_
_
_
_
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

China, América Latina e o fim do auge das matérias-primas

As reuniões CELAC-China em Pequim abordam a evolução de suas relações a partir de agora

Há uma década, o comércio da América Latina com a China disparou como consequência do aumento da demanda por matérias-primas sul-americanas no país asiático. Para atender a indústria e os consumidores, o cobre chileno, o ferro brasileiro, a soja argentina e o petróleo venezuelano começaram a chegar na China em quantidades cada vez maiores e a preços cada vez mais elevados. Os diplomatas chineses elogiaram esse avanço do comércio como exemplo crucial do compromisso da China com os países em vias de desenvolvimento, uma relação Sul-Sul benéfica para todos. Apesar de certa preocupação pela possibilidade de repetição dos ciclos históricos de expansão seguida de colapso, quase todos os governos e líderes empresariais nos países da América Latina decidiram aproveitar o superciclo por mais tempo possível.

No entanto, com a desaceleração da economia chinesa e a chegada de novas fontes de abastecimento aos mercados mundiais, o auge das commodities chegou ao fim e os preços do ferro, do cobre, da soja e, em especial, do petróleo, atingiram os níveis mais baixos desde a crise financeira. No curto prazo, o fim da expansão e a queda dos preços das matérias-primas beneficiarão principalmente a China e prejudicarão as grandes fronteiras da América Latina, mas também podem oferecer uma oportunidade para que as relações entre as duas partes sejam mais sustentáveis e duradouras.

Mais informações
China acelera seus investimentos na América Latina
Pequim vai investir 20 bilhões de dólares na Venezuela
“Brasil e Argentina devem se unir para negociar com a China”
O petróleo faz a América Latina ter seu pior ano desde 2009
Quatro equilibristas na corda bamba

O país que melhor expressa a necessidade de transformar essa relação baseada em commodities é a Venezuela. A espetacular desvalorização das cotações mundiais do petróleo causa enorme impacto para ambas as economias: é um desastre para a Venezuela, que depende das exportações, e uma inesperada vantagem para a China, que depende das importações. Porém, durante os últimos 15 anos, os dois países estabeleceram uma relação especial na qual a China proporciona bilhões em empréstimos em troca do fornecimento de petróleo no longo prazo. O fato de ser a principal fonte de financiamento externo da Venezuela deixa a China em uma posição muito incômoda, porque os problemas venezuelanos, cada vez mais graves, se transformaram também em problemas dos chineses.

Com a queda diária do preço do petróleo, Nicolás Maduro acaba de chegar a Pequim em meio a rumores de uma nova série de empréstimos por petróleo no valor de bilhões de dólares. Tanto para a China quanto para a Venezuela, um acordo desse tipo neste momento apenas serviria para piorar a relação já disfuncional entre os dois países e ofereceria escassas possibilidades de resolver alguns dos problemas fundamentais do sistema econômico e político da Venezuela.

Para outras economias latino-americanas, principalmente as do Cone Sul e as dos Andes, que também dependem cada vez mais das exportações de matérias-primas para a China, a desvalorização das cotações não é uma ameaça tão vital quanto para a Venezuela, mas a dinâmica será a mesma: as empresas e os Governos dos países exportadores terão que apertar os cintos e as empresas chinesas sairão beneficiadas. Como consequência, é possível que o fim da ascensão das matérias-primas gere mais críticas dos líderes políticos e empresariais dos países sul-americanos contra a China, e os diplomatas chineses terão dificuldades para continuar promovendo vantagens dos vínculos comerciais Sul-Sul.

Ainda assim, esses obstáculos podem oferecer também uma oportunidade para estabelecer as prioridades que possam ir “além da complementaridade” nas relações entre a América Latina e a China, um projeto mencionado pela primeira vez por Dilma Rousseff quando chegou ao poder em 2011. As reuniões do Fórum CELAC-China que acontecem esta semana em Pequim podem ser uma maneira de abordar a questão de como essas relações deveriam evoluir a partir de agora. O auge das commodities não foi uma bolha que estourou, e não há dúvidas de que as exportações de matérias-primas continuarão sendo a base das relações comerciais. Mas a dependência de alguns exportadores latino-americanos em relação aos altos e baixos da demanda chinesa —sem falar da concorrência das importações de produtos chineses— voltou a causar preocupação e a despertar debates históricos sobre as políticas e modelos de desenvolvimento em toda a região.

Uma vez mais, a Venezuela representa um caso extremo de dependência das matérias-primas. O Fórum CELAC-China pode ser um bom lugar para que a China e os vizinhos da Venezuela discutam como apoiar o país para que este percorra um caminho menos autodestrutivo. Queira ou não, a China ocupa a posição nada invejável de ser a principal fonte de financiamento externo da Venezuela, e lhe interessa evitar uma decomposição caótica irreversível.

Para o resto da América Latina, superar a complementaridade não será fácil, e serão em grande parte as empresas e o dirigentes políticos da região os que terão que compreender melhor e se adaptar às mudanças importantes que o próprio modelo de desenvolvimento chinês está experimentando. Mas essas mudanças permitirão estabelecer também novas formas de cooperação. No aspecto econômico, à medida que a China tente criar um modelo de desenvolvimento mais sustentável, focado no consumo, deveriam surgir novas possiblidades para que as empresas latino-americanas criativas forneçam bens e serviços, independentemente das commodities, para a nova classe média urbana na China.

Ao mesmo tempo, a preocupação da China para evitar “a armadilha da renda média” deveria abrir as portas ao diálogo com seus parceiros latino-americanos, com o objetivo de debater problemas de desenvolvimento comuns —por exemplo, como fomentar nos países de renda média a cooperação entre os setores público e privado para administrar os sistemas educacionais e de pensões— e enfrentar a preocupação compartilhada em relação à corrupção e à sustentabilidade ambiental. Se as duas partes forem capazes de aproveitar essas oportunidades, é possível que o fim do auge das matérias-primas dê lugar a uma segunda década de relações entre a América Latina e a China, com uma base mais sólida que a anterior.

Matt Ferchen é pesquisador residente do Centro Carnegie-Tsinghua de Política Global em Pequim. Twitter @MattFerchen

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_