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Alerta vermelho: notícias péssimas

O recém-aposentado chefe do serviço de inteligência britânica, MI6, alerta que “a ameaça de confronto militar nuclear” com a Rússia ainda está presente

Putin preside um desfile militar no Kremlin em fevereiro.
Putin preside um desfile militar no Kremlin em fevereiro.SERGEI KARPUKHIN (REUTERS)

“No filme Dr. Fantástico, que estreou em 1964, o presidente dos Estados Unidos [Peter Sellers] liga para o presidente soviético. Tem más notícias. E notícias péssimas. As más? Houve um erro terrível. Um avião militar norte-americano se dirige à União Soviética com ordens de lançar uma bomba nuclear. As péssimas? Não há como revogar as ordens.”

Essa é a tradução das palavras com as quais sir John Sawers, o chefe recém-aposentado do serviço de inteligência britânico (MI6), escolheu começar uma conferência no mês passado na King’s College (Londres). Como se quisesse replicar o sangue frio de M, versão fictícia dos filmes de James Bond do papel que interpretou na vida real, Sawers adotou um ar descontraído para transmitir uma mensagem alarmante: pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria, devido às tensões criadas na Ucrânia, paira sobre o mundo a ameaça de um choque nuclear entre Ocidente e Rússia.

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“A ameaça de confronto militar nuclear, incluindo um erro de cálculo ou simplesmente má sorte, ainda está presente”, declarou Sawers em sua conferência. “Temos isso em mente quando falamos com a Rússia de Vladimir Putin.”

A chave está na escolha das palavras: erro de cálculo ou má sorte. Nem mesmo durante os momentos de maior tensão entre a União Soviética e os Estados Unidos, como demonstrou a crise dos mísseis em Cuba em 1962, houve a intenção por parte das grandes potências de iniciar uma conflagração que os levaria ao aniquilamento mútuo garantido. Seria absurdo pensar que a mentalidade tenha mudado hoje. O chamado “equilíbrio do terror” continuará sendo a grande garantia de paz. Mas no atual clima entre Rússia e Ocidente, com o prognóstico de que se avizinham tormentas piores, cresce o perigo de que a lei das consequências imprevistas entre em jogo mais uma vez, como no roteiro de Dr. Fantástico, filme de Stanley Kubrick baseado no livro Alerta vermelho.

Quando Sawers fala na terceira pessoa do plural (“temos isso em mente”) refere-se não só a seus colegas nas altas esferas da política externa britânica, mas também aos dos Estados Unidos e da OTAN, com quem trabalhou lado a lado durante os cinco anos em que esteve à frente do MI6. O temor compartilhado entre eles é que a atual crise militar na Ucrânia será o prelúdio de outra aventura russa, desta vez nos países bálticos antes pertencentes à União Soviética, hoje membros da OTAN e por isso protegidos por ela.

O risco de que a Rússia tente anexar territórios da Estônia, Lituânia ou Letônia aumentará em função do desgaste da economia russa, abalada pelas sanções impostas pelos países do Ocidente como castigo por sua incursão na Ucrânia e, mais ainda, pela queda do preço do petróleo. Desde o fim da Guerra Fria, os russos aspiraram a muito mais do que a mera sobrevivência. Ao ver que suas expectativas se dissipam, o descontentamento aumenta, a alternativa tentadora que será apresentada a Putin para conservar a alta popularidade da qual atualmente desfruta, segundo analistas como Sawers, será recorrer com mais insistência ao populismo nacionalista, apelando ao espectro ancestral da ameaça que vem do Ocidente. Gideon Rachman, especialista em política internacional do Financial Times, escreveu no fim do ano passado que “o agressivo e autocompassivo nacionalismo orquestrado pelo senhor Putin recorda a política de Rússia e Alemanha nos anos trinta”. Chrystia Freeland, autora de um livro sobre a transição russa do comunismo para o capitalismo intitulado A venda do século, comentou há pouco tempo que a ruína econômica poderia fazer com que a Rússia se torne “mais agressiva e imprevisível”.

