Atenas reduz exigências e se aproxima de um acordo com o Eurogrupo
Governo de Tsipras apresenta a seus sócios do euro um plano para diminuir as diferenças
Acordo-ponte, contrato, alívio financeiro: esses são os eufemismos em voga em Bruxelas em meio à busca de um acordo europeu com a Grécia que ajude a digerir politicamente as concessões que os dois lados deverão fazer, mas especialmente o grego. O Governo de Syriza começou na terça-feira a ceder terreno nas negociações. Apesar da forte retórica dos últimos dias, o ministro de Finanças, Yanis Varoufakis, apresentará ao Eurogrupo na quarta-feira a proposta de Syriza, que começa a parecer aceitável para os sócios. Ainda faltam inumeráveis arestas para polir – algumas bem sérias – e é improvável que se chegue a um pacto até o fim do mês, mas entre os planos da Grécia não há mais rastros de perdão de dívidas, nem a recusa de um terceiro resgate associado a novas condições, as duas linhas vermelhas que impediam qualquer vislumbre de acordo. As posições começam a se aproximar: a Grécia está disposta a aceitar uma “extensão técnica” do resgate atual até agosto, para chegar a um pacto sobre um novo programa, resgate ou “contrato”, como Berlim começa a chamar, com um horizonte olímpico de quatro anos.
O cenário europeu exige um pouco de dramatismo que também é conveniente, em termos políticos, a Atenas. No entanto, as linhas centrais da proposta de Alexis Tsipras já coincidem, em grande parte, com as pretensões dos sócios europeus. Bruxelas descarta um acordo “iminente”, segundo um porta-voz, e as fontes consultadas consideram que a retórica enérgica utilizada por Atenas “é uma estratégia de negociação que não beneficia ninguém e que afasta a Grécia de seus objetivos”.
Mas a verdade é que o pacto está mais próximo, porque a Grécia vai se aproximando das exigências europeias. Apesar de ninguém esperar um acordo no Eurogrupo na quarta-feira. Diferente da contundência habitual nas declarações do ministro alemão Wolfgang Schäuble, o espanhol Luis de Guindos afirmou que participará da reunião com “a cabeça aberta” e consciente de que sempre há “divergências” entre o discurso para a própria opinião pública e o que é dito “dentro”, na sala de negociações. E adiantou que ninguém espera um pacto antes da próxima semana. A primeira metade da partida parece salva, a julgar pelas características do plano grego:
Já se aceita uma extensão do resgate e o cumprimento de 70% das condições
» Programa-ponte. A Grécia, que se negava a prorrogar o resgate atual, aceitaria inclusive chamar de “extensão técnica” até agosto, o programa que expira no final de fevereiro. O objetivo é cobrir os vencimentos de sua dívida com o BCE (6,6 bilhões de euros – 21 bilhões de reais). Atenas propõe ativar 70% das reformas combinadas, e substituir os 30% restantes – as medidas que são consideradas “tóxicas” – por um pacote de 10 reformas decididas junto com a OCDE. Em troca não quer a parte final do resgate (7,2 bilhões de euros – 23 bilhões de reais) para não ser obrigada a cumprir com todas as condições. Varoufakis reclama para a Grécia os 1,9 bilhão de euros (6 bilhões de reais) procedentes dos lucros obtidos pelos bancos centrais com a dívida grega (apesar de que o programa condiciona esse dinheiro ao cumprimento de todas as condições). E para esse período de transição, quer que seja permitido elevar em 50% o limite de dívida que a Grécia pode emitir. Bruxelas avisa que os sócios “não aceitam paralisar as privatizações e não acham realista a realização apenas das reformas estruturais enquanto as medidas fiscais e macroeconômicas ficam descuidadas”.
» Lassitude fiscal. O resgate atual previa um superávit primário (antes do pagamento dos juros) de 3%, que a Grécia quer reduzir a 1,5% para ter mais margem.
» Negociação da dívida. Atenas pretende renegociar até o final de agosto um alívio financeiro da dívida, com os 240 bilhões de euros (770 bilhões de reais) nas mãos da UE e do FMI. E insiste em acabar com a troika. Varoufakis propõe uma troca dos títulos atuais por dívida ligada ao crescimento e dívida perpétua. Os sócios veem apenas margens para diminuir juros e ampliar prazos.
» Medidas humanitárias. O Governo quer gastar cerca de 1,9 bilhão de euros (6 bilhões de reais) em alimentos e eletricidade às famílias mais pobres, em programas para os desempregados há mais tempo, voltar a saúde universal e dar um aumento aos pensionistas que ganham menos de 700 euros por mês.
O Parlamento referenda o Executivo
Depois de dois dias de debate, o Governo grego, com maioria de 162 deputados – os 149 de Syriza e os 13 de seu sócio, o partido de direita Gregos Independentes, ANEL—, conseguiu nesta meia-noite o voto de confiança do Parlamento com essa quantidade de votos a favor e 137 contrários.
O primeiro-ministro e líder de Syriza, Alexis Tsipras, terminou os dois dias de debate da posse com um discurso no qual repetiu suas ideias centrais: a recuperação da dignidade, o rechaço ao resgate e à austeridade, e sua aspiração de serem tratados "como iguais" entre os sócios europeus. "A redução da dívida é uma decisão política", reafirmou Tsipras, acrescentando que sua principal demanda é "espaço e tempo, que é o proposto no acordo-ponte" que apresentará seu ministro de Finanças, Yanis Varoufakis, ao Eurogrupo na quarta-feira. Em relação à Alemanha, que assegurou respeitar "pelo peso dos sócios que são a locomotora da Europa", afirmou: "Queremos uma Alemanha europeia, não uma Europa germanizada."
Se o apoio da cidadania fosse um indício de sua força – 66% apoia o programa de governo e 75%, o modo em que estão negociando com a União Europeia, segundo uma pesquisa publicada na terça-feira –, o Executivo grego não deveria ter problemas na hora de convencer Bruxelas e Berlim da firmeza – e da inevitabilidade teórica – de seu programa. O mandatário, na verdade, mostrou-se otimista e assegurou que cumprirá “100%” de suas promessas eleitorais. “Não se pode chantagear a democracia na Grécia, muito menos na Europa, e não vão nos chantagear enquanto tivermos o apoio do povo”, concluiu.
Algumas das medidas anunciadas pelos ministros durante a sessão de posse eram bem conhecidas, como o fim das privatizações – inclusive uma mina de ouro administrada por uma multinacional canadense e as empresas públicas de energia – ou o forte impulso na luta contra a corrupção (com ministério próprio no Gabinete e planos para arrecadar imediatamente 2,5 bilhões de euros – 8 bilhões de reais – procedentes da evasão fiscal). Outras foram inesperadas, como o anúncio do ministério de Justiça de que vai equiparar as uniões homossexuais de facto ao casamento, o que não vai agradar a ANEL.
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