também aprovada pelo Congresso nesta quinta (17). A verba para o programa foi mantida em 28,1 bilhões para 2016. Mas outras vitrines do PT acabaram enxugadas no texto final. Uma delas é o Minha Casa Minha Vida, que perdeu quase 10 bilhões de reais, passando de 14 bilhões para 4,3 bilhões.  Outra foi o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), bandeira de campanha da reeleição de Dilma. O programa foi reduzido pela metade, passando de 4 bilhões de reais em desembolsos para apenas 1,6 bilhões.

Por outro lado, o Governo conseguiu emplacar previsões maiores de receita. Segundo o relator do orçamento, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), as receitas ficaram 100 bilhões de reais acima da capacidade real de arrecadação, incluindo 10,1 bilhões de reais da CPMF, tributo que o governo quer recriar, mas que ainda nem foi aprovado pelo Congresso.

Ficou de fora do orçamento, a expectativa de prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), que também aguarda aprovação no Congresso. O Governo espera que esse mecanismo, que dá mais flexibilidade para definir as fontes de receita que irão financiar as despesas de 2016, seja aprovado até março do ano que vem.

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