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Por que é importante que a atriz espanhola Carmen Maura fale de seu estupro na TV

Quase não existem casos de figuras públicas que falem abertamente sobre abuso sexual

Na terça-feira, a espanhola Carmen Maura, uma das atrizes mais queridinhas do diretor Pedro Almodóvar, fez uma revelação que passou bem despercebida no programa espanhol El rincón de pensar. A atriz contou que, quando tinha 30 anos, foi vítima de um estupro.

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Carmen Maura vivia em Madri com os filhos quando, como explicou no programa, alguém chamou à porta e lhe deu um soco. “Recuperei a consciência e tinha uma pistola aqui (apontando para a têmpora). É isso, e tudo o que acarreta isso, o estupro”.

A atriz, hoje com 70 anos, se estendeu contando como foi o tratamento dos policiais que a atenderam e o julgamento de seu agressor. “O pior foi tudo o que veio depois, porque ele estava fazendo o serviço militar e tivemos um julgamento cheio de militares (...). E, como eles souberam que era atriz, me fizeram perguntas como ‘Tem certeza que não queria ficar famosa?’”.

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“Não sei por que estou te contando tudo isso, mas vou te contar”, disse Carmen Maura na entrevista ao apresentador Risto Mejide. Mas seu testemunho é importante, e muito. É uma exceção na Espanha e algo muito raro no mundo. Na verdade, o caso dela é o primeiro de uma pessoa pública espanhola que conseguimos encontrar, o que não ajuda a que outras vítimas se encorajem a falar sobre sua experiência nem a superar o tabu.

“Consideramos importantíssimo falar publicamente. Mesmo as testemunhas que ousam falar à imprensa o fazem com os rostos cobertos porque há um sentimento de culpa na própria mulher. Não porque elas sejam culpadas, claro, mas porque a sociedade as culpa”, explica Tina Alarcón, presidente da CAVAS, o Centro de Assistência a Vítimas de Agressões Sexuais na Espanha. Alarcón explica que as mulheres que se atrevem a falar são quase sempre questionadas. “Nos interrogatórios, por exemplo, duvida-se o tempo todo se estão dizendo a verdade ou não. Que haja mulheres que comecem a falar é essencial, ajuda a que outras mulheres denunciem”, disse Alarcón, que tampouco lembra um caso anterior de alguma espanhola famosa reconhecendo isso publicamente.

O silêncio em torno desse problema chega até os números. O último relatório do Ministério do Interior da Espanha, com dados de 2013, diz que no país foram notificados 1.298 estupros, o que representa um a cada sete horas. Mas o número de agressões sexuais é muito maior: em primeiro lugar porque esse número inclui apenas “agressões com penetração”, deixando de fora outros tipos de violência sexual. Mas, acima de tudo, porque esses são apenas os casos que as agredidas denunciaram. Os casos que ficam ocultos são muitos mais e difíceis de quantificar.

Nos Estados Unidos encontramos casos de mulheres famosas que ousaram denunciar publicamente o estupro, mas não muitos. Entre eles está o testemunho de Madonna, que há pouco mais de dois anos revelou em entrevista à Harper’s Bazaar que em seu primeiro ano em Nova York, antes de ser uma cantora famosa, foi estuprada ao ser ameaçada com uma faca. Também falaram sobre isso Lady Gaga, Pamela Anderson e Oprah Winfrey. Uma lista muito curta se considerarmos que, de acordo com os dados da ONU Mulheres, uma em cada cinco mulheres se tornará vítima de estupro ou de tentativa de estupro durante a vida.

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