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Filme sobre prostitutas divide Marrocos

Governo proíbe filme de diretor marroquino antes do pedido de autorização para estreá-lo

Francisco Peregil
Cena do filme 'Much Loved'.
Cena do filme 'Much Loved'.

Bastou a difusão pela Internet de cinco trechos de seis minutos extraídos de um filme sobre quatro prostitutas em Marrakech para inflamar as redes sociais, levar a juventude do principal partido de oposição, o conservador Istiqlal, a se manifestar diante do Parlamento exigindo sua censura, e se criar uma página no Facebook – que já conta com milhares de seguidores – para pedir a morte do diretor e da atriz protagonista. Em meio a esse escândalo, uma delegação do Centro Cinematográfico Marroquino foi ao Festival de Cannes para assistir ao filme e recomendou sua proibição. Na noite de segunda-feira, o ministério de Comunicação anunciou que as “autoridades competentes” proibiam sua difusão no Marrocos.

A obra se intitula Much loved. Seu diretor, Nabil Ayouch, de 46 anos, é um dos mais aclamados no país, ganhador em 2012 da Semana Internacional de Cinema de Valladolid, com Os Cavalos de Deus, filme inspirado nos atentados suicidas de 2003 em Casablanca. Antes de começar a filmagem entrevistou durante um ano em Marrakech mais de 300 prostitutas. O Governo do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD), islâmico, alega que a obra “comporta um grave ultraje aos valores morais e à mulher marroquina, além de um flagrante atentado contra a imagem do Marrocos” e por isso sua difusão deve ser proibida.

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Much loved acaba de ser exibido no Festival de Cannes, onde não despertou muito entusiasmo. Também há críticos que elogiam o retrato de uma realidade “sem adornos”, embora “terno e digno”. Em todo caso, quase não se fala de outra coisa no Marrocos. Em Cannes, Ayouch declarou a este jornal através de correio eletrônico que está “surpreso e triste” em relação à decisão do Governo. “Isso é incompreensível. A proibição veio antes de pedirmos a autorização de distribuição. Isso é censura prévia”. Quanto à manifestação da juventude do partido Istiqlal, Ayouch assinala: “Não faço ideia de suas razões para se oporem ao filme. Vendo as imagens desse protesto, não parecem muito interessados nele. Alguns pareciam não saber o que estavam fazendo ali”.

Algumas cenas mostram atrizes em uma apresentação de dança do ventre para clientes sauditas; em outro momento, as mulheres falam de sexo de forma explícita e em outra cena discutem com seus clientes sauditas sobre a Palestina. Para alguns veículos de imprensa, nada do que reflete Much Loved deveria surpreender ninguém, é apenas um espelho em que boa parte da sociedade não quer se ver. “Nem Ayouch, nem seu filme são responsáveis pela prostituição em Marrakech (…) Os marroquinos não serão livres para ver o filme porque o ministro da Comunicação decidiu por eles”, diz o jornal marroquino Libération.

Alguns intelectuais opinam que há dez anos este caso teria suscitado a solidariedade de muitos artistas e jornalistas. Em 2003, quando sofreu a censura de seu filme Um Minuto de Sol a Menos por pressão dos religiosos radicais, Nabil Ayouch declarou: “Não estou disposto a deixar os islâmicos me imporem seu modelo de sociedade”.

Não obstante, também há quem se tenha expressado de forma muito contundente contra a decisão do Governo. Youssef Ziraoui, diretor editorial da página marroquina do Huffington Post, publicou nesta quarta-feira um artigo intitulado Eu sou Nabil em que assinala o paradoxo de que, no dia da proibição, Mustafa El Khalfi, ministro da Comunicação e porta-voz do Governo, se encontrava em uma excursão pelos Estados Unidos com o propósito de difundir “a dinâmica do modelo marroquino de reformas”. E Mohamed Ezzouak, no portal Yabiladi, escreve: “Tenho aqui uma ideia para o próximo filme de Nabil Ayouch, a hipocrisia XXL, presente em todas as camadas de nossa sociedade. O elenco será fácil, somos 34 milhões os que aspiramos a um papel”.

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