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Viagem mortal do ebola para o Mali com uma menina e sua avó

Fanta, de 2 anos e meio, chegou da Guiné doente e morreu na sexta-feira

José Naranjo
Funcionários do hospital de Kayes, no Mali, onde a menina faleceu.
Funcionários do hospital de Kayes, no Mali, onde a menina faleceu.AP

Ela se chamava Fanta Kondé e só tinha 2 anos e meio de idade. Na última sexta-feira, morreu em um hospital de Kayes, no Mali, onde chegou após ser contaminada pelo ebola na Guiné. A menina fez a viagem entre os dois países em vários ônibus, sempre nos braços da avó, Ami Gueye, e com os primeiros sintomas da doença. O Mali, que continua vivendo os sobressaltos de um conflito armado de múltiplas facetas em três regiões do norte, enfrenta agora um novo inimigo, desta vez invisível, que ataca a partir do sudoeste – um vírus que já demonstrou sua capacidade de viajar e cruzar fronteiras, seja em táxis coletivos, aviões ou ônibus. Por enquanto, a epidemia está concentrada na Libéria, na Guiné e em Serra Leoa e, segundo os últimos dados da OMS, já ultrapassou a barreira dos 10.000 contágios (10.141) e chega a 4.922 mortos, com cada vez mais possibilidades de que o vírus viaje mais.

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A história da chegada do ebola ao Mali começa há pouco menos de um mês no vilarejo de Bêla, no sul da Guiné, uma das regiões do país mais atingidas pelo vírus. Fanta vivia ali, com seu pai guineano e sua mãe malinesa, originária de Kayes. Mas o pai, que era presidente do comitê local de jovens da Cruz Vermelha, morreu de forma inesperada de um mal misterioso. Segundo sua esposa, um gânglio surgiu em seu pescoço e, 72 horas depois, ele faleceu. Três dias depois, a avó paterna de Fanta morreu também, após sofrer uma dor repentina no peito, que a família atribuiu à perda de seu primogênito. Os dois foram enterrados sem a realização de testes, por isso é impossível saber se foram ou não vítimas do ebola.

Ami Gueye, avó materna de Fanta e residente em Kayes, foi a Bêla para fazer companhia à filha e aos três netos. Após algumas semanas na Guiné, resolveu voltar ao Mali levando consigo a pequena Fanta. Em 19 de outubro, avó e neta iniciaram a viagem em um furgão adaptado ao transporte de pessoas, muito comum na África ocidental. A menina apresentou os primeiros sintomas do ebola (febre e sangramento nasal) durante a viagem. Sua avó lhe deu um antitérmico e colocou algodão em suas narinas para conter a hemorragia.

A menina viajou 750 quilômetros com febre e sangramento pelo nariz

A furgoneta seguiu sua rota passando por várias cidades e entrou no Mali por Kourémalé. Ali, as duas pegaram outro transporte até Bamaco, a capital do país, onde fizeram uma escala de duas horas. Em uma casa localizada na frente da antiga mesquita do bairro de Bagdadji, tomaram banho, comeram e descansaram um pouco antes de continuar a viagem. Chegaram a Kayes em 20 de outubro. Como a menina não melhorava, Ami Gueye a levou ao enfermeiro aposentado Amadou Traoré, morador do mesmo bairro, Plateau, em Kayes.

Diante dos sintomas da menina, que continuava sangrando pelo nariz e com febre alta, o enfermeiro a encaminhou ao hospital Fousseyni Daou, onde foi internada às 10h do dia 21 de outubro (8h em Brasília). Seu quadro havia se complicado: tinha 39 graus de febre, sangramento nasal, tosse e fezes escuras que indicavam alguma hemorragia interna. Surgiu a primeira suspeita de que poderia ser ebola, por causa de sua procedência. Depois de o protocolo de segurança ser ativado, uma equipe da Direção Nacional de Saúde foi enviada ao hospital na mesma noite, dando ordem para que amostras do sangue de Fanta fossem enviadas para análises em Bamaco.

Um total de 43 pessoas foram colocadas em vigilância ou isoladas. O presidente do país não fecha as fronteiras

Os resultados chegaram dois dias mais tarde, quando o próprio ministro da Saúde fez o anúncio do primeiro caso de ebola no Mali. No início da tarde de sexta-feira, 24 de outubro, a menina morreu no hospital. Àquela altura, o Governo já tinha elaborado uma lista de 43 pessoas com quem a menina esteve em contato e que foram colocadas sob vigilância ou isoladas, entre elas a avó e membros da família, tanto em Bamaco como em Kayes, uma dezena de funcionários do hospital e de serviços de saúde, e alguns passageiros com quem a menina esteve durante a longa viagem de 750 quilômetros desde o sul da Guiné – o que é mais preocupante e difícil de rastrear.

O presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, tentou lançar uma mensagem tranquilizadora à população durante o fim de semana, afirmando que desde que a epidemia começou “foram adotadas todas as medidas necessárias para nossa proteção”. Logo depois, no entanto, admitiu que, como foi visto, “não estamos hermeticamente fechados diante deste mal”. Apesar disso, ele afirmou que não pensa em fechar a fronteira com a Guiné, mas já instalou controles nos aeroportos. O desafio para este país é enorme e a OMS anunciou o envio de médicos e epidemiologistas para coordenar a luta contra o ebola.

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