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Ministério da Saúde: a tóxica moeda de troca política do Governo Dilma

Arthur Chioro é demitido e pasta poderá ir para o PMDB na nova reforma ministerial

O deputado Manoel Junior (de pé), cotado para a Saúde.
O deputado Manoel Junior (de pé), cotado para a Saúde.Zeca Ribeiro (Câmara dos Deputados)

Maior Orçamento federal e gestor do maior sistema público de saúde do mundo, o Ministério da Saúde tornou-se a grande novidade da barganha política do Governo nesta crise atual. A pasta, que nos últimos anos tem sido gerida pelo PT por ser considerada estratégica para as políticas sociais, deve parar nas mãos do aliado PMDB em troca de um apoio político que permita alguma governabilidade à presidenta Dilma Rousseff.

Nesta terça-feira, o ministro Arthur Chioro foi demitido pela presidenta, dando mais fôlego ao rumor. Oficialmente, o ministério nega. Mas, segundo a imprensa local, a saída foi comunicada a ele em um telefonema frio. Rousseff teria se incomodado com declarações à imprensa em que o sanitarista afirmou que o Sistema Único de Saúde (SUS) ficará sem verba a partir de outubro deste ano devido aos cortes no Orçamento. Como ministro, ele sempre defendeu publicamente a necessidade de mais verbas para o SUS.

O nome mais cotado até o momento para assumir o ministério é o do deputado paraibano Manoel Junior. Médico pela Universidade Federal da Paraíba, o parlamentar é rejeitado por entidades de defesa do SUS, que nos últimos dias divulgaram notas de apoio a Chioro. Nos bastidores, Chioro já dava como certa a sua saída da pasta desde a semana passada, mas oficialmente evitou comentar o assunto, dizendo que o cargo não é seu.

Manoel Junior é ligado ao grupo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que até o momento tem defendido uma ruptura do PMDB com o Governo de Rousseff, o que inviabilizaria a aprovação de qualquer projeto no Parlamento. Conforme a crise política aumenta, os peemedebistas têm aumentado a fatura que cobram pelo apoio. A entrega do maior Orçamento federal para o partido poderia acalmar os ânimos de Cunha, que é acusado de trabalhar nos bastidores pelo impeachment de Rousseff.

Outra possibilidade é a indicação do deputado federal Marcelo Castro, do Piauí, ligado ao grupo do líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, que na semana passada começou a negociar com a presidenta as indicações da base do partido na Câmara para a a reforma ministerial

A possibilidade de rifar politicamente uma das áreas mais vitais para o país causou um alvoroço entre as entidades da área. Especialmente devido ao nome de Manoel Junior, que defende posições conservadoras e tem fortes ligações com o setor privado da saúde. Ele, inclusive, chegou a fazer declarações contra a criação do programa Mais Médicos, o principal projeto do Governo federal para tentar diminuir a ausência de profissionais de saúde em áreas de difícil acesso por meio de médicos formados no exterior.

“Será a pá de cal do SUS”, lamenta o professor do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP), Mário Scheffer. “É um nome de atuação conservadora, muito sensível ao lobby da indústria farmacêutica e de planos de saúde”, ressalta ele, que é um dos autores de um estudo que avaliou as doações de empresas privadas de saúde para candidatos nas eleições passadas. 

O parlamentar recebeu da Bradesco Saúde, a maior operadora de saúde privada do país em número de usuários, 100.000 reais por meio da direção de seu partido, além de outros 5.667,66 reais pela campanha do candidato ao Governo da Paraíba, Vital do Rêgo Filho. Além disso, ele recebeu mais 100.000 reais da Biolab Sanus Farmacêutica e outros 150.000 reais da Eurofarma –os dois aportes financeiros partiram da direção nacional do partido. O financiamento do setor privado de saúde formaram, assim, quase um terço do 1 milhão de reais recebido por ele durante a campanha.

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O padrão segue o das eleições de 2010, quando metade dos 828.802 reais arrecadados por ele vieram de cinco laboratórios: Ache, Biolab Sanus, Eurofarma, Infan e Libbs. Cada uma dessas empresas fez três doações do exato mesmo valor: 28.000 reais.

A atuação política do deputado também desagrada as entidades. Em 2014, ele foi criticado por defender, como relator, a chamada MP das Farmácias, uma Medida Provisória que desobrigava farmácias de menor porte a terem um farmacêutico presente. A medida recebeu fortes críticas das entidades de saúde, porque, segundo elas, a falta do profissional poderia aumentar o consumo de medicamentos sem necessidade. A proposta, segundo os críticos, foi feita para beneficiar os laboratórios, que aumentariam as vendas.

Também no ano passado, ele foi autor de outra proposta que desagradou as entidades de defesa do SUS. Uma emenda de sua autoria, aprovada, permitiu o investimento de capital estrangeiro em hospitais, clínicas e outros serviços de saúde. “O domínio pelo capital estrangeiro na saúde brasileira inviabiliza o projeto de um Sistema Único de Saúde, tornando a saúde um bem comerciável, ao qual somente quem tem dinheiro tem acesso”, afirmou um manifesto de sete entidades que compõem o Movimento da Reforma Sanitária, incluindo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).

Comportamento conservador

A ligação com a indústria privada de saúde não é a única preocupação das entidades com a possível indicação de um nome peemedebista. O partido, por exemplo, foi favorável à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 171, que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Manoel Júnior votou favoravelmente a ela.

A posição conservadora é considerada incompatível com a pasta da Saúde, que precisa implementar medidas como a realização de campanhas anti-HIV junto aos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), por exemplo. Também podem ser prejudicadas políticas de acesso ao sistema de aborto legal, algo que já vem sofrendo diversos golpes na Câmara, inclusive pelo próprio presidente Eduardo Cunha, que se diz “veementemente contra” o procedimento.

“Por meio do ministério, o ministro pode instaurar portarias e paralisar uma série de políticas públicas importantes. Podem passar coisas muito ruins”, afirma o professor Scheffer.

Desde que a especulação em torno da troca ministerial ganhou fôlego, ao menos oito entidades da área da saúde já divulgaram nota criticando a possibilidade. “Consideramos inaceitável que o SUS seja usado como objeto de barganha política, por ser a maior e mais importante política pública em curso no Brasil. Trata-se de um patrimônio e uma conquista de décadas de luta do povo brasileiro”, afirmou o documento divulgado pela Mesa Diretora do Conselho Nacional de Saúde.

Em nota conjunta, a Abrasco e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) também se posicionaram contrários a medida. “Repudiamos veementemente que a gestão do Ministério da Saúde seja exercida por grupos e gestores que nunca demonstraram compromisso efetivo com o SUS único, universal e que, ao contrário, compõe as forças cada vez mais hegemônicas da mercantilização do setor.”

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o deputado, que já chegou a defender a renúncia de Rousseff, não retornou para a reportagem até a conclusão desta edição. Ao jornal O Estado de S. Paulo, ele afirmou que não sabia de onde vinha o dinheiro. "Recebi do meu partido. Meu partido estava me designando aquilo e eu aceitei de bom grado”, disse.

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