O cozinheiro sem tempo para comer
O restaurante peruano premiado como melhor da América Latina recebe de 300 a 400 e-mails diários para reservas
Já eram mais de quatro da tarde, e o chef Virgilio Martínez, líder de 62 pessoas no restaurante Central em Miraflores (Lima), que não teve tempo de almoçar, se senta para conversar tomando um café. Suas jornadas começam às oito da manhã e terminam à uma da madrugada do dia seguinte. Por isso, se mudou para perto do restaurante. Depois de receber o prêmio de melhor restaurante da América Latina e de notar que atende cada vez mais comensais, ele acha que já pode parar de viajar tanto pelo mundo para mostrar sua cozinha. A gastronomia peruana já está no mapa.
O recente prêmio da revista britânica Restaurant não o afeta muito, pelo menos não de uma forma expressiva. “Continuamos trabalhando da mesma forma, há uma evolução e vamos melhorando: se isso pode ser visto nos reconhecimentos, bem-vindos, mas não nos achamos melhores do que alguns, nem os melhores da região. Estamos comprometidos com uma cozinha na qual queremos apostar em algo que possa ser único, quando se entra por esse caminho, é muito difícil dizer quem é o melhor. Quando queremos fazer uma cozinha que faça sentido, coerência, que seja deliciosa, saborosa, emocional, que conte uma história e tenha compromisso com o meio-ambiente. Estamos fazendo uma cozinha contemporânea que pode ter reflexão”, comenta.
Martínez, natural de Lima, 37 anos, casou-se no ano passado com sua chefa de cozinha, María Pía León, e em 2012 abriu em Londres o restaurante Lima. Formou-se como cozinheiro no Canadá quando em sua cidade ainda não havia escolas de gastronomia (hoje há várias). Depois de dez anos trabalhando no exterior, voltou ao Peru e foi parte da equipe do restaurante Astrid y Gastón, o melhor da América Latina em 2013.
“Como cozinheiros, trabalhamos muito para que as pessoas sejam felizes, se divirtam e saiam daqui emocionadas, porque nós as convidamos a viajar por lugares do Peru através dos pratos. O potencial disto pode ser muito forte. Não quero ser uma moda, algo que um dia surgiu e depois desapareceu, quero viver disto toda minha vida, porque é do que desfruto”, explica.
Quando terminou o evento no qual Martínez e León receberam o prêmio de melhor restaurante na América Latina, não foram para a festa dos organizadores. “Por respeito à equipe: os rapazes não estão tão surpresos quanto eu, porque têm este grau de inocência muito linda e achavam que merecíamos ser o primeiro, mas eu vejo as coisas por outro lado: não é o momento, somos um restaurante que tem cinco anos. Faz duas semanas recebemos o prêmio Summum (de Lima) por ser o melhor restaurante do Peru e antes uma estrela Michelin em Londres. São muitas coisas juntas, não?”.
Estamos fazendo uma cozinha contemporânea que pode ter reflexão” Virgilio Martínez, cozinheiro do restaurante Central
Segundo Martínez, eles estão atravessando certo caos nas reservas. “O telefone não para de tocar, recebemos de 300 a 400 e-mails diários e é preciso responder a todos por educação, temos três pessoas para isso. Podemos atender 60 cadeiras de cada vez. Mas o mais perigoso é quando sobe a expectativa das pessoas e procuram algo que talvez não seja real.”
“Me perguntaram o que fiz para ter o restaurante cheio. Talvez seja porque viajamos e cozinhamos em grandes restaurantes com o conceito do Central, mas também percebi que as pessoas estão vindo ao Peru pelo restaurante. É um momento no qual só tenho que esperar as pessoas. Abrir em Londres foi importante para que se saiba o que é a cozinha peruana e o que é o Central. Agora não preciso viajar, eu espero por eles. Por isso, estou muito feliz.”
Em 2013, Astrid y Gastón, do casal Gastón Acurio e Astrid Gutsche foi reconhecido como o melhor restaurante na América Latina. Martínez acha que trabalhar com o casal foi um fator importante. “Vivi a época em que Gastón y Astrid já tinham o restaurante. São quatro mãos enfiadas em onde supostamente só há duas. Duas cabeças e a possibilidade de se dividir. Também é preciso saber controlar, mas acho que é algo que funciona. Astrid ajudou muito o Gastón, o mesmo acontece comigo e com a Pía.”
Martínez esclarece que já viveu dez anos dentro de uma cozinha. “Agora faço um pouco de tudo. Tenho que criar minha louça, conversar com um senhor com quem estou fazendo um livro, vem um fornecedor que me fala sobre seus produtos, leio sobre cozinha, depois volto a meu serviço... Não almocei e isso se transforma em algo normal, é triste. Acho engraçado, porque as pessoas imaginam os cozinheiros tomando vinho, comendo coisas deliciosas. As viagens nos matam: fui cozinhar em Bogotá por dois dias, voei ao Panamá, fiz um evento e depois fui a Copenhague. Na volta, tinha jet lag e gripe. A gente também precisa contar ao mundo o que está fazendo. Quando viajo, aprendo muito. Por exemplo, na Dinamarca, aprendi como se cozinha de forma natural. Mas são viagens pouco saudáveis, pela agenda muito apertada”, confessa.
Sua ideia é ficar em seu lugar. “Aqueles que querem me ver são os clientes e quem trabalha comigo. São jovens que querem ver um líder e aprender. Estou muito grato pela equipe que tenho e não quero perdê-la e, para isso, preciso ficar aqui. Viajar versus estar aqui requer certo nível de estratégia, de inteligência, de entendimento de como são as coisas”, acrescenta antes de se despedir.
Nas mesas estão exigindo a presença do chef.
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