A retórica russa já é mais agressiva do que jamais foi em qualquer outro momento desde a chegada ao poder de Mikhail Gorbachov. A busca de bodes expiatórios ocidentais é acompanhada de uma tendência, como a de um adolescente grandalhão mas complexado, de recordar ao mundo que pode ser que a Rússia não seja um país modernizado, mas que tem um arsenal nuclear não só colossal como —esse sim— recentemente atualizado. O jornal Pravda, porta-voz soviético na época e hoje interlocutor de Putin, intitulou um artigo recente com poucas palavras “Rússia prepara surpresa nuclear para a OTAN”. Vários políticos russos fizeram eco a uma advertência lançada por Putin, que foi ex-diretor da KGB, no ano passado: os de fora não devem “se meter conosco” já que a “Rússia é uma das principais potências nucleares”.

A ameaça russa

EL PAÍS, Madri

O embaixador russo em Copenhague, Mikhail Vanin, afirmou no sábado que Moscou poderia atacar com mísseis nucleares barcos da Dinamarca se o país, membro da OTAN, se unir ao sistema antimísseis da instituição. Se isso acontecer, "corremos o risco de nos considerar mutuamente inimigos", disse ao jornal Jyllands-Posten.

O ministro das Relações Exteriores dinamarquês, Martin Lidegaard, que se esforçou ontem para não aumentar a tensão entre os dois países, declarou que os comentários de Vanin são “inaceitáveis” e acusou-o de ter “cruzado a linha” vermelha ao dizer que qualquer um que se una à OTAN pode ser alvo de mísseis balísticos russos.

Há 15 dias, Putin foi citado em um documentário da televisão russa dizendo que quando a crise na Ucrânia teve início há um ano, estava disposto a colocar suas armas nucleares em posição de combate “porque russos vivem ali”. Em contexto semelhante, a recente intrusão de dois bombardeiros russos capazes de lançar armas nucleares muito perto da costa do sudoeste da Inglaterra não foi, como comentou um diplomata britânico a este jornal, “uma brincadeira”. “O perigo de que um mal-entendido ou um incidente à primeira vista inócuo deflagre um conflito catastrófico sempre existe”, disse o diplomata, ecoando as palavras de Sawers quando advertiu para o risco que poderia resultar de um erro ou de má sorte.

Putin brinca com fogo. Sem que nem ele nem ninguém quisessem, pode-se gerar uma dinâmica parecida com a dos terroristas islâmicos, cujo objetivo é usar o medo para semear a indignação e a raiva nos países ocidentais e assim provocar respostas desproporcionais e contraproducentes, como aconteceu no Iraque depois da queda das Torres Gêmeas. O caos e a confusão podem provocar más decisões e acidentes terríveis. E ainda mais se chegasse ao poder nos Estados Unidos uma figura como o vice-presidente de George W. Bush, Dick Cheney, o mais parecido que já se viu em Washington com o demente Dr. Strangelove, protagonista do filme que no Brasil virou Dr. Fantástico.

“A crise da Ucrânia não tem só a ver com a Ucrânia. Trata-se agora de uma crise muito maior e mais perigosa entre a Rússia e os países ocidentais”, disse em sua conferência sir John Sawers, que tem mais informações sobre o equilíbrio geopolítico atual do que praticamente qualquer outra pessoa. E acrescentou: “Não haverá convergência entre Rússia e Ocidente enquanto Putin continuar no comando... Administrar as relações com a Rússia será o problema que definirá a segurança da Europa durante muitos anos mais”. Diante da possibilidade, sobre a qual Sawers também advertiu, de que o sucessor de Putin poderia representar um perigo até maior, a tese de Dr. Fantástico volta a ter relevância.

Se contarmos com a sorte e com cálculos bem feitos pelos que controlam os botões nucleares, isso nunca ocorrerá, mas existe a possibilidade de que dentro de pouco tempo voltemos a conviver, como nossos pais ou avós, com o medo latente de sermos todos exterminados.

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