Minha mãe já sabia
Triste o povo que valoriza mais a repressão que a educação
Em seu discurso de posse, a presidente reeleita Dilma Rousseff anunciou o lema de seu governo, Brasil, pátria educadora: "Isso significa universalizar o acesso a um ensino de qualidade em todos os níveis". O que causa admiração não é descobrir que só agora, em seu segundo mandato, a educação aparece como prioridade – mesmo porque o tema nunca interessou, de verdade, a nenhum político, nem a seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, nem, muito menos, ao tucano Fernando Henrique Cardoso. Surpreendente é a frase explicativa.
"Universalizar o acesso a um ensino de qualidade em todos os níveis" aponta para uma dessas duas interpretações possíveis: ou já atingimos um patamar de excelência na educação e o que precisamos é apenas garantir o ingresso do conjunto dos cidadãos nas escolas; ou devemos assegurar a admissão de todos num sistema que nos próximos quatro anos apontará para um grau de aprimoramento digno de Primeiro Mundo. Como o Brasil ocupa as últimas posições em testes de avaliação internacional de ensino – por exemplo: o Relatório de Capital Humano, formulado pelo Fórum Econômico Mundial nos coloca na em 88º lugar entre 122 países –, e como reputamos que a presidenta Dilma Rousseff é uma pessoa íntegra, podemos, sem sombra de dúvida, descartar a primeira hipótese de interpretação da frase explicativa.
Então, ainda que tarde, e ainda que descrentes, devemos analisar a frase de acordo com a segunda hipótese: iremos assistir, nos próximos 48 meses, um esforço para sanear as bases da educação brasileira, assentadas em um pântano de omissão, incompetência e desmando, para transformá-la em um oásis de eficiência, disseminação de conhecimento e preparação para a vida, que é o que todos ansiamos. Verifiquemos, pois, como a presidenta Dilma está se organizando para enfrentar esse desafio.
O Ministério da Educação, encarregado de levar à frente o projeto, foi entregue ao ex-governador Cid Gomes, que divide com o irmão, Ciro, o controle da política cearense. Juntos, os Gomes garantiram a vitória acachapante de Dilma no Estado: quase 80% dos votos foram dados a ela. Cid é filiado ao Partido Republicano da Ordem Social (PROS), minúscula legenda que fez, no último pleito, um governador (o do Amazonas, José Melo) e 11 deputados federais. Não consta que ele tenha relação íntima com a pasta da qual é titular, mas, a bem da verdade, isso não tem importância, pois trata-se de um cargo político.
Mas qual o saldo da administração de Cid Gomes no Ceará? Embora tenha se tornado nacionalmente conhecido por uma declaração infeliz, ele implementou algumas políticas que impulsionaram o ensino fundamental no Estado. Em 2011, durante uma greve de trabalhadores da educação, o então governador afirmou, diante das reivindicações por melhores condições de emprego, que quem entra na vida pública – e ele estava pensando nos manifestantes – deve se sentir motivado não por questões financeiras, mas por "amor e espírito público". Como essa declaração acirrou os ânimos, os grevistas se reuniram em protesto em frente à Assembleia Legislativa, tendo sido dispersados pela Polícia Militar com cassetete, gás pimenta e gás lacrimogênio. Por outro lado, o nível do ensino fundamental no Ceará avançou – as notas subiram, nos primeiros anos, de 4,4 em 2011 para 5 em 2013, e, nos últimos anos, de 3,7 para 3,9 –, embora o desempenho no ensino médio tenha caído de 3,4 para 3,3 no mesmo período, segundo avaliação do do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Escola Básica).
No plano nacional, o desafio é enorme. Se os resultados das provas aplicadas pelo Ideb mostram uma melhoria constante desde 2005, pela primeira vez, em 2013 os fins propostos não foram atingidos, à exceção dos primeiros anos do ensino fundamental (neste caso, nota de 5,2 sobre média de 4,9): a avaliação dos últimos anos do ensino fundamental e do ensino médio mostraram o fracasso dos objetivos, 4,2 e 3,7 para metas de 4,4 e 3,9, respectivamente. É inegável, no entanto, o empenho dos governos petistas para ampliar o número de vagas em escolas técnicas e no ensino superior, além do fomento de importantes programas de bolsas de estudos como o Prouni e o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) e do sistema de cotas para afrodescendentes, indígenas e alunos oriundos de escolas públicas. Mas também é inegável o quanto ainda estamos distantes de qualquer coisa razoável. O Brasil ocupa o 38º lugar entre 50 países avaliados pelo Universitas 21 – na América Latina está em segundo lugar, atrás do Chile, e à frente da Argentina e México.
Não há mágica para resolver o gravíssimo problema da educação nacional, herança da mentalidade colonizadora, gananciosa, egoísta e predatória, que sobrevive em nossa elite individualista e burra. O Brasil dedica cerca de 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação, percentual bem próximo daquele destinado pelos países ricos que contam com ensino de qualidade. O problema, então, não reside necessariamente no montante do dinheiro aplicado nessa área, mas em como ele é gerido. A média salarial de um professor de ensino básico nas nações desenvolvidas é de cerca de 30 mil dólares anuais, contra 10 mil dólares anuais no Brasil. O piso salarial dos professores é de R$ 1.697 mensais (630 dólares) e nem todos os estados pagam essa quantia irrisória – Cid Gomes, quando governador, ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a obrigatoriedade do salário mínimo nacional. Só para se ter uma idéia, o salário de ingresso de um policial militar varia de R$ 6.662,19 no Distrito Federal a R$ 1.463,89 no Rio de Janeiro – média de R$ 4.063,04 (1.580 dólares), mais que o dobro do salário do professor. Triste o povo que valoriza mais a repressão que a educação...
Uma educação de qualidade não será conquistada sem a participação efetiva de toda a sociedade. É necessária a valorização do professor, tanto do ponto de vista financeiro quanto de sua formação pedagógica, mas também é preciso repensar sua função dentro da escola – mantidos, hoje, reféns de um sistema que bajula demagogicamente alunos e pais de alunos. Além disso, docentes e discentes têm que dispor de um ambiente adequado para o ensino, com boas instalações físicas e currículos estimulantes. Educar não é somente instruir. Instrução é dada na sala de aula, onde nos são oferecidas ferramentas básicas para tornar pragmático o conhecimento adquirido. Educação inclui a instrução, mas a ultrapassa, pois exige a participação da família, que nos envolve em afeto e nos alicerça em princípios éticos, e do conjunto da sociedade, que os consolida e aperfeiçoa, nos tornando cidadãos responsáveis dentro de uma comunidade com interesses diversos, mas convergentes.
Minha mãe, colona analfabeta, nascida e criada na roça, oriunda de uma família de pobres agricultores italianos, sabia disso. Quando se casou com meu pai, semianalfabeto, exigiu que mudassem de Rodeiro para Cataguases, única cidade industrial das imediações. Ela queria, com isso, dar oportunidade aos filhos de estudar e crescer socialmente. Lavando e passando roupas para fora, incentivou o ingresso dos filhos homens em uma escola técnica – meu irmão e eu cursamos tornearia-mecânica no Senai –, pois compreendia que a única forma de libertação é a alcançada pelo conhecimento formal. Com a educação nos afastamos da ignorância – e a ignorância é o mal do mundo.
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